Alfredo Meza - El País
30.jul.2014
- Idosa tatua a assinatura do presidente Hugo Chávez durante uma
jornada oficial denominada 'Legado eterno do comandante Chávez' no
centro histórico de Caracas, na Venezuela
Busto de Hugo Chávez de 85 centímetros à venda no Mercado Livre: 150 mil bolívares (R$ 59 mil). Seu autor, César González, descobriu no culto ao falecido político venezuelano uma grande oportunidade de negócio. Não é a obra de um escultor devoto da revolução bolivariana nem uma forma particular de luto por sua morte precoce. Sente-se isso na objetividade de suas palavras e na lógica de seus enunciados comerciais. "Nós esculpíamos imagens dos heróis da independência venezuelana, mas percebemos que o público tendia para Chávez e para o libertador Simón Bolívar. Desde então passamos a fabricá-los. Temos várias versões."
Essas peças, que César González elabora junto com seu irmão Juan Carlos
desde 2007, também são vendidas em lojas de artesanato popular. Esses
dias, González está mais atarefado do que em outras épocas do ano porque
o Natal se aproxima. O busto em bronze falso do eterno comandante, além
de um presente folclórico, é prova da fé chavista. González diz que os
governos e prefeituras oficialistas, e muitos militares, compram as
estátuas para exibi-las nos escritórios. González produz mensalmente
cerca de 250 réplicas da escultura de 19 centímetros que cabe na palma
da mão e é a mais requisitada.Busto de Hugo Chávez de 85 centímetros à venda no Mercado Livre: 150 mil bolívares (R$ 59 mil). Seu autor, César González, descobriu no culto ao falecido político venezuelano uma grande oportunidade de negócio. Não é a obra de um escultor devoto da revolução bolivariana nem uma forma particular de luto por sua morte precoce. Sente-se isso na objetividade de suas palavras e na lógica de seus enunciados comerciais. "Nós esculpíamos imagens dos heróis da independência venezuelana, mas percebemos que o público tendia para Chávez e para o libertador Simón Bolívar. Desde então passamos a fabricá-los. Temos várias versões."
Qualquer pessoa que visite Caracas e caminhe pela avenida Libertador poderá comprovar que Chávez, que morreu em março de 2013 por causa de um câncer, surpreende com seu olhar desenhado nas imensas torres residenciais da Gran Misión Vivienda Venezuela. Em uma das paredes também está impressa sua assinatura, em cima de suas letras maiúsculas inconfundíveis, de traços grossos.
Quem gosta de Chávez se sentirá protegido e comprometido em completar seu projeto inacabado; quem não, pode se sentir intimidado e angustiado por causa de sua onipresença: bandeiras nas fachadas dos ministérios e repartições públicas, inserções sobre sua vida política transmitidas a cada dia pelo canal oficial Venezoelana de Televisión (VTV) ou a versão instrumental de "Patria Querida", a canção que interpretou em seu último discurso público, como entrada que anuncia a chamada das intervenções de seu sucesso, Nicolás Maduro, transmitidas a todo o país por rádio e televisão.
E mais: a cada domingo às onze da manhã a VTV repete o programa "Aló, presidente", que em quase 13 anos teve 378 edições. Nas tardes de domingo, por volta das seis, o canal das Forças Armadas Nacionais também o transmite. Quase sempre os coordenadores têm o cuidado de selecionar programas que reforçam alguma ideia citada por Maduro durante a semana. Além disso, o atual presidente demonstrou o reconhecimento, em 17 de outubro, aos participantes da Misión Robinson, um programa social para combater o analfabetismo, e os certificados levavam impressa a assinatura do comandante eterno, como chamam os fiéis.
Chávez tem um mausoléu próprio – o Cuartel de la Montaña – de onde dirigiu sua falida tentativa de golpe em 4 de fevereiro de 1992; um instituto criado para o estudo de seu pensamento; uma capela no barrio 23 de Janeiro e até duas orações: Creo en Chávez, um escrito que foi distribuído impresso em um santinho durante a Semana Santa de 2013, e a Oração do Delegado, uma versão do Pai Nosso que substitui as menções a Deus pelo nome de Hugo Chávez, lida por María Estrella Uribe, uma das assistentes ao 3º Congresso do Partido Socialista Unido da Venezuela em julho passado.
Seu rosto também está nas bandeiras penduradas nos postes públicos do passeio de Los Próceres, onde são comemoradas as datas nacionais com desfiles militares: Chávez – dizem os cartazes – é um homem familiar (sai retratado abraçando sua mãe); um estrategista (aponta para algo não identificado na fotografia); um homem solidário (ilustrado por uma imagem sua com a mão sobre o ombro do presidente da Bolívia, Evo Morales); Chávez também é cantor (a fotografia o mostra em transe, vestido com uma guerrera azul, com a boca aberta em forma de O, como no final de alguma canção folclórica).
Sem que se pergunte, o escultor González revela porque seus bustos são tão populares: a imagem do caudilho bolivariano encarna a mensagem política que o governo quer transmitir. Essa ideia leva a um questionamento do sociólogo Tulio Hernández: o de que o culto de Chávez é bem planejado e que se encaixa perfeitamente em uma sociedade – a única da América Latina, segundo Hernández – já treinada na liturgia que rende tributo aos fundadores da República.
Seus herdeiros políticos exacerbam esse culto para poder subsistir como governantes, porque cada vez que mencionam Chávez estão se ratificando como os intérpretes autorizados de seu legado. Essa compulsão foi documentada pelo site madurodice.com, que tem um registro das vezes que o atual governante citou seu pai político. Até quinta, 23 de outubro, 7.401 vezes.
"A apresentação de Chávez como um enviado divino copia a glorificação de Bolívar, que foi apresentado como um arauto da divindade, como enviado de Deus para a criação das repúblicas americanas. Proclama-se o mesmo sobre Chávez, quando o relacionam com um destino metafísico que deveria se encarnar fatalmente em sua pessoa, como resultado dos tropeços (ou pecados) da sociedade", afirma o historiador Elías Pino Iturrieta, que estudoua relação do principal líder venezuelano com a sociedade local em seu livro "O Divino Bolívar".
Também há um desenho animado de Chávez. Em um campo verde, esperam por ele, além de Bolívar, Che Guevara, Salvador Allende e Eva Perón, em uma cena que representa sua chegada ao céu, recriada como o panteão da esquerda latino-americana. Todos eles têm em comum uma morte prematura que, para Hernández, termina por se transformar em uma vitória. "Todos eles transcendem o juízo sobre sua obra e têm garantido um porvir imaculado", explica. O culto aos heróis não admite mácula.
Versão chavista do "Pai Nosso" católico
Chávez nosso que estás no céu, na terra, no mar e em nós, delegados e delegadas, santificado seja o teu nome, venha a nós o teu legado para levá-lo aos povos de cá e de lá (...) Dá-nos hoje a tua luz para que nos guie a cada dia, não nos deixes cair na tentação do capitalismo, mas livra-nos da maldade e da oligarquia, do delito do contrabando porque nossa é a pátria, a paz e a vida. Pelos séculos dos séculos, amém. Viva Chávez.
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