Maxim Trudolyubov - TINYT
AFP
Putin discursa durante aniversário de um ano da anexação da Crimeia
O "Dia da Vitória" da Rússia, comemorado em 9 de maio, tem sido há décadas o acontecimento mais unificador do ano, no plano doméstico, e seu feriado menos polêmico no plano internacional. Mas por causa das peculiaridades da política histórica do Kremlin, da anexação da Crimeia pelo governo russo e da atual disputa pela Ucrânia, até a comemoração do 70º aniversário do fim da Grande Guerra Patriótica tornou-se fator de divisão.
Chefes de Estado do mundo inteiro foram convidados para o desfile militar em Moscou para marcar a derrota da Alemanha de Hitler. Segundo o ministro das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov, líderes da China, Israel, República Tcheca, Sérvia, Coreia do Norte e da maioria das ex-repúblicas soviéticas pretendem participar. Mas os dos países ocidentais que foram os mais próximos aliados da Rússia na Segunda Guerra Mundial declinaram.O "Dia da Vitória" da Rússia, comemorado em 9 de maio, tem sido há décadas o acontecimento mais unificador do ano, no plano doméstico, e seu feriado menos polêmico no plano internacional. Mas por causa das peculiaridades da política histórica do Kremlin, da anexação da Crimeia pelo governo russo e da atual disputa pela Ucrânia, até a comemoração do 70º aniversário do fim da Grande Guerra Patriótica tornou-se fator de divisão.
A Rússia sempre teve uma relação de amor e ódio com o Ocidente. Escritores de Turguenev a Brodsky trabalharam para construir pontes, enquanto outros, de Dostoievsky a Soljenitsyn, advertiram que a moral, as culturas e os costumes dos ocidentais são de certa forma corruptores.
O presidente Vladimir Putin e seus apoiadores optaram por adotar a opinião de que o Ocidente sempre tentou corromper e trapacear o povo russo, para conter o desenvolvimento do país e impedir a Rússia de assumir seu lugar de direito no mundo. Há muito tempo eles insistem que os Estados Unidos e seus aliados foram injustos com a Rússia no final da Guerra Fria, apesar de Moscou ter abandonado voluntariamente seus interesses na Europa Central e Oriental. E eles criticam seus conterrâneos que buscaram e ainda buscam reforçar os laços com o Ocidente.
"Os maiores criminosos de nossa história foram os fracotes que atiraram ao chão o poder russo -- Nicolau 2º e Mikhail Gorbatchev --, os que permitiram que o poder fosse tomado pelos histéricos e os loucos", Putin teria dito em particular a seus assessores, segundo o jornalista Ben Judah.
Esses temas também se tornaram centrais no discurso público do presidente russo. "Está na hora de parar de tomar nota só das coisas ruins em nossa história e de nos criticarmos mais do que nossos adversários fariam", declarou ele na reunião anual de especialistas internacionais da Rússia conhecida como Clube de Discussão Valdai, em 2013. "Devemos nos orgulhar de nossa história".
Putin reforçou sua posição interna ao distorcer a história para justificar sua missão autoproclamada de recuperar a glória perdida da Rússia. Em um documentário lançado na TV nacional para coincidir com o aniversário da anexação da Crimeia, que se tornou oficialmente parte da Rússia em 21 de março de 2014, Putin assumiu a responsabilidade pessoal pela medida, chamando a perda da península e do histórico porto naval russo de Sebastopol, quando a União Soviética desmoronou, de "injustiça histórica" que tinha de ser corrigida.
Esta é certamente uma premissa seletiva. Vejam o caso do Perm-36, um museu da repressão soviética criado em 1992 no local de uma antiga colônia penal a cerca de mil quilômetros a leste de Moscou. O museu de propriedade privada, que leva o nome da designação soviética do campo de prisioneiros, foi dedicado às vítimas do stalinismo. Mas o governo local, sentindo a necessidade de demonstrar lealdade ao Kremlin, expulsou a organização. O Perm-36 reabrirá em breve como um museu do Estado dedicado à história retocada do sistema penal russo.
Essa abordagem distorcida do passado, que salienta as vitórias russas enquanto minimiza os crimes do país, continua nas atuais relações do Kremlin com Washington e as capitais da Europa ocidental. Em nenhum lugar isto fica mais evidente do que no relacionamento da Rússia com a Alemanha, país que construiu sua identidade depois da Segunda Guerra Mundial com uma posição de abertura e penitência sobre o lado escuro de sua história. Em uma recente visita ao Japão, a chanceler Angela Merkel disse que a Alemanha, apesar da brutalidade e do horror da era Hitler, hoje é aceita pela comunidade internacional não somente por causa da generosidade de seus vizinhos, mas também pela "prontidão da Alemanha a enfrentar nossa história de maneira aberta e franca".
Hoje, Merkel preside a maior e mais bem-sucedida economia europeia. Gradualmente e com relutância, a Alemanha está assumindo um papel de líder nas questões de política externa europeias. A crise da Ucrânia -- e a posição discreta que o governo Obama assumiu para enfrentá-la -- obrigaram Merkel a tomar a iniciativa.
Depois do colapso da URSS, foi ao mesmo tempo simbólico e justificável que a Alemanha, o inimigo mais ferrenho da Rússia na guerra mais feia e assassina da Europa, se tornasse o país que levou mais a sério seu relacionamento estratégico com a Rússia.
"Os políticos alemães realmente pensaram que eles, e somente eles, poderiam levar a Rússia para o Ocidente", diz Constanze Stelzenmüller, membro sênior do Instituto Brookings. "A Alemanha foi a cabeça de ponte da Rússia na Europa. Vladimir Putin destruiu essa ponte rapidamente".
Os líderes ocidentais insistem que não querem outra Guerra Fria com a Rússia. No entanto, o clima com Moscou está tão frio e a irritação pelas agressões de Putin é tão pronunciada, que nem o presidente norte-americano, Barack Obama, nem os líderes da Grã-Bretanha, Polônia, países bálticos e da maioria dos outros países da União Europeia pretendem estar em Moscou para o desfile do "Dia da Vitória". Tampouco a chanceler alemã. Mas embora Angela Merkel, sempre pacificadora, não esteja na comemoração principal, ela pretende depositar uma coroa de flores no muro do Kremlin diante da tumba do soldado desconhecido.
(Maxim Trudolyubov é editor de opinião do jornal de economia "Vedomosti", membro do Wilson Center em Washington e autor de um livro inédito sobre poder e propriedade na Rússia.)
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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