Roger Cohen - TINYT
Xinhua/Zhou LeiUm ano de riscos para a União Europeia enquanto a Grécia e o Reino Unido representam ameaças
Há uma indústria americana especializada em problemas da Europa: é um continente irresponsável, cujos gastos com defesa nunca são adequados; uma união monetária irremediavelmente falha; uma terra com programas de bem-estar que geram desemprego; um lugar de ódios que levou Ronald Lauder, presidente do Congresso Judaico Mundial, a observar neste ano que a Europa "parece mais 1933 do que 2015".
Não, a Europa
parece mais com 2015: um mercado sem fronteiras e de mais de meio bilhão
de pessoas, entre as quais a guerra se tornou impossível; tão atraente
para grande parte da humanidade que milhares morrem tentando chegar até
lá; um continente onde os direitos, incluindo os cuidados de saúde
universal, são vistos não como indulgência socialista, mas como questão
básica da humanidade; e uma força de atração para as nações de fora da
União, que desejam fazer parte desta entidade asseguradora.
Uma entidade não é uma coisa sexy. Ela não faz uma pessoa se arrepiar nem provoca tremores reveladores. Mas a entidade sem precedentes que é esta União de 28 membros deu resultados. Ela garantiu, acima de tudo, paz e prosperidade, mesmo que desgastada, e liberdade a antigos prisioneiros do império soviético. Ela também criou uma consciência da identidade europeia que fica aquém do patriotismo europeu, mas não deixa de ser um contrapeso ao nacionalismo primitivo que manchou o continente com tanto sangue.
Como me disse recentemente Dominique Moïsi, cientista político francês: "A Europa está viva. Ela não está bem, mas está viva". A queda do euro e o petróleo barato promoveram até algumas manifestações econômicas positivas. No mês passado, as montadoras europeias tiveram o seu melhor desempenho em um ano. As estimativas de crescimento para a economia da zona do euro este ano estão sendo revisadas para cima.
É perigoso sucumbir à malhação deslavada da Europa. É uma forma de amnésia. É também um convite para aqueles que buscam quebrar a integração da Europa, principalmente Vladimir Putin, da Rússia. O presidente russo vê na Grécia o elo fraco da Europa. Hoje, ela é governada pelo partido esquerdista Syriza de Alexis Tsipras, cujo flerte com Moscou é preocupante. Em Atenas, Bruxelas é sinônimo da austeridade imposta pela Alemanha. Já a Gazprom é sinônimo de agrados, incluindo empréstimos em dinheiro. A tentação de compensar a raiva contra a Europa com uma aproximação com a Rússia é real, mesmo sendo um beco sem saída perigoso. A Grécia não pertence a Belarus e nem deve estar unida ao fascismo light "anti-fascista" de Putin.
Claro, Putin não foi a causa das desgraças da Grécia; ele apenas busca explorá-las. Esses problemas, cuja origem pode ser identificada na decisão equivocada de incluir a Grécia no euro desde o início, por razões de pieguice civilizacional, não estão prestes a acabar -e assim chegamos às razões pelas quais 2015 é um ano crucial para a Europa. Apesar do ajuste fiscal brutal, a dívida da Grécia não é pagável. Na verdade, talvez seja ainda menos reembolsável hoje do que era no início da crise. A vitória eleitoral do Syriza foi um reflexo do sentimento de que algo tem que ceder.
Em algum momento deve haver o perdão da dívida; o custo dos empréstimos absurdos tem que ser reconhecido. Ou pode haver um default grego. O pior resultado para a Europa seria uma saída da Grécia do euro. Quando as nações que se uniram à moeda comum, a decisão era "irrevogável". Quando um país sai, todo o edifício é abalado. Os mercados não são nada sentimentais ao sondar as fraquezas. A pergunta ficará: "Quem será o próximo?"
No outro extremo da Europa, há outro perigo, dentro de outra união tênue, o Reino Unido. Uma eleição será realizada no dia 7 de maio. O evento ocorrerá enquanto o Reino Unido apresenta sinais de estar se tornando Israel -um Estado onde as eleições são apenas um prelúdio para as articulações políticas de verdade, na tentativa de formar um governo de coalizão. Um parlamento dividido parece plausível. Os grandes partidos estão mais fracos. O nome do jogo agora é desmembramento.
Se os conservadores de David Cameron ou os trabalhistas de Ed Miliband serão o maior partido não está claro. Parece, entretanto, que nenhum dos dois poderá governar sozinho. Mesmo sem alianças formais, Cameron talvez tenha que se apoiar no Partido da Independência do Reino Unido (UKIP), anti-imigração e anti-europeus, e Miliband pode precisar do apoio do Partido Nacionalista Escocês, que quer acabar com o Reino Unido.
Cameron, instigado pelas marés nacionalistas, prometeu, se reeleito, um referendo em 2017 sobre a participação do Reino Unido na União Europeia. Sua vitória, portanto, levaria a um período de dois anos de profunda incerteza sobre a futura direção de um grande Estado europeu. Miliband rejeitou um referendo -eminente bom senso- mas, apesar das tentativas de seus oponentes de pintá-lo como um clone britânico do Syriza serem absurdas, ele terá de tranquilizar a City e (presumivelmente) acalmar os nacionalistas escoceses, em uma difícil tarefa de equilíbrio.
A Europa está viva. Não é o cadáver que pintam certos vendedores de catástrofe norte-americanos. Ela precisa da Grécia e do Reino Unido. Ela não precisa de um Putin mais forte. Acima de tudo, precisa da capacidade de ver a sua crise no contexto histórico, porque a unidade para a Europa deve ser tão sagrada quanto a liberdade para os Estados Unidos.
Tradutora: Deborah Weinberg
Uma entidade não é uma coisa sexy. Ela não faz uma pessoa se arrepiar nem provoca tremores reveladores. Mas a entidade sem precedentes que é esta União de 28 membros deu resultados. Ela garantiu, acima de tudo, paz e prosperidade, mesmo que desgastada, e liberdade a antigos prisioneiros do império soviético. Ela também criou uma consciência da identidade europeia que fica aquém do patriotismo europeu, mas não deixa de ser um contrapeso ao nacionalismo primitivo que manchou o continente com tanto sangue.
Como me disse recentemente Dominique Moïsi, cientista político francês: "A Europa está viva. Ela não está bem, mas está viva". A queda do euro e o petróleo barato promoveram até algumas manifestações econômicas positivas. No mês passado, as montadoras europeias tiveram o seu melhor desempenho em um ano. As estimativas de crescimento para a economia da zona do euro este ano estão sendo revisadas para cima.
É perigoso sucumbir à malhação deslavada da Europa. É uma forma de amnésia. É também um convite para aqueles que buscam quebrar a integração da Europa, principalmente Vladimir Putin, da Rússia. O presidente russo vê na Grécia o elo fraco da Europa. Hoje, ela é governada pelo partido esquerdista Syriza de Alexis Tsipras, cujo flerte com Moscou é preocupante. Em Atenas, Bruxelas é sinônimo da austeridade imposta pela Alemanha. Já a Gazprom é sinônimo de agrados, incluindo empréstimos em dinheiro. A tentação de compensar a raiva contra a Europa com uma aproximação com a Rússia é real, mesmo sendo um beco sem saída perigoso. A Grécia não pertence a Belarus e nem deve estar unida ao fascismo light "anti-fascista" de Putin.
Claro, Putin não foi a causa das desgraças da Grécia; ele apenas busca explorá-las. Esses problemas, cuja origem pode ser identificada na decisão equivocada de incluir a Grécia no euro desde o início, por razões de pieguice civilizacional, não estão prestes a acabar -e assim chegamos às razões pelas quais 2015 é um ano crucial para a Europa. Apesar do ajuste fiscal brutal, a dívida da Grécia não é pagável. Na verdade, talvez seja ainda menos reembolsável hoje do que era no início da crise. A vitória eleitoral do Syriza foi um reflexo do sentimento de que algo tem que ceder.
Em algum momento deve haver o perdão da dívida; o custo dos empréstimos absurdos tem que ser reconhecido. Ou pode haver um default grego. O pior resultado para a Europa seria uma saída da Grécia do euro. Quando as nações que se uniram à moeda comum, a decisão era "irrevogável". Quando um país sai, todo o edifício é abalado. Os mercados não são nada sentimentais ao sondar as fraquezas. A pergunta ficará: "Quem será o próximo?"
No outro extremo da Europa, há outro perigo, dentro de outra união tênue, o Reino Unido. Uma eleição será realizada no dia 7 de maio. O evento ocorrerá enquanto o Reino Unido apresenta sinais de estar se tornando Israel -um Estado onde as eleições são apenas um prelúdio para as articulações políticas de verdade, na tentativa de formar um governo de coalizão. Um parlamento dividido parece plausível. Os grandes partidos estão mais fracos. O nome do jogo agora é desmembramento.
Se os conservadores de David Cameron ou os trabalhistas de Ed Miliband serão o maior partido não está claro. Parece, entretanto, que nenhum dos dois poderá governar sozinho. Mesmo sem alianças formais, Cameron talvez tenha que se apoiar no Partido da Independência do Reino Unido (UKIP), anti-imigração e anti-europeus, e Miliband pode precisar do apoio do Partido Nacionalista Escocês, que quer acabar com o Reino Unido.
Cameron, instigado pelas marés nacionalistas, prometeu, se reeleito, um referendo em 2017 sobre a participação do Reino Unido na União Europeia. Sua vitória, portanto, levaria a um período de dois anos de profunda incerteza sobre a futura direção de um grande Estado europeu. Miliband rejeitou um referendo -eminente bom senso- mas, apesar das tentativas de seus oponentes de pintá-lo como um clone britânico do Syriza serem absurdas, ele terá de tranquilizar a City e (presumivelmente) acalmar os nacionalistas escoceses, em uma difícil tarefa de equilíbrio.
A Europa está viva. Não é o cadáver que pintam certos vendedores de catástrofe norte-americanos. Ela precisa da Grécia e do Reino Unido. Ela não precisa de um Putin mais forte. Acima de tudo, precisa da capacidade de ver a sua crise no contexto histórico, porque a unidade para a Europa deve ser tão sagrada quanto a liberdade para os Estados Unidos.
Tradutora: Deborah Weinberg
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