Delações, colaborações premiadas e o estranho caso JBS
Percival Puggina - puggina.org
Por não lhe haver sido disponibilizado o instituto da colaboração
premiada, Marcos Valério acabou como grande pato da ação penal referente
ao Mensalão. Segundo leio, o publicitário, tardiamente, vem procurando
construir um acordo nesse sentido desde meados do ano passado. Foi no
âmbito da posterior Lava Jato que esse instrumento processual chegou aos
colarinhos brancos e evidenciou sua inequívoca utilidade para
desbaratar organizações criminosas que atuam nas vísceras do Estado
brasileiro.
Quando as delações começaram a ser divulgadas, manifestou-se na
opinião pública certa rejeição, considerando-as intoleráveis à luz dos
ensinamentos morais comuns. Não é reverenciável, de fato, a conduta do
dedo-duro, do alcaguete. Por isso, há advogados que se recusam a
empregar tal expediente na defesa de seus clientes. No entanto, a Lava
Jato jamais alcançaria a abrangência que alcançou não fosse o uso
massivo que dele vem fazendo. Para que se tenha ideia do vulto que
tomou, em março deste ano somavam-se 140 acordos de colaboração e, como
não há reserva de mesa para tais celebrações, subsiste longa fila de
espera.
Data de 2013 a Lei de Combate às Organizações Criminosas, que
disciplina a matéria em nosso país. O crime organizado, dificilmente é
desarticulado de alto a baixo e desfeito em peças que possam ser
buscadas pela polícia, sem que alguém, desde dentro, entregue o serviço.
A lei dá ao procedimento o nome de “colaboração premiada” e,
convenhamos, é muito bem-vinda. Através dela, ironicamente, muitos
congressistas membros da Orcrim acabaram fornecendo à justiça a corda
com que, um dia, poderão ser “enforcados”.
E o caso da JBS? Ou, mais especificamente, o caso do super prêmio
concedido à colaboração de seus proprietários, que o STF acabou de
sacramentar? Pois apesar da pragmática e burocrática decisão do Supremo,
que se ateve aos aspectos formais da decisão do ministro Edson Facchin,
seu exotismo dá margem a especulações. Se até o santo tem direito de
desconfiar das esmolas excessivas, não podem ser menos legítimas as
suspeitas dos pecadores. E bota excessivas nisso! O próprio tribunal não
ficou alheio a essa excepcionalidade. É o que se depreende das
manifestações de alguns ministros sobre o fato de que uma revisão desse
acordo ensejaria uma enxurrada de pedidos semelhantes pelas defesas de
outros réus.
Tudo, na verdade, chama a atenção: a presteza da operação; a
concessão de absoluta anistia aos crimes praticados pelos Batista
Brothers, malgrado a magnitude dos danos causados ao Erário e ao país
nos âmbitos fiscal, previdenciário, político e econômico; a acolhida e a
divulgação da gravação com Temer como prova maior (ao que se sabe), sem
ter sido periciada; a estranha acolhida no âmbito da relatoria da Lava
Jato (ministro Edson Fachin) de um acordo de colaboração que nada tem a
ver com o caso do qual ele é relator; o evidente estrabismo dos
colaboradores que receberam seus mais fabulosos bônus, em espécie,
durante os governos petistas, mas desfecharam a integralidade de sua
denúncia contra Michel Temer.
Por outro lado, permanece incompreensível ao meu entendimento o tal
acerto pelo qual o presidente Temer, com 76 anos de idade, passaria a
receber parcelas semanais (!) de R$ 500 mil ao longo de 20 anos, ou
seja, até os 96 (!) num negócio com preço de gás. Quem neste país faz
acordos por vinte anos? Quem se iria expor a carregar mala de dinheiro,
toda semana, até 2037? Que influência pode exercer Temer sobre o CADE ou
qualquer órgão público, que não se extinga, no máximo, em 18 meses?
Muito, muito estranho!
Esclarecimento final: se repudiei a chapa Dilma/Temer em 2014; se
sempre me pareceu que, tendo este último ocupado as posições que ocupou
em seu partido e no governo, era impossível atribuir-lhe o
desconhecimento dos fatos que aconteciam à sua volta; se, por isso, em
nenhum momento me alinhei em sua defesa, não será agora que o farei.
Este artigo é, apenas, um desabafo de minhas perplexidades.
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