sábado, 28 de março de 2015

Muçulmanos moderados e laicos unidos contra o terrorismo na Tunísia
Rached Ghannouchi - Le Monde
Fadel Senna/AFP
Policiais montam guarda do lado de fora do Museu do Bardo, em Túnis, durante cerimônia que marcaria a reabertura do local Policiais montam guarda do lado de fora do Museu do Bardo, em Túnis, durante cerimônia que marcaria a reabertura do local
Os atentados ao Museu do Bardo queriam matar a exceção nascida da "primavera árabe" constituída pela Tunísia, que realizou a transição democrática com os representantes de um islamismo compatível com a liberdade e contrário à violência
Às vésperas da comemoração de sua independência, a Tunísia viveu um acontecimento trágico de rara violência. Na quarta-feira (18), pelo menos vinte inocentes, entre turistas e cidadãos tunisianos, perderam a vida e dezenas ficaram feridos. Todo o povo tunisiano está em comunhão com a dor e a revolta das famílias das vítimas. A Tunísia sai arrasada desse massacre, mas permanece lúcida quanto às intenções dos terroristas. O Museu do Bardo, local do ataque, simboliza ao mesmo tempo nossa cultura milenar e nossa jovem democracia. Os terroristas claramente estavam tentando interromper a transição democrática que está em andamento, e mergulhar no caos o único país onde a "primavera árabe" conseguiu resultar no surgimento de uma democracia.

Fenômeno transregional

Esse progresso foi possível graças ao determinado engajamento dos tunisianos no caminho do diálogo e da unidade nacional diante dos vários desafios da transição para uma democracia. Essa determinação foi ilustrada pelo nosso apego em abstrair as rixas do passado e em respeitar as crenças e convicções de cada um. Uma força vital move o país:  construir juntos uma democracia inclusiva e progressista, erguer uma sociedade justa e tolerante.
A exceção tunisiana se baseia em quarto fundamentos totalmente assimilados pelo partido Ennahda. Primeiro, a convicção de que a reconciliação nacional é uma condição indispensável da democracia. Segundo, a vontade de conduzir a transição para a democracia construindo e favorecendo o encontro e o trabalho dos islamitas moderados e laicos moderados em torno do interesse nacional.
A própria Constituição é o terceiro fundamento dessa exceção tunisiana, protetora das liberdades individuais, que garantem a igualdade entre homens e mulheres ao mesmo tempo em que oferecem a nosso Estado o fundamento das instituções representativas e legítimas. Por fim, nós sempre promovemos a ideia de um governo de unidade nacional, independentemente dos resultados das eleições.
Aqueles que perpetraram o violento ataque ao Museu do Bardo estavam exprimindo sua impotência diante da incrível aposta que se fez na Tunísia, de conciliar o espírito universal dos Direitos Humanos com nossa identidade árabe-muçulmana e provar que islamitas moderados e laicos moderados podem trabalhar juntos para construir uma democracia e enfrentar os desafios da transição democrática. Hoje temos a tristeza de compartilhar com muitos países as dores do terrorismo. Trata-se de um fenômeno transregional, cujos amargos frutos nós também colhemos. Então será preciso estabelecer uma estratégia global para contê-lo.
O terrorismo não nasceu na Tunísia após a revolução. Nosso país por muito tempo sofreu com o radicalismo antes da revolução, junto de políticas de repressão do antigo regime, da negação das liberdades e dos direitos humanos, e da marginalização. Após a revolução, infelizmente, os extremistas se beneficiaram da instabilidade derivada da incapacidade das instituições de exercerem sua autoridade, e da liberdade adquirida pelos tunisianos. Na Tunísia, após dezenas de anos de repressão, temos a certeza de que a luta contra o terrorismo não será feita em detrimento de liberdades adquiridas com tanto custo. Após a revolução, os sucessivos governos assumirams esse desafio em um contexto marcado por rixas políticas, dificuldades econômicas profundas, serviços de segurança mal equipados e por uma instabilidade regional.
Durante esse período, os esforços desses governos permitiram o desmantelamento de inúmeras células radicais, e a retomada do controle sobre as mesquitas, a melhora do controle das fronteiras e a da cooperação com a Argélia e outros países vizinhos para se beneficiar de seus conhecimentos. O governo da "troika" proibiu o movimento Ansar al-Sharia e o declarou como grupo terrorista em 2013. Essa guerra contra o terrorismo continuou durante os diferentes governos, com a obtenção de inúmeros sucessos. É claro que precisamos continuar melhorando nossa resposta no sentido da segurança.

Distinguir o verdadeiro do falso

No entanto, a abordagem pela segurança não é suficiente, o terrorismo é uma complexa teia criminosa. Sabemos que a injustiça social e econômica cria um ambiente favorável aos extremismos e se alimenta da miséria cultural e educacional. Devemos combater a marginalização dos jovens. Sem uma economia forte, o projeto tunisiano correria o risco de implodir socialmente. Esperamos uma ajuda significativa, nesse sentido, por parte de nossos parceiros internacionais, e sobretudo da França e da União Europeia, para reforçar as colaborações econômicas com a Tunísia. É responsabilidade do Estado tunisiano agir nesses planos sem negligenciar a importância de se combater a doutrinação que visa os jovens tunisianos.
Precisamos ter condições de inculcar os fundamentos verdadeiros de nossa religião, para que eles mesmos consigam distinguir o que é verdadeiro do que é falso na mensagem do islã, que é totalmente envolta na ideia de paz e tolerância. A violência se alimenta da ignorância, e é nosso dever combater o deserto intelectual no qual cresceu a sacrificada geração da era de Ben Ali. O partido Ennahda tem feito um apelo para a realização de uma conferência nacional para definir juntos uma estratégia de longo prazo de combate ao terrorismo. Todas as forças vivas do país devem contribuir para essa reflexão geral sobre um fenômeno que não é nem esporádico, nem passageiro.
O combate ao terror é um trabalho demorado que deve incluir todas as pessoas que queiram proteger nossa experiência democrática. A unidade nacional não deve permanecer como um desejo distante, mas sim se tornar uma promessa. Só juntos conseguiremos acabar com o terror. Assim como conseguimos vencer a ditadura, nós venceremos o terrorismo. Essas tentativas de desestabilização não derrubarão o povo tunisiano, que não se acostumará com o medo nem com o terrorismo, mas que permanecerá unido para um futuro próspero.
A Tunísia permanecerá de pé, continuará recebendo seus convidados e os investidores que queiram apostar em sua estabilidade, e dando esperança a seu povo. O sucesso do modelo tunisiano não é só do interesse da Tunísia e de seus cidadãos, mas é considerado um sucesso global, tanto no mundo árabe quanto na Europa e no resto do mundo.

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