Escândalo do 'cadeiolão' levanta questões sobre prisões privadas nos EUA
Richard Fausset - NYT
Linsley Brennan/AP
As cadeias privadas proliferaram nos Estados Unidos, mas pagamentos de propina colocam o sistema em cheque
Em 1982, o jovem professor Christopher B. Epps pegou um segundo emprego como guarda em uma prisão conhecida como Fazenda Parchman, a única administrada na época pelo Departamento Penitenciário do Mississipi.
Eventualmente ele teve que optar por um caminho. "Acabou que eu estava
ganhando mais como agente penitenciário do que como professor",
lembrou-se Epps em uma entrevista para um boletim informativo do setor
de correções.Em 1982, o jovem professor Christopher B. Epps pegou um segundo emprego como guarda em uma prisão conhecida como Fazenda Parchman, a única administrada na época pelo Departamento Penitenciário do Mississipi.
Quando disse isso em 2009, Epps estava sendo homenageado como o comissário de penitenciárias que atuou por mais tempo no Mississipi. A população de presos do estado havia quadruplicado, cinco prisões privadas tinham sido construídas para ajudar a abrigá-la e, de acordo com as acusações de um grande júri federal, Epps havia encontrado uma nova forma de aumentar sua renda por baixo dos panos.
As 49 acusações contra Epps, reveladas na semana passada, alegam que ele recebeu mais de US$ 1 milhão em propina de um ex-legislador do Mississippi chamado Cecil McCrory, a partir de 2007. Em troca, diz a acusação, Epps ajudou a garantir contratos lucrativos junto ao departamento penitenciário para companhias de prisões privadas de propriedade de McCrory ou representadas por ele.
A acusação e sua repercussão levantaram questões que vão além de como Epps conseguiu comprar, com seu salário de servidor público, uma casa em um condomínio fechado de luxo, bem como um apartamento na praia, uma Mercedes cara e o Rolex de ouro que ele usou no tribunal no dia 6 de novembro, quando alegou ser inocente.
Algumas das questões estão focadas nas negociações do estado com o setor privado, que abriga um em cada cinco presos no Estado - um sistema do qual McCrory foi um dos primeiros defensores.
O Mississippi há muito luta para melhorar seu sistema prisional, notoriamente problemático. Em 2012, um juiz federal chamou as condições de uma das prisões privadas de "uma fossa séptica de atos e condições inconstitucionais e desumanas".
Agora o Estado está diante da possibilidade da ampliação do escândalo de corrupção, da reavaliação do sistema de contratação de prisões, e a retirada do poderoso Epps da equação política em meio à implementação de uma ambiciosa lei de sentenças alternativas que ele ajudou a criar.
"A situação é de desespero e falta de esperança", disse Jody Owens, advogado do Sothernt Poverty Law Center, em Jackson, que processou Epps por causa das condições nas prisões.
Instalações
modernas no complexo penitenciário, em Ribeirão das Neves, na região
metropolitana de Belo Horizonte, o primeiro presídio privado do país.
Trata-se de uma parceria entre o governo de Minas Gerais e a iniciativa
privada Carlos Alberto Secom/MG
Em um documento do tribunal no final de outubro, um juiz magistrado federal indicou que a investigação penal estava em andamento. Promotores disseram em um documento anterior que estavam investigando não só Epps e McCroy e seus supostos crimes, mas também "outros associados a esses esquemas e crimes".
"Estamos todos nos perguntando até onde isso vai e quem serão todos os envolvidos", disse o senador Russell Jolly, democrata. "Não sabemos."
Até renunciar ao cargo, um dia antes de se apresentar ao tribunal, Epps havia caminhado com destreza na corda bamba, servindo a um governador democrata e depois a dois republicanos.
Como um negro que ascendeu na carreira, Epps era, para muitos, um exemplo anti-clichê da promessa do Mississippi pós-segregação. Os legisladores ficavam encantados com sua bonomia e seu abraço de urso e admiravam sua habilidade de repetir estatísticas precisas de cabeça.
Mas para os defensores dos presos, ele era um personagem mais complicado. Margaret Winter, diretora-associada do Projeto Prisões Nacionais da União Americana pelas Liberdades Civis, disse que Epps merece crédito por desmantelar uma unidade infame de confinamento solitário em Parchman, antes conhecida como Penitenciária Estadual do Mississippi. A violência caiu, e Epps ganhou aclamação nacional.
De volta ao estado, o senador Willie Wimmons, democrata, disse que Epps também trabalhou com ele para tentar reduzir as leis rígidas de condenação que vêm alimentando o crescimento explosivo da população carcerária. Em 2008, os dois tiveram sucesso em excluir alguns criminosos não violentos da lei que exigia que os réus cumprissem pelo menos 85% de suas sentenças.
Mas Winter e seus aliados continuaram processando. Em 2010, a ACLU e a SPLC entraram com uma queixa junto ao governo federal contra o tratamento precário que os jovens recebiam na Instituição Correcional Walnut Grove, uma prisão privada, eventualmente entrando em um acordo.
Um segundo processo pendente tem como alvo a Instituição Correcional East Mississippi, uma prisão para doentes mentais, onde advogados e especialistas relataram paredes sujas de fezes, guardas corruptos, violência frequente e cuidados médicos abaixo do padrão.
Quando se tornou comissário, em agosto de 2002, Epps herdou as prisões privadas, um legado da era dos legisladores dos anos 90, que as viam como uma solução barata para uma crise de superlotação. McCrory, ex-vice-xerife, apoiou a lei de privatização de 1993. Ela não foi para frente no legislativo estadual, mas a ideia ganhou força, e o Mississippi abriu sua primeira prisão privada em 1996.
Em 2013 o sistema tinha quatro prisões privadas e a segunda maior taxa de encarceramento do país. Estimava-se que o crescimento da população carcerária custaria ao estado US$ 266 milhões durante os dez anos seguintes. Como em outros Estados, os republicanos conservadores que dominam o governo estadual começaram a explorar a possibilidade de cortar custos com uma reforma das penas.
Epps foi escolhido para liderar uma força-tarefa sobre o assunto. O grupo eventualmente criou um plano abrangente que, entre outras coisas, deu a alguns criminosos não violentos novas alternativas que não a prisão. O planos se tornou lei em 2014. Epps chamou-o de um "marco" na legislação, que "controlaria os custos do sistema correcional sem prejudicar em nada a segurança pública".
Nesse ponto, segundo as acusações, ele vinha recebendo propinas de McCrory há pelo menos sete anos. McCrory é acusado de fazer depósitos de cinco e seis dígitos em contas bancárias para pagar as hipotecas dos imóveis de Epps.
Epps, diz o documento, recebeu mais US$ 900 mil em dinheiro, guardando parte num cofre em sua casa e depois depositando em várias contas, ou adquirindo cheques administrativos, em quantias menores que US$ 10 mil para evitar prestar contas ao governo federal.
Entre os clientes de McCrory está a Management and Training Corp., ou MTC, uma companhia com sede em Utah que foi contratada para administrar três prisões privadas em 2012, e quatro em 2013.
De acordo com as acusações, foi Epps que persuadiu a MTC a contratar McCrory como consultor, e negociou pessoalmente o honorário de US$ 12 mil, que mais tarde dividiu com McCrory.
Um porta-voz da MTC disse em uma declaração que Epps meramente "recomendou" que a companhia trabalhasse com McCrory, acrescentando que a empresa, na época, não "estava ciente de nenhuma relação supostamente inapropriada entre Epps e McCrory."
Ele acrescentou que a companhia havia trabalhado junto a Epps para fazer mudanças nas prisões para "melhorar a segurança e o tratamento dos presos". McCrory, que também foi citado nas acusações, também se declarou inocente. A MTC cancelou o contrato de consultoria com ele.
A reportagem não conseguiu falar com o advogado de McCrory. Epps recusou-se a comentar.
Para Winter, as acusações, embora perturbadoras, são uma distração em relação a questões mais preocupantes que afligem o sistema. Ela argumenta que as autoridades estaduais monitoram as prisões privadas de forma inadequada, enquanto "recusam-se veementemente a destinar dinheiro suficiente para alimentar, vestir e abrigar os presos" em todo o sistema.
O foco no caso de Epps pode desencadear pelo menos uma reforma no sistema penitenciário. O auditor estadual Stacey Pickering teme que Epps, mesmo que seja condenado, ainda possa receber sua aposentadoria estadual.
Pickering planeja pedir aos legisladores para criar uma lei proibindo esse tipo de pagamento.
Tradutor: Eloise De Vylder
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