Chefe militar de Médici pedia propina; qual a diferença hoje?
Matias Spektor - FSP
Um dos principais chefes militares do governo Médici pedia propina a
empresários americanos. Com mediação da Fiesp ou por meio de extorsão,
ele costurava os laços entre a embaixada americana, a iniciativa privada
e o porão. É o que revela um documento secreto recém-aberto ao público.
Se nossa podridão é de longa data, qual a diferença entre o esquema dos
homens de farda e a mala de Rocha Loures, o infame assessor
presidencial?
Há duas alternativas.
Uma delas é a tese das máfias enquistadas: organizações criminosas
teriam ocupado o Estado brasileiro há tempos. Unidos por laços de
amizade e parentesco, esses grupos teriam conseguido sobreviver à troca
de regime e de governos. Sem importar as circunstâncias, a corrupção
passaria incólume.
Segundo essa concepção, a Lava Jato
não conseguirá sanar o problema. Ela pode causar alguma marola, mas
dificilmente quebrará o cartel das máfias que hoje mantém a sociedade
brasileira rendida. Ao fim do dia, a operação não passará de uma nota de
rodapé nos livros de história.
A outra resposta é mais sofisticada. Ela diz que a corrupção endêmica
não é apenas um mecanismo para enriquecer os membros das organizações
criminosas vinculadas ao Estado. Antes, a corrupção cumpriria uma função
mais precisa: a geração de rendas necessária para dar sustentação
política a quem governa.
Assim, à época da ditadura, quem ocupava o Palácio do Planalto precisava
garantir a adesão dos principais chefes militares do país, além dos
caciques civis de plantão. Como? Liberando verbas para suas comarcas,
empregando aliados, promovendo familiares, criando novas oportunidades
de negócio para amigos e fazendo vista grossa às propinas de grandes
grupos empresariais.
Na Nova República o jogo mudou. Agora, a sobrevivência de quem ocupa o
Palácio do Planalto depende de mais atores, pois a sociedade vota. Nesse
sistema, o presidente depende, acima de tudo, da fidelidade dos
partidos da base aliada. É deles –não da popularidade– que seu destino
depende.
No "presidencialismo de coalizão", esse jogo é caro. Para garantir o
apoio de deputados e senadores aliados, o governo precisa ajudá-los a
garantir a própria reeleição. Mas como nossas eleições estão entre as
mais caras do mundo, não basta o Planalto liberar emenda parlamentar a
rodo. Precisa também nomear gente da base aliada para as empresas
estatais, boquinha infalível, nas quais licitações polpudas abrem o
fluxo de caixa de JBS, Odebrecht e tantas outras.
Esse é o mecanismo que a Lava Jato expôs. Sozinha, ela não resolverá o
drama nacional. Ao diagnosticá-lo, entretanto, abre uma rara
possibilidade histórica de superação.
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