Martin Fackler - NYT
Issei Kato/Reuters Kimiko Koyama, 69, limpa sua casa após retornar à região de Tamura, em Fukushima (Japão), três anos depois de ser retirada do local devido ao desastre nuclear na usina de Fukushima. Em março de 2011, a usina sofreu um grave vazamento de material radioativo depois do terremoto seguido de tsunami
Desde que foram obrigados a
evacuar a área durante o acidente na usina nuclear de Fukushima Daiichi
há três anos, Kim Eunja e seu marido se recusaram a voltar para sua casa
no alto do morro, em meio às majestosas montanhas deste vilarejo rural,
por medo da radiação.
Mas agora eles dizem que talvez não
tenham escolha. Depois que US$ 250 milhões foram gastos para limpar a
radiação, o governo central declarou este mês que Miyakoji será a
primeira comunidade dentro da área de evacuação de 20 quilômetros em
torno da usina a ser reaberta para os moradores. A decisão colocará um
fim aos pagamentos mensais da operadora da usina que permitiram que Kim
se mudasse para um apartamento em uma cidade a uma hora de distância."O governo e a mídia dizem que a radiação foi eliminada, mas é tudo mentira", disse Kim, 55, que é da Coreia do Sul, e que administra com seu marido japonês um pequeno restaurante coreano nos arredores de Miyakoji. "Quero ir embora, mas não posso. Nós não temos mais dinheiro."
Ela não é a única. Embora o governo central e a mídia nacional tenham proclamado a reabertura de Miyakoji como um marco feliz da recuperação do Japão do acidente devastador de março de 2011, muitos moradores contam uma história mais sombria. Eles insistem que suas casas continuam perigosas demais para morar e que não receberam indenizações financeiras suficientes para começar de novo em outro lugar.
Eles criticam a operadora da usina, a Tokyo Electric Power Co., ou Tepco, por não reembolsá-los pelo valor de suas casas, normalmente o maior bem financeiro das famílias. Dependendo de onde moravam, eles dizem que receberam quantias desde a metade do valor antes do acidente até apenas US$ 3 mil, uma minúscula fração do valor original de suas casas.
Muitos moradores reclamam que essas quantias não são suficientes para se mudar para longe da usina, que ainda está vazando radiação, ou para reformar suas tradicionais casas de madeira, que começaram a apodrecer e ruir desde que foram danificadas pelo furacão e depois abandonadas.
Como resultado, muitos que evacuaram foram obrigados a viver num limbo desde o acidente, incapazes de deixar os abrigos temporários parecidos com quartéis, ou se livrar da dependência dos pagamentos mensais da Tepco para viver em apartamentos fora do vilarejo. A Tepco paga as mensalidades por ordem do governo.
Agora eles sentem uma pressão cada vez maior para retornar, queiram ou não. O governo declarou que os pagamentos, que vão desde algumas centenas de dólares a mais de US$ 1 mil, cessarão no próximo mês de março, quando as moradias temporárias também começarão a ser fechadas. Os moradores que voltarem antes receberão um bônus de US$ 9 mil da Tepco, aumentando a pressão para retornar.
"A Tepco está sendo absurdamente injusta com a indenização" disse Yukei Tomitsuka, prefeito de Tamura, cidade que administra Miyakoji. "Nós somos as vítimas. Será que devemos ir de chapéu na mão até a Tepco para pedir mais dinheiro?"
Especialistas dizem que Miyakoji é um precursor dos problemas que outras 150 mil pessoas desalojadas pelo acidente enfrentarão, à medida que mais comunidades são reabertas como resultado da limpeza de US4 36 bilhões financiada pelo governo. Eles dizem que os moradores que evacuaram a área sentirão uma pressão cada vez maior para voltar, exercida por um governo que quer restaurar o status quo anterior ao acidente o mais rápido possível para limitar as críticas do poderoso setor nuclear.
"Isso é desumano e irresponsável", diz Teruhisa Maruyama, advogado que lidera o Grupo de Apoio para Vítimas do Acidente Nuclear, uma organização legal com sede em Tóquio que ajuda os moradores a buscarem indenizações maiores.
"O governo nacional sabe que a indenização total poderia somar muito dinheiro, o suficiente para levantar dúvidas do público sobre o uso de energia nuclear no Japão."
A Tepco se recusa a comentar, além de dizer que até agora pagou US$ 36 bilhões para vários tipos de indenização. "Nossa companhia está ouvindo sinceramente os detalhes de cada reclamação", disse Tatsuhiro Yamagishi, um porta-voz da Tepco. Um porta-voz do Ministério da Educação, que está estipulando as normas de indenização, disse que o ministério estava tentando responder às necessidades dos evacuados, mas disse que é difícil atender a todas as solicitações. Um comitê do governo montado para resolver disputas relacionadas à indenização disse que recebeu mais de 10 mil pedidos de moradores evacuados descontentes.
Quando o primeiro-ministro Shinzo Abe visitou Tamura no mês passado, Tomitsuka entregou a ele uma carta pedindo que os moradores recebam mais indenização por suas casas. O primeiro-ministro ainda não respondeu.
Quase 500 moradores de Miyakoji se juntaram recentemente a um entre dois diferentes processos em grupo demandando que a Tepco paga mais indenizações, numa demonstração rara da frustração crescente em uma comunidade rural bastante unida do Japão, que normalmente abomina litígios causadores de conflito.
Enquanto muitos evacuados, principalmente famílias com crianças, dizem que não querem voltar por causa da radiação, o governo diz que Miyakoji está segura. Os níveis de radiação eram relativamente baixos lá desde o início, uma vez que a nuvem de radiação da usina não passou pela área. A limpeza massiva, que envolveu cerca de 1.300 trabalhadores retirando solo contaminado e recapeando as áreas em torno das casas com cascalho limpo, baixou ainda mais os níveis de radiação.
Em uma viagem recente ao local, a radiação medida foi de até 0,23 microsieverts por hora, cerca de três vezes os níveis anteriores ao acidente mas abaixo de algumas comunidades fora da zona de evacuação. se este nível é seguro é uma questão controversa: especialistas admitem que sabem pouco sobre os efeitos da exposição a doses baixas de radiação a longo prazo para a saúde.
As autoridades esperavam que Miyakoji pudesse servir como um modelo para repopular as comunidades evacuadas. Até agora, apenas um terços dos moradores retornaram, e a maioria deles são moradores mais velhos que sentem que não têm tantas preocupações com os riscos de câncer a longo prazo causados pela radiação.
Todos os 3 mil moradores do vilarejo foram evacuados no dia seguinte ao terremoto e tsunami de 11 de março de 2011, que danificaram os sistemas de resfriamento da usina. A maioria dos moradores, que viviam a mais de 20 quilômetros da usina, receberam US$ 3 mil para cobrir os danos a suas casas e receberam permissão para voltar seis meses mais tarde. A maioria ainda não voltou, principalmente por medo da radiação.
Os 357 moradores que viviam dentro da área de 20 quilômetros não tiveram permissão para voltar até 1º de abril, mais de três anos depois do acidente. Eles receberam as indenizações mais altas, cerca de metade do valor de suas casas antes do acidente.
Um deles é Yoshikuni Munakata, 63, que numa tarde recente estava consertando um galpão em sua fazenda a cerca de 15 quilômetros a sudoeste da usina destruída.
Munakata disse que os US$ 50 mil que recebeu de indenização não chegaram nem perto do suficiente para consertar a antiga casa de fazenda construída por seu avô, onde o piso de madeira entortou tanto que as protas de correr não se fecham mais. Mas embora ele não possa voltar, também não pode ir embora. Ele disse que tentou fazer isso depois do acidente, indo até a ilha de Hokkaido no norte para começar uma vida nova como motorista de van. Entretanto, ele disse que desistiu depois de 18 meses por falta de dinheiro, e voltou para coletar seus pagamentos mensais.
Ele disse que não sabe o que acontecerá com ele depois que esses pagamentos cessarem em março.
"Minha casa é uma perda total", disse Munakata, que disse não ter medo da radiação porque ele trabalhava na usina Fukushima Daiichi antes de se aposentar. "Os pagamentos de indenização nos obrigam a voltar, mas eles não são suficientes para nos permitir viver aqui novamente."
Entre os que não voltaram estão Kim e seu marido, Satoshi Mizuochi. Eles usaram toda a poupança na casa, onde haviam planejado passar seus últimos anos de vida colhendo cogumelos selvagens e admirando a paisagem.
Como é pouco provável que apareçam compradores, eles dizem que sua casa agora praticamente não vale nada. Mas com apenas a pequena renda de seu restaurante, eles dizem que provavelmente terão que voltar uma vez que a indenização para pagar aluguel acabar em março.
"Eles querem dizer que tudo voltou ao normal para que possam manter suas usinas nucleares", disse Mizuochi, 57, que ajuda sua mulher no restaurante. "Não nos compensar por nossas perdas é uma forma de nos pressionar a voltar."
Tradutor: Eloise De Vylder
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