As cercas do latifúndio
Interesses fisiológicos, de um lado e de outro, dominam a discussão no
Congresso sobre regras para criar e fundir partidos políticos
FSP
O vício, como se sabe, rende pela hipocrisia sua homenagem à virtude. Mas talvez a hipocrisia não seja a única forma pela qual as forças do inconfessável rendem serviço a seu oposto.
Há sem dúvida outros caminhos pelos quais algum efeito moralizador se
deriva da falta de princípios. Veja-se o caso da atual estrutura
partidária brasileira, por si mesma um bazar de oportunismos entre os
quais se imiscuem os remanescentes de agremiações outrora autênticas,
mas já destituídas de qualquer credibilidade ideológica.
O vício, como se sabe, rende pela hipocrisia sua homenagem à virtude. Mas talvez a hipocrisia não seja a única forma pela qual as forças do inconfessável rendem serviço a seu oposto.
O que vai mal pode sempre piorar, e não seria outra a consequência dos intentos do ministro das Cidades, Gilberto Kassab, em sua aparentemente inesgotável capacidade de imaginar novas legendas para significar a mesma coisa.
A saber, a nulidade de partidos que não seriam nem de esquerda, nem de direita, nem de centro, como Kassab asseverou memoravelmente ao criar seu PSD.
Mas o PSD ainda não era vasto o bastante para a fisiologia pretendida. A expectativa, agora, era facilitar o trânsito de novos parlamentares a outra agremiação --o ressurrecto Partido Liberal, ou PL--, a fim de que, numa posterior fusão com o PSD, trânsfugas do PMDB e de outros arraiais pudessem iniciar vida nova, sem pagar o preço da infidelidade partidária.
Os termos "ressurrecto" e "vida nova", diga-se de passagem, não são gratuitos. Entre as assinaturas colhidas para a formação do PL não faltaram fantasmas e falecidos.
Ao menos na Justiça Eleitoral de São Caetano do Sul, 90% dos nomes apresentados sofreram rejeição por vícios diversos. Registraram-se os mesmos problemas, aliás, na gestação do PSD, em 2011.
Desta vez, contudo, os planos de Kassab podem terminar frustrados. Com apoio do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a Câmara aprovou com celeridade uma lei que veta a fusão de siglas recém-fundadas --o processo só poderá ser admitido contados cinco anos de seu aparecimento.
E mais: na lista de apoio à criação de partidos, não serão aceitas assinaturas de eleitores filiados a agremiações preexistentes.
O assunto deve agora ser examinado, com a mesma pressa, pelo Senado, de modo a estancar a possível debandada de descontentes do PMDB rumo a uma agremiação talvez ainda mais fisiológica e com certeza mais submissa ao Planalto.
Fecham-se, provisoriamente, as cercas do latifúndio. Se é positivo o efeito de tal medida, pois a criação de partidos de aluguel deve ser coibida, há a lamentar o quanto de oportunismo a inspirou.
Regras mais claras e impessoais, como a exigência de uma cláusula de desempenho eleitoral mínimo, continuam enquanto isso a depender de iniciativas mais profundas de reforma política. Mas estas, quando interessam à sociedade, contam com menos diligência das lideranças do Congresso.
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