Suzanne Daley - NYT
Miranda Lumsden, 43, solteira e com quatro filhos, nunca havia protestado contra nada antes que o governo adotasse novas taxas de água, no último verão.
Mas a perspectiva de mais uma conta chegando pelo correio a deixou furiosa o suficiente para se unir a um grupo de manifestantes diante da prefeitura de Dublin recentemente, apesar de a garoa molhar seus cartazes feitos em casa: "Não vamos pagar".
"Já estou contando moedas semana a semana", disse Lumsden, fechando melhor seu casaco. "Só tenho o dinheiro para as passagens de ônibus até o fim da semana."
Até hoje a Irlanda era emblemática das políticas de austeridade defendidas pela Alemanha. Seus cidadãos ofereceram pequena resistência quando o governo - lutando com enormes dívidas dos bancos falidos do país - introduziu novos impostos e aumentou os existentes, enquanto demitia trabalhadores e cortava os benefícios sociais.
Nos últimos meses, porém, os irlandeses não têm se calado. A perspectiva de pagar pela água, que muitos consideram mais um imposto em um momento em que o governo lhes garantiu que a austeridade terminou, provocou uma série de protestos maciços em todo o país, de Dublin a Cork. Muitos manifestantes dizem que não pretendem pagar a nova taxa.
Cerca de um terço das residências do país simplesmente se recusaram a se registrar na recém-criada autoridade estatal que deverá dirigir o serviço de água do país, apesar de o prazo para isso ter sido ampliado três vezes. Em alguns bairros, trabalhadores que tentaram instalar medidores encontraram grupos nervosos e foram obrigados a fugir.
A reação foi tão forte que o governo já reduziu um pouco suas expectativas, definindo um limite para a cobrança da água pelo menos por enquanto e acrescentando um edulcorante - 100 euros para as residências que se registrarem.
Mas alguns especialistas dizem que os protestos não terminaram, refletindo o crescente cansaço com as políticas de austeridade que cobraram um alto preço da maioria das famílias, mesmo enquanto a economia se recuperava a ponto de apresentar o crescimento mais rápido na Europa.
Muitos esperam uma recusa generalizada a pagar quando as contas forem enviadas, em abril.
"É como ver uma represa estourar", disse Paddy Prendiville, editor de uma revista bissemanal de política e atualidades, "The Phoenix". "Um desafio que não existia e agora existe. A cobrança da água foi a última gota para a população."
A revolta contra as políticas de austeridade já mudou a face da política na Grécia, onde, depois de negociar o poder durante décadas, os partidos de centro-direita e centro-esquerda recentemente perderam as eleições nacionais para um partido de esquerda, o Syriza. Na Espanha, o novo partido de esquerda Podemos lidera as pesquisas há meses para as eleições que deverão se realizar no final deste ano.
Aqui também as pesquisas indicam que uma mudança política está fermentando. Há um apoio crescente para a oposição de esquerda e antiausteridade do partido Sinn Fein e para partidos menores que, como o Syriza na Grécia, pedem a renegociação das condições dos empréstimos.
O Sinn Fein é o braço político do Exército Republicano Irlandês (IRA na sigla em inglês) e é chefiado por Gerry Adams, que há muito tempo nega afirmativas de que ele foi um membro do IRA ou participou da violência do grupo.
O Sinn Fein está conseguindo mais de 20% das intenções de voto, mais ou menos nivelado com os dois partidos dominantes tradicionais da Irlanda, Fine Gael e Fianna Fail, e mais que o dobro dos votos que obteve em 2011. As eleições deverão ocorrer em abril de 2016, mas poderão se realizar no final deste ano, dizem especialistas.
"As coisas poderão ficar muito interessantes", disse Prendiville. "O Sinn Fein sem dúvida vai duplicar seus assentos. Ninguém se importa com o que o IRA fez 30 anos atrás."
O atual governo irlandês, uma coalizão do partido de centro-direita Fine Gael e do Partido Trabalhista, de centro-esquerda, parece ter sido pego de surpresa pelo profundo ressentimento sobre a cobrança da água.
Os manifestantes dizem que pagam impostos pela água há anos e o governo agora está cobrando em dobro.
No início, o governo do primeiro-ministro Enda Kenny tentou instalar medidores e cobrar dos cidadãos pelo uso da água. Mas então o governo estabeleceu um limite para a cobrança e prometeu que as tarifas não vão aumentar até 2019. Para a maioria das residências, isso significa pagar não mais que US$ 285 por ano, segundo as autoridades.
Alan Kelly, o ministro do Meio Ambiente, Comunidade e Governo Local, disse que criar um departamento com um fluxo de receita dedicado, que pode vender títulos, é a melhor maneira de financiar o trabalho de infraestrutura necessário. Ele rejeita os manifestantes como "de esquerda" ou "populistas", e recentemente sugeriu que eles estavam "malucos".
Mas Sarah Murphy, 35, que vive em Ballymun, uma das áreas mais pobres de Dublin, disse que seu marido não consegue encontrar trabalho desde que sua empresa faliu em 2008. Depois de pagar o aluguel e a eletricidade, a família de cinco pessoas vive com US$ 73 por semana.
"Não vamos pagar pela água", disse ela. "Não temos dinheiro."
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
"Já estou contando moedas semana a semana", disse Lumsden, fechando melhor seu casaco. "Só tenho o dinheiro para as passagens de ônibus até o fim da semana."
Até hoje a Irlanda era emblemática das políticas de austeridade defendidas pela Alemanha. Seus cidadãos ofereceram pequena resistência quando o governo - lutando com enormes dívidas dos bancos falidos do país - introduziu novos impostos e aumentou os existentes, enquanto demitia trabalhadores e cortava os benefícios sociais.
Nos últimos meses, porém, os irlandeses não têm se calado. A perspectiva de pagar pela água, que muitos consideram mais um imposto em um momento em que o governo lhes garantiu que a austeridade terminou, provocou uma série de protestos maciços em todo o país, de Dublin a Cork. Muitos manifestantes dizem que não pretendem pagar a nova taxa.
Cerca de um terço das residências do país simplesmente se recusaram a se registrar na recém-criada autoridade estatal que deverá dirigir o serviço de água do país, apesar de o prazo para isso ter sido ampliado três vezes. Em alguns bairros, trabalhadores que tentaram instalar medidores encontraram grupos nervosos e foram obrigados a fugir.
A reação foi tão forte que o governo já reduziu um pouco suas expectativas, definindo um limite para a cobrança da água pelo menos por enquanto e acrescentando um edulcorante - 100 euros para as residências que se registrarem.
Mas alguns especialistas dizem que os protestos não terminaram, refletindo o crescente cansaço com as políticas de austeridade que cobraram um alto preço da maioria das famílias, mesmo enquanto a economia se recuperava a ponto de apresentar o crescimento mais rápido na Europa.
Muitos esperam uma recusa generalizada a pagar quando as contas forem enviadas, em abril.
"É como ver uma represa estourar", disse Paddy Prendiville, editor de uma revista bissemanal de política e atualidades, "The Phoenix". "Um desafio que não existia e agora existe. A cobrança da água foi a última gota para a população."
A revolta contra as políticas de austeridade já mudou a face da política na Grécia, onde, depois de negociar o poder durante décadas, os partidos de centro-direita e centro-esquerda recentemente perderam as eleições nacionais para um partido de esquerda, o Syriza. Na Espanha, o novo partido de esquerda Podemos lidera as pesquisas há meses para as eleições que deverão se realizar no final deste ano.
Aqui também as pesquisas indicam que uma mudança política está fermentando. Há um apoio crescente para a oposição de esquerda e antiausteridade do partido Sinn Fein e para partidos menores que, como o Syriza na Grécia, pedem a renegociação das condições dos empréstimos.
O Sinn Fein é o braço político do Exército Republicano Irlandês (IRA na sigla em inglês) e é chefiado por Gerry Adams, que há muito tempo nega afirmativas de que ele foi um membro do IRA ou participou da violência do grupo.
O Sinn Fein está conseguindo mais de 20% das intenções de voto, mais ou menos nivelado com os dois partidos dominantes tradicionais da Irlanda, Fine Gael e Fianna Fail, e mais que o dobro dos votos que obteve em 2011. As eleições deverão ocorrer em abril de 2016, mas poderão se realizar no final deste ano, dizem especialistas.
"As coisas poderão ficar muito interessantes", disse Prendiville. "O Sinn Fein sem dúvida vai duplicar seus assentos. Ninguém se importa com o que o IRA fez 30 anos atrás."
O atual governo irlandês, uma coalizão do partido de centro-direita Fine Gael e do Partido Trabalhista, de centro-esquerda, parece ter sido pego de surpresa pelo profundo ressentimento sobre a cobrança da água.
Os manifestantes dizem que pagam impostos pela água há anos e o governo agora está cobrando em dobro.
No início, o governo do primeiro-ministro Enda Kenny tentou instalar medidores e cobrar dos cidadãos pelo uso da água. Mas então o governo estabeleceu um limite para a cobrança e prometeu que as tarifas não vão aumentar até 2019. Para a maioria das residências, isso significa pagar não mais que US$ 285 por ano, segundo as autoridades.
Alan Kelly, o ministro do Meio Ambiente, Comunidade e Governo Local, disse que criar um departamento com um fluxo de receita dedicado, que pode vender títulos, é a melhor maneira de financiar o trabalho de infraestrutura necessário. Ele rejeita os manifestantes como "de esquerda" ou "populistas", e recentemente sugeriu que eles estavam "malucos".
Mas Sarah Murphy, 35, que vive em Ballymun, uma das áreas mais pobres de Dublin, disse que seu marido não consegue encontrar trabalho desde que sua empresa faliu em 2008. Depois de pagar o aluguel e a eletricidade, a família de cinco pessoas vive com US$ 73 por semana.
"Não vamos pagar pela água", disse ela. "Não temos dinheiro."
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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