quinta-feira, 30 de abril de 2015

Novo rei saudita mostra sua força
Intervenção militar no Iêmen revela mudança na política tradicional e disputa com o Irã pela supremacia na região
Ángeles Espinosa - “El País”
Salman bin Abdulaziz Al Saud (terceiro, da esquerda para a direita na primeira fileira) ao lado de membros do conselho real. Em disputa pela supremacia no Golfo Pérsico, Arábia Saudita liderou ataque às forças houthis do Iêmen Foto: APSalman bin Abdulaziz Al Saud (terceiro, da esquerda para a direita na primeira fileira) ao lado de membros do conselho real. Em disputa pela supremacia no Golfo Pérsico, Arábia Saudita liderou ataque às forças houthis do Iêmen - AP
Dois meses depois de se tornar rei da Arábia Saudita, Salman Bin Abdelaziz, começou no final de março uma operação militar no Iêmen, seu vizinho do sul, que ainda continua. O show incomum de determinação por parte de uma monarquia tradicionalmente secreta em suas políticas, e com uma defesa dependente dos Estados Unidos, causou surpresa. O objetivo declarado é deter os rebeldes houthis que tomavam o controle do pobre país árabe.
No entanto, a intervenção também envia uma mensagem para o Irã, seu rival pela supremacia no Oriente Médio, o qual acusa de apoiar esta e outras milícias na região, e cuja reintegração na comunidade internacional leva Riad a temer uma perda de influência.
— Não se trata é uma política para o Iêmen, mas para toda a região; se ela funcionar, haverá outras operações, talvez na Síria. É o que chamei em um artigo recente de “doutrina Salman” —diz Jamal Khashoggi, um proeminente colunista saudita.
No entanto, ele reconhece que “além do fato de que a Arábia Saudita tem um novo líder, há dois fatores determinantes: o desastre que rodeia o país com o extremismo do Estado Islâmico de um lado, e o expansionismo do Irã, do outro; e a falta de interesse dos Estados Unidos e do Ocidente em geral. Na sua opinião, “isso pressionou Salman a agir, tomar a iniciativa e liderar”.
Desde as revoltas árabes iniciadas em 2011, a Arábia Saudita tem visto ameaçado o status quo regional que sempre defendeu. Para o reino “talvez seja o período mais difícil desde os anos 1960”, afirmou um antigo embaixador europeu em Riad. A contrarrevolução que promoveu como resposta não só não evitou a instabilidade regional, mas, de acordo seus detratores, a agravou. Ao longo do caminho, suas relações com Washington — que, na perspectiva de Riad, permitiu a queda do presidente Hosni Mubarak no Egito, escolheu a inação na Síria e agora flerta com um pacto nuclear com Teerã — se deterioraram. Some-se a isso o período de baixos preços do petróleo.
“O falecido rei Abdullah teria feito o mesmo. É o trono saudita que está em perigo. O controle houthi sobre todo o Iêmen representa uma ameaça para o regime”, diz por e-mail o Julian Assange saudita, um crítico cuja identidade é desconhecida, mas que pela conta @Mujtahidd, com 1,8 milhões de seguidores no Twitter, revelou inúmeros casos de corrupção da família real e segredos que só poderiam ser conhecidos por alguém dentro do sistema.
É verdade que o monarca anterior enviou tropas para o Bahrein em 2011 e que dois anos antes o exército saudita já travou uma guerra limitada contra os houthis, mas a intervenção atual no Iêmen é de outra escala, concordam os analistas entrevistados.
— Uma mudança significativa com relação ao reinado de Abdullah é bem-vinda, mesmo que seja de acordo com o padrão de política geral da última década. As opiniões das figuras mais jovens da classe dominante, que se alinham com a linha dura, encontraram mais espaço para se expressar. Os falcões estão pedindo que a Arábia Saudita exerça seu papel de superpotência sunita, afirmando o seu peso na região e enfrentando o Irã — afirma Andrew Hammond, analista do Conselho Europeu de Relações Exteriores.
A necessidade de enfrentar o Irã, farol erguido no Islã xiita, era ao mesmo tempo uma pressão interna e regional. Extremistas sunitas (para os quais o xiismo é uma heresia) estavam criticando a monarquia para apoiar a coalizão internacional contra o Estado Islâmico na Síria, enquanto não fazer nada contra as milícias xiitas. Os houthis, que professam uma variedade do xiismo e cuja revolta animam as autoridades iranianas, facilitaram o processo com seus esforços para dominar a cena política iemenita e sua recusa em negociar.
A rápida e bem orquestrado transição após a morte de Abdullah, em janeiro, destacou a estabilidade e a continuidade, que são os pilares do maior exportador de petróleo do mundo. Mas nos decretos reais que se seguiram, mudanças significativas nos padrões sauditas são sentidas. Em especial a concentração de poder nas mãos de dois príncipes: o filho favorito do rei Mohamed Bin Salman, como ministro da Defesa, chefe da corte real e chefe econômico, e seu primo Mohamed Bin Nayef, como o segundo na linha de sucessão, ministro do Interior e chefe da segurança. Alguns observadores chegam a falar de um reino com duas coroas e atribuem a intervenção no Iêmen ao filho do monarca.
É pouco provável que uma medida dessa magnitude tenha sido tomada sozinha pelo jovem príncipe, ou mesmo por seu pai. “A decisão teria que ser do núcleo da família”, diz o embaixador, que agora trabalha em um país vizinho. Na sua opinião, a mudança de política foi aconteceria independentemente do rei, mas a forma como ela foi executada “é outra questão”. “A ambição de Mohamed Bin Salman acelerou a resposta”, diz o anônimo Mujtahidd, para quem o rei é apenas uma figura decorativa.
Embora os analistas concordem sobre a centralidade do Iêmen para a política saudita, Riad tinha outras opções. Este é o ponto em que pesam os fatores locais. “O rei e seu filho queriam reafirmar sua autoridade e desviar a atenção dos problemas internos”, diz Hammond.
É uma aposta arriscada. Apesar da imagem de unidade da família real, um dos seus membros veteranos parece ter tido reservas sobre esta guerra. Se ela der errado, afetará a reputação do rei e de seu filho.

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