Daniel Buarque - UOL
Um
dos temas mais importantes da política nacional nos últimos tempos, a
corrupção é um grande espetáculo midiático no país. A cada novo
escândalo, a imprensa promove uma nova narrativa que se assemelha mais a
uma caça às bruxas de que uma investigação real sobre uma questão séria
relacionada ao país.
“Denúncias de corrupção têm um poder simbólico de diferenciação, quase ritualmente e sexualmente – dividindo os limpos dos contaminados, o bom do mau'', explicou ao blog Brasilianismo o pesquisador dinamarquês Mads Damgaard Andersen, que faz uma análise cuidadosa de como a narrativa da corrupção se desenvolve no Brasil, estudando a forma como a mídia trata cotidianamente desses escândalos. É dele a análise no começo deste texto.
“A denúncia é igual ao banimento medieval, e o escândalo pode certamente parecer uma caça às bruxas, às vezes. Nem todas as bruxas, é claro, são capazes de magia negra, mesmo quando elas mais precisam do poder oculto”, complementou.
Andersen é autor de “Narrating the Mensalão Trial: Configurations of Corruption (Narrando o julgamento do mensalão: Configurações de corrupção), artigo acadêmico publicado na revista Brasiliana neste mês. O pesquisador é palestrante na Universidade de Conpenhagen, na Dinamarca, passou um período estudando história social na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele estudou o que chama de narrativa otimista em que mídia pareceu comemorar o julgamento do Mensalão como um “triunfo da Justiça'', criando o culto da imagem de Joaquim Barbosa – quando na verdade, segundo ele, a corrupção continuou viva, e o julgamento mudou apenas a situação do Partido dos Trabalhadores.
“Internacionalmente, as ideias sobre a corrupção se apegam à imagem da política brasileira”, explicou. “A liderança política é uma questão de mídia. E não o contrário”, completou, explicando que tanto a política quanto a justiça são midiatizadas e que é impossível imaginar a política e a justiça sem a circulação, manipulação, reprodução discursiva da mídia.
Leia abaixo a entrevista completa com o pesquisador dinamarquês.
Brasilianismo – Em seu artigo, você diz que a narrativa do julgamento Mensalão como um “triunfo da justiça'' foi comum no Brasil, mas parece exageradamente otimista. Por quê?
Mads Damgaard Andersen - Durante o julgamento, a revista “Veja” chamou-o de “um triunfo da justiça'' e afirmou que Barbosa havia mudado o Brasil. Eu pensei que era otimista na época, e sete meses depois, milhões nas ruas manifestaram a mesma preocupação. Do meu ponto de vista, o julgamento só poderia realmente mudar a situação do PT. Agora, vemos que o PT efetivamente perdeu terreno – mesmo no momento em que Dilma poderia ter tomado algumas decisões difíceis e feito sacrifícios duros. Ao invés de oferecer anistia para José Genoino, ela poderia ter apoiado as suas propostas anti-corrupção muito mais consistente na política.
Em vez disso, outras idéias e narrativas ficaram disponíveis para a para a mídia. Mesmo na mídia aliada do PT, a narrativa otimista de mudança para melhor nunca pegou durante o julgamento do mensalão. Em vez disso, uma versão espelhada da narrativa de conspiração floresceu, centrada sobre Daniel Dantas, no lugar da elite do PT. Mas narrativas de conspiração nunca são gentis com quem está no poder, e nunca fomentam a confiança e o diálogo. Enquanto tal forma de enquadrar a política é perfeitamente normal no mundo – da Índia aos Estados Unidos – ela raramente é construtiva e apoia a democracia.
Brasilianismo – Como você coloca isso em perspectiva em comparação com o que está acontecendo agora com o caso de corrupção na Petrobras?
Mads Damgaard Andersen - O caso da Petrobras, ou melhor, a operação Lava Jato, coloca a Polícia Federal e o ramo investigativo em uma posição muito forte no panorama midiático, como o julgamento do mensalão fez com o Poder Judiciário. Este é um desenvolvimento interessante historicamente, e acredito que seja uma sub-corrente do movimento de extrema-direita em direção a um novo golpe militar.
Por outro lado, o caso da Petrobras, coincidindo com a crescente crise fiscal e uma vitória eleitoral muito magra, representa um sopro da morte para Dilma. A mídia, a meu ver, esforça-se ao máximo para segurar o microfone perto dos lábios da oposição. Inundada em narrativas negativas de uma presidente alvo fácil, o governo Dilma não tem nenhuma chance de sair desse caso sem parecer uma bagunça completa.
Brasilianismo – Qual foi a importância da mídia brasileira para o julgamento do Mensalão?
Mads Damgaard Andersen – Em minha opinião, a mídia em qualquer lugar – não apenas a mídia brasileira – alimenta-se das narrativas que vendem. Atenção às esferas públicas depende das conexões com repertórios existentes de histórias, ideias e imaginários.
A mídia brasileira, obviamente, desempenha um imenso papel na projeção dessas histórias, em nível internacional e doméstico. Alguns eventos, no entanto, podem ser influenciados mais ou menos pela cobertura. Enquanto a recepção dos eventos, que é uma coisa separada, também pode ser mais ou menos formada pela cobertura da mídia. Atores sociais e políticos, é claro, sabem disso, e usam a mídia. Desta forma, o STF transmitiu o julgamento do mensalão e ganhou muita legitimidade pública – e, simultaneamente, entrou no hype em torno do tribunal em outros meios de comunicação, à beira de beatificar o ministro relator do julgamento, Joaquim Barbosa.
A mídia exerce influência poderosa, mas a mídia é a língua de qualquer coisa pública – não podemos compreender as ações dos políticos para além de suas posições na mídia. Eles vivem para e nos meios de comunicação. Cada vez mais, este é também o caso do sistema judiciário, no Brasil como em muitas outras partes do mundo
Brasilianismo – Qual a importância dos meios de comunicação para a luta contra a corrupção?
Mads Damgaard Andersen - Na mesma linha, a presidente Dilma Rousseff em vários pontos tentou capitalizar em cima do julgamento do Mensalão, alinhando os acontecimentos do julgamento com o enquadramento de suas políticas anti-corrupção. Em retrospectiva, devemos admitir que essas tentativas falharam. Tais formas de utilizar meios de comunicação, com ou sem sucesso, mostram claramente que tanto a política quanto a justiça são midiatizadas. Não podemos mais imaginar nem a política nem justiça sem a circulação, manipulação, reprodução discursiva e fluxo da esfera pública.
A corrupção é uma questão pública, uma forma de pensar a política e uma forma de criar fronteiras no espaço social. Internacionalmente, as ideias sobre a corrupção se apegam à imagem da política brasileira, auxiliadas por ONGs, bem como a mídia internacionais e domésticos. Então, obviamente, enquanto um escândalo na mídia, como o Mensalão ou o caso da Petrobras, pode ser ruim para réus e culpados, um escândalo também puxa outros efeitos da midiatização em seu rastro.
Brasilianismo – Após o julgamento do mensalão, vários analistas estão defendendo uma nova lei para regular os meios de comunicação brasileiros. O que você acha disso?
Mads Damgaard Andersen - A linha que separa a conspiração e o poder político está constantemente borrada por editores e agentes de mídia com apetite por drama. Em uma esfera pública com transparência limitada (ou, devo dizer, preconceitos óbvios), as narrativas de conspiração parecem ter muita credibilidade, e a credibilidade das fontes políticas, bem como os editores e os próprios jornalistas, não são suficientemente tematizadas. Em um ambiente de mídia assim, com declarações e manchetes por vezes absurdas, a seriedade e a veracidade são muitas vezes comprometidas. Isso, a meu ver, é uma questão de cultura e de consumo de mídia e não de legislação.
Como um aparte, a legislação dinamarquesa para as escolas primárias (até 15 anos de idade) exige que os professores ensinem ás crianças – os futuros cidadãos – a serem críticas, céticas e racionais. O lugar para começar a re-imaginar a relação do Brasil com a verdade e nos textos poderia ser também, creio eu, o lugar onde meninos e meninas aprendem a ler.
“Denúncias de corrupção têm um poder simbólico de diferenciação, quase ritualmente e sexualmente – dividindo os limpos dos contaminados, o bom do mau'', explicou ao blog Brasilianismo o pesquisador dinamarquês Mads Damgaard Andersen, que faz uma análise cuidadosa de como a narrativa da corrupção se desenvolve no Brasil, estudando a forma como a mídia trata cotidianamente desses escândalos. É dele a análise no começo deste texto.
“A denúncia é igual ao banimento medieval, e o escândalo pode certamente parecer uma caça às bruxas, às vezes. Nem todas as bruxas, é claro, são capazes de magia negra, mesmo quando elas mais precisam do poder oculto”, complementou.
Andersen é autor de “Narrating the Mensalão Trial: Configurations of Corruption (Narrando o julgamento do mensalão: Configurações de corrupção), artigo acadêmico publicado na revista Brasiliana neste mês. O pesquisador é palestrante na Universidade de Conpenhagen, na Dinamarca, passou um período estudando história social na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele estudou o que chama de narrativa otimista em que mídia pareceu comemorar o julgamento do Mensalão como um “triunfo da Justiça'', criando o culto da imagem de Joaquim Barbosa – quando na verdade, segundo ele, a corrupção continuou viva, e o julgamento mudou apenas a situação do Partido dos Trabalhadores.
“Internacionalmente, as ideias sobre a corrupção se apegam à imagem da política brasileira”, explicou. “A liderança política é uma questão de mídia. E não o contrário”, completou, explicando que tanto a política quanto a justiça são midiatizadas e que é impossível imaginar a política e a justiça sem a circulação, manipulação, reprodução discursiva da mídia.
Leia abaixo a entrevista completa com o pesquisador dinamarquês.
Brasilianismo – Em seu artigo, você diz que a narrativa do julgamento Mensalão como um “triunfo da justiça'' foi comum no Brasil, mas parece exageradamente otimista. Por quê?
Mads Damgaard Andersen - Durante o julgamento, a revista “Veja” chamou-o de “um triunfo da justiça'' e afirmou que Barbosa havia mudado o Brasil. Eu pensei que era otimista na época, e sete meses depois, milhões nas ruas manifestaram a mesma preocupação. Do meu ponto de vista, o julgamento só poderia realmente mudar a situação do PT. Agora, vemos que o PT efetivamente perdeu terreno – mesmo no momento em que Dilma poderia ter tomado algumas decisões difíceis e feito sacrifícios duros. Ao invés de oferecer anistia para José Genoino, ela poderia ter apoiado as suas propostas anti-corrupção muito mais consistente na política.
Em vez disso, outras idéias e narrativas ficaram disponíveis para a para a mídia. Mesmo na mídia aliada do PT, a narrativa otimista de mudança para melhor nunca pegou durante o julgamento do mensalão. Em vez disso, uma versão espelhada da narrativa de conspiração floresceu, centrada sobre Daniel Dantas, no lugar da elite do PT. Mas narrativas de conspiração nunca são gentis com quem está no poder, e nunca fomentam a confiança e o diálogo. Enquanto tal forma de enquadrar a política é perfeitamente normal no mundo – da Índia aos Estados Unidos – ela raramente é construtiva e apoia a democracia.
Brasilianismo – Como você coloca isso em perspectiva em comparação com o que está acontecendo agora com o caso de corrupção na Petrobras?
Mads Damgaard Andersen - O caso da Petrobras, ou melhor, a operação Lava Jato, coloca a Polícia Federal e o ramo investigativo em uma posição muito forte no panorama midiático, como o julgamento do mensalão fez com o Poder Judiciário. Este é um desenvolvimento interessante historicamente, e acredito que seja uma sub-corrente do movimento de extrema-direita em direção a um novo golpe militar.
Por outro lado, o caso da Petrobras, coincidindo com a crescente crise fiscal e uma vitória eleitoral muito magra, representa um sopro da morte para Dilma. A mídia, a meu ver, esforça-se ao máximo para segurar o microfone perto dos lábios da oposição. Inundada em narrativas negativas de uma presidente alvo fácil, o governo Dilma não tem nenhuma chance de sair desse caso sem parecer uma bagunça completa.
Brasilianismo – Qual foi a importância da mídia brasileira para o julgamento do Mensalão?
Mads Damgaard Andersen – Em minha opinião, a mídia em qualquer lugar – não apenas a mídia brasileira – alimenta-se das narrativas que vendem. Atenção às esferas públicas depende das conexões com repertórios existentes de histórias, ideias e imaginários.
A mídia brasileira, obviamente, desempenha um imenso papel na projeção dessas histórias, em nível internacional e doméstico. Alguns eventos, no entanto, podem ser influenciados mais ou menos pela cobertura. Enquanto a recepção dos eventos, que é uma coisa separada, também pode ser mais ou menos formada pela cobertura da mídia. Atores sociais e políticos, é claro, sabem disso, e usam a mídia. Desta forma, o STF transmitiu o julgamento do mensalão e ganhou muita legitimidade pública – e, simultaneamente, entrou no hype em torno do tribunal em outros meios de comunicação, à beira de beatificar o ministro relator do julgamento, Joaquim Barbosa.
A mídia exerce influência poderosa, mas a mídia é a língua de qualquer coisa pública – não podemos compreender as ações dos políticos para além de suas posições na mídia. Eles vivem para e nos meios de comunicação. Cada vez mais, este é também o caso do sistema judiciário, no Brasil como em muitas outras partes do mundo
Brasilianismo – Qual a importância dos meios de comunicação para a luta contra a corrupção?
Mads Damgaard Andersen - Na mesma linha, a presidente Dilma Rousseff em vários pontos tentou capitalizar em cima do julgamento do Mensalão, alinhando os acontecimentos do julgamento com o enquadramento de suas políticas anti-corrupção. Em retrospectiva, devemos admitir que essas tentativas falharam. Tais formas de utilizar meios de comunicação, com ou sem sucesso, mostram claramente que tanto a política quanto a justiça são midiatizadas. Não podemos mais imaginar nem a política nem justiça sem a circulação, manipulação, reprodução discursiva e fluxo da esfera pública.
A corrupção é uma questão pública, uma forma de pensar a política e uma forma de criar fronteiras no espaço social. Internacionalmente, as ideias sobre a corrupção se apegam à imagem da política brasileira, auxiliadas por ONGs, bem como a mídia internacionais e domésticos. Então, obviamente, enquanto um escândalo na mídia, como o Mensalão ou o caso da Petrobras, pode ser ruim para réus e culpados, um escândalo também puxa outros efeitos da midiatização em seu rastro.
Brasilianismo – Após o julgamento do mensalão, vários analistas estão defendendo uma nova lei para regular os meios de comunicação brasileiros. O que você acha disso?
Mads Damgaard Andersen - A linha que separa a conspiração e o poder político está constantemente borrada por editores e agentes de mídia com apetite por drama. Em uma esfera pública com transparência limitada (ou, devo dizer, preconceitos óbvios), as narrativas de conspiração parecem ter muita credibilidade, e a credibilidade das fontes políticas, bem como os editores e os próprios jornalistas, não são suficientemente tematizadas. Em um ambiente de mídia assim, com declarações e manchetes por vezes absurdas, a seriedade e a veracidade são muitas vezes comprometidas. Isso, a meu ver, é uma questão de cultura e de consumo de mídia e não de legislação.
Como um aparte, a legislação dinamarquesa para as escolas primárias (até 15 anos de idade) exige que os professores ensinem ás crianças – os futuros cidadãos – a serem críticas, céticas e racionais. O lugar para começar a re-imaginar a relação do Brasil com a verdade e nos textos poderia ser também, creio eu, o lugar onde meninos e meninas aprendem a ler.
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