Reinaldo Azevedo - VEJA
Nesta
tarde, houve dois protestos em São Paulo. Um deles reuniu, segundo a PM,
pelo menos 2.500 pessoas na Avenida Paulista — e não mil, como está no
UOL. A outra, uns 200, no Largo da Batata. Ambas foram convocadas pelo
Facebook. O primeiro cobra uma auditoria na eleição presidencial de 2014
e pede o impeachment de Dilma; a segunda, pela enésima vez, culpa o
governador Geraldo Alckmin pela crise hídrica em São Paulo. Não
funcionou no primeiro turno, não funcionou no segundo turno, tenta-se
agora o terceiro turno. Não está funcionando de novo… Mas sigamos.
A
esmagadora maioria das pessoas que se manifestavam na Avenida Paulista
cobrava a auditoria e defendia o impeachment de Dilma na suposição de
que ela conhecida a roubalheira na Petrobras, conforme afirmou à Polícia
Federal e ao Ministério Público o doleiro Alberto Youssef. Nem é
necessário demonstrar — mas, se for preciso, demonstro com facilidade —,
que a imprensa paulistana trata com simpatia todos os protestos das
esquerdas, as marchas em favor da maconha e até os black blocs. Alguns
de seus defensores são alçados à condição de intelectuais. Já um
protesto que não é organizado por “progressistas”, bem, aí cumpre
ridicularizar as pessoas, transformá-las numa caricatura, enxovalhá-las,
reduzi-las à condição de golpistas.
Vamos lá: a
esmagadora maioria dos cartazes da Paulista trata de uma suposta fraude
na eleição, pede a auditoria na eleição e defende o impeachment (dada
aquela suposição, claro!, que tem de ser comprovada). Um senhor, no
entanto — e ainda que houvesse 10, 20 ou 100 — pede uma intervenção
militar. A prova de que é “avis rara” no protesto é que foi, ora vejam!,
entrevistado pela Folha e pelo Estadão, que, milagrosamente, publicam
quase a mesma matéria, com diferenças que estão apenas no detalhe. Seu
nome é Sérgio Salgi, tem 46 anos e é investigador de polícia. E por que
ele foi achado pelos repórteres dos dois jornais? Porque carregava um
cartaz “SOS Forças Armadas”. Bastou esse cartaz para que a Folha Online
desse o seguinte título: “Ato em SP pede impeachment de Dilma e intervenção militar”.
Se algum maluco estivesse na passeata cobrando ajuda aos marcianos, o
título poderia ser: “Ato em SP pede impeachment de Dilma e intervenção
dos ETs”.
Não é a
primeira vez que isso acontece. Em 2007, embora fossem outras as
circunstâncias, surgiu o “Movimento Cívico pelo Direito dos
Brasileiros”, que ficou conhecido como “Cansei”. Seus promotores foram
impiedosamente ridicularizados pela imprensa e por personalidades
púbicas a serviço do PT. Foram tachados de representantes da “elite
branca”. A notícia do mensalão tinha menos de dois anos, o escândalo dos
aloprados, menos de um, mas uma simples manifestação de protesto foi
tratada como coisa de golpistas.
O Globo
Online também noticia o protesto em São Paulo. O repórter não
entrevistou o policial Sérgio Salgi, mas encontrou outra maneira de
enxovalhar os que protestavam. Transcrevo: “O protesto reúne muitas
senhoras de guarda-chuva, em razão do sol forte. Algumas levaram seus
cachorrinhos de estimação para o protesto.”
Manifestações
das esquerdas, como vocês sabem, contam com uma palavra que a imprensa
adora: “ativistas” — não sei o que é isso; deve-se ser o oposto
complementar dos “passivistas”… Já um ato que é inequivocamente
caracterizado como “de direita”, bem, esse conta com “senhoras de
guarda-chuva”… Sabem como são das dondocas: não querem se pelar ao sol.
Entre as 2.500 pessoas, contavam-se nos dedos os tais guarda-chuvas. Ah,
claro! Elas também levavam seus cachorrinhos, entendem? É evidente que o
destaque dado a esses lateralidades busca desmoralizar o protesto.
O cantor e
compositor Lobão se manifestou em favor da recontagem dos votos e disse
o óbvio: não se tratava de um movimento em favor da volta do regime
militar.
Boçalidades
Não que boçalidades reais, de fato, não
tenham sido ditas. Foram. A ser verdade o que relatam Estadão, Folha e
Globo, o deputado federal eleito Eduardo Bolsonaro (PSC-RJ), filho de
Jair Bolsonaro (PP-RJ), afirmou o seguinte:
“Ele [seu pai] teria fuzilado Dilma
Rousseff se fosse candidato esse ano. Ele tem vontade de ser candidato
mesmo que tenha de mudar de partido”. E emendou: “Dizia na minha
campanha: voto no Marcola, mas não em Dilma. Pelo menos ele tem
palavra”.
A ser isso
mesmo, trata-se de uma notável coleção de bobagens. Evidentemente, o
“fuzilado” de sua fala é uma metáfora. Mas quem se importa? Quando fala
em votar até “em Marcola”, procura deixar claro o quanto repudia Dilma,
não seu apreço pelo bandido. Mas quem se importa? Quem não quer que seu
discurso seja confundido não fala essas tolices. O animo para
transformar os manifestantes em golpistas já é evidente. Quando se
oferece o pretexto, tudo fica mais fácil.
No Brasil,
é permitido marchar em favor da maconha. A venda e o consumo de maconha
são ilegais. Manifestantes são tratados como bibelôs.
No Brasil,
é permitido marchar em favor do aborto. O aborto, com as exceções
conhecidas, é ilegal. Manifestantes são tratados como pensadores.
No Brasil, é permitido marchar em favor de corruptos condenados pelo Supremo. Manifestantes são tratados como ideólogos.
No Brasil,
é permitido marchar em favor da recontagem dos votos e, sim, em favor
do impeachment. O Artigo 5º da Constituição garante tudo isso. Não
obstante, manifestantes são tratados como pessoas ridículas e golpistas.
Nota
final, que traduz um sequestro moral: os esquerdistas, sempre adulados
pelos jornalistas, querem controle social da mídia e mecanismos de
censura, ainda que oblíquos.
Mas que
isto também fique claro: os que estão decididos a dizer “não” terão de
enfrentar, inclusive, as brigadas da desqualificação da imprensa, que
sempre ficam muito satisfeitas quando alguém como Eduardo Bolsonaro fala
aquelas besteiras. Fica parecendo que elas têm razão.
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