Miguel Ángel Criado - El País
Os humanos de hoje gostam de se considerar os protagonistas do lema olímpico mais rápido, mais alto, mais forte (Citius, altius, fortius). Em nossa diversidade, cremos que somos o último passo da evolução humana, o fruto acabado do progresso. Entretanto, uma revisão de grande quantidade de restos dos primeiros hominídeos mostra que há quase 2 milhões de anos o gênero Homo era tão diversificado quanto hoje. Sim, havia os baixinhos e entroncados, mas também tão altos e fortes quanto os atuais.
A ideia do progresso como uma sucessão de passos para algo melhor, do mais simples ao mais complexo, é uma deformação das ideias de Charles Darwin que ainda tem seus adeptos entre os cientistas. Para muitos paleoantropólogos, o gênero Homo foi evoluindo de espécimes menores, menos bípedes e aparentados com os simiescos australopitecus até as formas refinadas do Homo sapiens. O pior é que, para muitos, foi esse refinamento que permitiu a expansão dos primeiros humanos fora de seu paraíso original, a África, para o resto do planeta.
Entretanto, uma revisão de dezenas de restos daqueles primeiros hominídeos mostra uma grande diversidade de tamanho corporal e estatura mesmo antes da primeira grande migração humana. Na verdade, entre 1,8 e 1,7 milhões de anos atrás, coincidiram espécimes africanos tão altos quanto os humanos atuais com espécies de hominídeos de 1,50 metro de altura que já viviam na Europa.
"Não podemos dar por fato que a evolução para corpos maiores e pernas mais longas foi o principal motor por trás das primeiras excursões de nosso gênero na Eurásia", disse em uma nota o pesquisador da Universidade de Tübingen (Alemanha) e coautor do estudo Manuel Will. E não se pode dar por fato porque os restos dizem o contrário.
Os pesquisadores revisaram os estudos publicados sobre restos de cerca de 40 exemplares de três espécies de Homo anteriores à nossa - Homo habilis, Homo rudolfensis e Homo ergaster. Estudos anteriores sustentaram que os dois primeiros eram muito parecidos com os australopitecus de 2 milhões de anos atrás em massa corporal e estatura. O ergaster, de maior estatura, tamanho e proporções nas extremidades semelhantes às dos humanos atuais, teria condições de iniciar a aventura por outras terras. Contudo, descobertas como a de Dmanisi (Geórgia) de um ergaster de 1,8 milhões de anos com uma estatura de 1,49 cm pôs em dificuldades os defensores do Citius, altius, fortius.
Em paleoantropologia, o tamanho e a estatura são importantes. Pernas mais longas, maior proporcionalidade entre as extremidades inferiores e posteriores e ser mais alto dão vantagens adaptativas. Junto com a melhora da dieta e a ampliação do nicho ecológico viria o desenvolvimento do cérebro. Mas o problema é que a maior parte dos restos encontrados, além de sua dispersão temporária e geográfica, são craniais, e por uma peça dental não se pode saber a altura de um indivíduo. Os pedaços de ossos mais longos, como a cabeça do fêmur, são os melhores indicadores antropométricos, mas não são muitos.
O que os pesquisadores fizeram foi comparar as dimensões dos restos catalogados dos primeiros hominídeos com os de cerca de 20 povos primitivos atuais. Não se trata de um desvio etnocentrista, e sim de que essas comunidades ainda vivem como se supõe que o faziam nossos antecessores, e não foram influenciadas pela recente melhora da espécie humana fruto dos avanços da Revolução Industrial. Com esse ponto de partida, puderam fazer uma série de regressões para obter a estatura e o peso corporal médios de nossos antepassados.
Seus resultados, publicados no "Journal of Human Evolution", mostram uma maior diversidade de peso e estatura do que se pensava. Além disso, essa variabilidade não segue um padrão temporário ou geográfico. Houve hominídeos de 1,80 m de altura e 80 kg, como os encontrados na jazida de Koobi Fora, no Quênia, de 1,7 milhões de anos atrás, coetâneos de outros de apenas 1,35 cm e 30 kg.
"O que estamos vendo talvez seja o início de uma característica única de nossa espécie, as origens da diversidade", diz o antropólogo da Universidade de Cambridge e coautor do estudo Jay Stock. "Podem-se interpretar nossos resultados como uma amostra de que houve várias espécies de primeiros humanos, como Homo habilis, Homo ergaster e Homo rudolfensis, ou uma única espécie muito diversificada", acrescenta.
Para os pesquisadores, o maior aumento no tamanho corporal não foi um fator determinante para a expansão dos Homo fora da África, já que o principal aumento ocorreu dezenas de milhares de anos antes que o Homo erectus deixasse o continente, em especial na região de Koobi Fora.
Para o codiretor do Idea (Instituto da Evolução na África) e especialista na jazida de Olduvai (cujos restos estão incluídos no estudo), aplicar uma regressão a partir de humanos atuais, por mais primitivos que sejam, é muito arriscado. "Se entrássemos em uma máquina do tempo, veríamos que se acertaram foi por puro acaso", comenta. Outro problema é o tamanho da amostra. Apesar de todos os espécimes revisados, trata-se de um lapso de tempo de pelo menos um milhão de anos. "Com etapas de maior abundância de fósseis que outras, isso fragiliza uma cronologia confiável das amostras", acrescenta.
Apesar dessas limitações, o paleoantropólogo espanhol concorda com uma das conclusões do trabalho: a grande diversidade de tamanhos e estaturas dos primeiros humanos. O que ele nega é que essa diversidade tenha ocorrido depois da saída da África. "Há restos de 1,7 milhões de anos de hominídeos de mais de 1,80 cm de altura." Em Olduvai, por exemplo, os restos catalogados podem ser pequenos, mas pesquisadores do Idea estão encontrando restos de alturas comparáveis às dos humanos atuais.
"Temos de admitir que nos primeiros Homo há diversidade quanto a alturas corporais, mas o que não há é uma tendência linear. Há 2 milhões de anos temos habilis menores convivendo com erectus muito maiores. E 500 mil anos depois continuam convivendo", recorda. E propõe uma nova incógnita: "Com as últimas descobertas, não se sustenta a crença de que o erectus evolui do habilis clássico; o erectus vem de outra coisa". Assim, o livro de história dos primeiros humanos ainda está por encontrar um final.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Entretanto, uma revisão de dezenas de restos daqueles primeiros hominídeos mostra uma grande diversidade de tamanho corporal e estatura mesmo antes da primeira grande migração humana. Na verdade, entre 1,8 e 1,7 milhões de anos atrás, coincidiram espécimes africanos tão altos quanto os humanos atuais com espécies de hominídeos de 1,50 metro de altura que já viviam na Europa.
"Não podemos dar por fato que a evolução para corpos maiores e pernas mais longas foi o principal motor por trás das primeiras excursões de nosso gênero na Eurásia", disse em uma nota o pesquisador da Universidade de Tübingen (Alemanha) e coautor do estudo Manuel Will. E não se pode dar por fato porque os restos dizem o contrário.
Os pesquisadores revisaram os estudos publicados sobre restos de cerca de 40 exemplares de três espécies de Homo anteriores à nossa - Homo habilis, Homo rudolfensis e Homo ergaster. Estudos anteriores sustentaram que os dois primeiros eram muito parecidos com os australopitecus de 2 milhões de anos atrás em massa corporal e estatura. O ergaster, de maior estatura, tamanho e proporções nas extremidades semelhantes às dos humanos atuais, teria condições de iniciar a aventura por outras terras. Contudo, descobertas como a de Dmanisi (Geórgia) de um ergaster de 1,8 milhões de anos com uma estatura de 1,49 cm pôs em dificuldades os defensores do Citius, altius, fortius.
Em paleoantropologia, o tamanho e a estatura são importantes. Pernas mais longas, maior proporcionalidade entre as extremidades inferiores e posteriores e ser mais alto dão vantagens adaptativas. Junto com a melhora da dieta e a ampliação do nicho ecológico viria o desenvolvimento do cérebro. Mas o problema é que a maior parte dos restos encontrados, além de sua dispersão temporária e geográfica, são craniais, e por uma peça dental não se pode saber a altura de um indivíduo. Os pedaços de ossos mais longos, como a cabeça do fêmur, são os melhores indicadores antropométricos, mas não são muitos.
O que os pesquisadores fizeram foi comparar as dimensões dos restos catalogados dos primeiros hominídeos com os de cerca de 20 povos primitivos atuais. Não se trata de um desvio etnocentrista, e sim de que essas comunidades ainda vivem como se supõe que o faziam nossos antecessores, e não foram influenciadas pela recente melhora da espécie humana fruto dos avanços da Revolução Industrial. Com esse ponto de partida, puderam fazer uma série de regressões para obter a estatura e o peso corporal médios de nossos antepassados.
Seus resultados, publicados no "Journal of Human Evolution", mostram uma maior diversidade de peso e estatura do que se pensava. Além disso, essa variabilidade não segue um padrão temporário ou geográfico. Houve hominídeos de 1,80 m de altura e 80 kg, como os encontrados na jazida de Koobi Fora, no Quênia, de 1,7 milhões de anos atrás, coetâneos de outros de apenas 1,35 cm e 30 kg.
"O que estamos vendo talvez seja o início de uma característica única de nossa espécie, as origens da diversidade", diz o antropólogo da Universidade de Cambridge e coautor do estudo Jay Stock. "Podem-se interpretar nossos resultados como uma amostra de que houve várias espécies de primeiros humanos, como Homo habilis, Homo ergaster e Homo rudolfensis, ou uma única espécie muito diversificada", acrescenta.
Para os pesquisadores, o maior aumento no tamanho corporal não foi um fator determinante para a expansão dos Homo fora da África, já que o principal aumento ocorreu dezenas de milhares de anos antes que o Homo erectus deixasse o continente, em especial na região de Koobi Fora.
Dúvidas sobre o método do estudo
Entretanto, seus resultados, e em especial como chegaram a eles, não convencem a todos. O professor de pré-história da Universidade Complutense de Madri Manuel Domínguez-Rodrigo duvida do sistema de regressão que utilizaram para chegar às medições. "Fazer estimativas do tamanho corporal a partir de ossos tem um grau de erro, e por isso sempre o fazemos com os ossos mais confiáveis. Mas estes não são abundantes."Para o codiretor do Idea (Instituto da Evolução na África) e especialista na jazida de Olduvai (cujos restos estão incluídos no estudo), aplicar uma regressão a partir de humanos atuais, por mais primitivos que sejam, é muito arriscado. "Se entrássemos em uma máquina do tempo, veríamos que se acertaram foi por puro acaso", comenta. Outro problema é o tamanho da amostra. Apesar de todos os espécimes revisados, trata-se de um lapso de tempo de pelo menos um milhão de anos. "Com etapas de maior abundância de fósseis que outras, isso fragiliza uma cronologia confiável das amostras", acrescenta.
Apesar dessas limitações, o paleoantropólogo espanhol concorda com uma das conclusões do trabalho: a grande diversidade de tamanhos e estaturas dos primeiros humanos. O que ele nega é que essa diversidade tenha ocorrido depois da saída da África. "Há restos de 1,7 milhões de anos de hominídeos de mais de 1,80 cm de altura." Em Olduvai, por exemplo, os restos catalogados podem ser pequenos, mas pesquisadores do Idea estão encontrando restos de alturas comparáveis às dos humanos atuais.
"Temos de admitir que nos primeiros Homo há diversidade quanto a alturas corporais, mas o que não há é uma tendência linear. Há 2 milhões de anos temos habilis menores convivendo com erectus muito maiores. E 500 mil anos depois continuam convivendo", recorda. E propõe uma nova incógnita: "Com as últimas descobertas, não se sustenta a crença de que o erectus evolui do habilis clássico; o erectus vem de outra coisa". Assim, o livro de história dos primeiros humanos ainda está por encontrar um final.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Nenhum comentário:
Postar um comentário