Com clínicas móveis e pacotes de comida para ajudar os 3.000 imigrantes, ONGs francesas têm atuado como fazem em outros países
Maryline Baumard - Le Monde
Quando Géraldine Martin pega na mão de Ibrahim, ela logo percebe as pequenas rugas entre os dedos do jovem sudanês. Depois de uma olhada no restante do corpo e de duas ou três perguntas, ela dá seu diagnóstico: "Você tem sarna, precisa tratar... Você concorda em quebrar o Ramadã e tomar agora mesmo um remédio?", ela pergunta sem largar a mão nem os olhos do jovem rapaz, visivelmente tranquilizado por esse gesto de humanidade. Anne Dassonville, a enfermeira, trabalha ao lado da médica, preparando o sachê de medicamentos a ser levado e os quatro comprimidos que devem ser tomados na hora.
Na periferia de Calais (França), a
imensa favela onde sobrevivem cerca de 3.000 imigrantes agora tem sua
clínica móvel. E a abertura da pequena cabana de madeira clara, que
contrasta com o restante da heterogênea favela, foi o pontapé para uma
operação inédita na França.
Na terça-feira (30), cinco caminhões, cada um deles carregado com 20 metros cúbicos de pacotes de alimentos, desembarcaram no meio do antigo aterro que virou acampamento. Atrás deles seguiam um semirreboque com frutas e legumes e ainda alguns caminhões carregados com kits de higiene e 600 galões vazios para que os residentes da cidade-fantasma possam ter água dentro de seus barracos. "Em Calais, é difícil você se alimentar, manter a higiene e ter acesso a água potável", resume Jean-François Corty, coordenador das operações da Médicos do Mundo na França.
Com base nessas constatações, a Médicos do Mundo abriu uma clínica móvel, o Socorro Católico lançou um programa de "melhoria do habitat" e de construção de estruturas coletivas, e o Socorro Islâmico da França distribuiu cestas de alimentos. Já a Solidarités International mobilizou seus especialistas para a construção de sanitários, a distribuição de kits e a coleta de lixo.
Depois de voltar do Curdistão iraquiano, Céline Morin teve de adaptar só um pouco seu método para gerenciar a distribuição de cestas de alimentos do Socorro Islâmico, dos kits de higiene da Médicos do Mundo e dos kits de conservação de água da Solidarités, sua ONG. "Quando você chega a uma zona de desastre, geralmente há intermediários no local que nos ajudam. Em um campo de refugiados, as pessoas são registradas. Em Calais, você se vira sem as autoridades, e a população flutua de um dia para outro", observa essa humanitária acostumada a se adaptar às restrições locais.
O mais urgente para todas essas ONGs é "atender às necessidades vitais que não são atendidas aqui", lembra Antoine Osbert, coordenador de missões sociais na França para o Socorro Islâmico. "A ideia não é substituir as autoridades a longo prazo, mas sim lembrá-las de seus deveres." Isso é algo novo para eles, assim como para a Solidarités International, que tem nessa sua primeira missão na França.
"A situação que vi em Calais é pior do que em alguns locais onde atuamos", acredita Thierry Belhassen, encarregado das operações de urgência. "Em uma zona de crise, as instâncias internacionais determinam um ponto de água para cada 250 pessoas", ele explica. "Em Calais, os migrantes dispõem de três pontos de água para 3.000 pessoas. Isso sem falar em vasos sanitários."
Em abril, as autoridades haviam obrigado os imigrantes a deixarem as ocupações do centro da cidade para se amontoarem em torno de um centro de acolhimento diurno. O Centro Jules-Ferry foi pensado para um atendimento mínimo, com uma única refeição diária, chuveiros subcalibrados, vasos sanitários que só podem ser usados entre 11h e 20h, e a presença de uma enfermeira por algumas horas. Desde abril, a situação se deteriorou, apesar dos novos equipamentos sendo instalados pelos poderes públicos.
O sofrimento foi aos poucos se instalando. O número de migrantes cresceu desde o despejo do acampamento de La Chapelle em Paris e das convulsões que se seguiram. Em algumas horas de consulta, esse mal-estar ficou claro para Géraldine Martin. "A maioria dos pacientes está sofrendo de dores gástricas associadas ao estresse das condições de vida, à preocupação com o futuro, mas também à fome sentida por esses jovens que só recebem uma refeição por dia. A isso se somam os problemas dermatológicos ligados à falta de higiene e, é claro, as infecções que vão piorando por não serem tratadas", observa a voluntária da Médicos do Mundo, enquanto procura nas gavetas o medicamento gástrico que dará alívio a Ahmed, um sudanês esgotado psicologicamente por sua viagem. Foram anos na Líbia, uma corrida desenfreada para evitar deixar suas impressões digitais na Itália, e agora a França... "Não sei o que vai ser depois. Tenho uma hora marcada em outubro para solicitar asilo. Talvez eu tenha chegado à Inglaterra até lá. Está tão longe", diz o jovem, relativizando em poucas palavras as autocongratulações de um governo que acredita ter criado "uma cultura do asilo" em Calais.
Além disso, desde o dia 28 de junho, entre 70 e 80 sírios têm chegado todos os dias à Praça das Armas no centro da cidade, que querem entrar legalmente com o pedido de asilo no Reino Unido. Na segunda-feira, foi usado gás lacrimogêneo para removê-los, sendo que eles queriam lembrar as autoridades francesas de sua vontade de deixar a França, que "oferece asilo, mas nos deixa ao relento por meses, enquanto na Inglaterra somos abrigados com dignidade".
Na terça-feira (30), cinco caminhões, cada um deles carregado com 20 metros cúbicos de pacotes de alimentos, desembarcaram no meio do antigo aterro que virou acampamento. Atrás deles seguiam um semirreboque com frutas e legumes e ainda alguns caminhões carregados com kits de higiene e 600 galões vazios para que os residentes da cidade-fantasma possam ter água dentro de seus barracos. "Em Calais, é difícil você se alimentar, manter a higiene e ter acesso a água potável", resume Jean-François Corty, coordenador das operações da Médicos do Mundo na França.
Com base nessas constatações, a Médicos do Mundo abriu uma clínica móvel, o Socorro Católico lançou um programa de "melhoria do habitat" e de construção de estruturas coletivas, e o Socorro Islâmico da França distribuiu cestas de alimentos. Já a Solidarités International mobilizou seus especialistas para a construção de sanitários, a distribuição de kits e a coleta de lixo.
Depois de voltar do Curdistão iraquiano, Céline Morin teve de adaptar só um pouco seu método para gerenciar a distribuição de cestas de alimentos do Socorro Islâmico, dos kits de higiene da Médicos do Mundo e dos kits de conservação de água da Solidarités, sua ONG. "Quando você chega a uma zona de desastre, geralmente há intermediários no local que nos ajudam. Em um campo de refugiados, as pessoas são registradas. Em Calais, você se vira sem as autoridades, e a população flutua de um dia para outro", observa essa humanitária acostumada a se adaptar às restrições locais.
O mais urgente para todas essas ONGs é "atender às necessidades vitais que não são atendidas aqui", lembra Antoine Osbert, coordenador de missões sociais na França para o Socorro Islâmico. "A ideia não é substituir as autoridades a longo prazo, mas sim lembrá-las de seus deveres." Isso é algo novo para eles, assim como para a Solidarités International, que tem nessa sua primeira missão na França.
"A situação que vi em Calais é pior do que em alguns locais onde atuamos", acredita Thierry Belhassen, encarregado das operações de urgência. "Em uma zona de crise, as instâncias internacionais determinam um ponto de água para cada 250 pessoas", ele explica. "Em Calais, os migrantes dispõem de três pontos de água para 3.000 pessoas. Isso sem falar em vasos sanitários."
Em abril, as autoridades haviam obrigado os imigrantes a deixarem as ocupações do centro da cidade para se amontoarem em torno de um centro de acolhimento diurno. O Centro Jules-Ferry foi pensado para um atendimento mínimo, com uma única refeição diária, chuveiros subcalibrados, vasos sanitários que só podem ser usados entre 11h e 20h, e a presença de uma enfermeira por algumas horas. Desde abril, a situação se deteriorou, apesar dos novos equipamentos sendo instalados pelos poderes públicos.
Corrida desenfreada
"Quando os migrantes estavam em pequenas estruturas, as entidades locais conseguiam intervir, as pessoas podiam levar alguma ajuda individualmente. Isso não é mais possível em um espaço que reúne 3.000 pessoas", lamenta o especialista em acampamentos Michel Agier, antropólogo e etnólogo. É a mesma impressão de Christian Salomé, que administra o Albergue dos Migrantes há anos e parou com a distribuição de comida, uma vez que sua organização é pequena demais para o local. "A criação desse acampamento é perversa, pois ela transformou o humanismo dessa cidade de fronteira em uma necessidade de ajuda humanitária", lamenta o pesquisador, definindo em palavras o sentimento local.O sofrimento foi aos poucos se instalando. O número de migrantes cresceu desde o despejo do acampamento de La Chapelle em Paris e das convulsões que se seguiram. Em algumas horas de consulta, esse mal-estar ficou claro para Géraldine Martin. "A maioria dos pacientes está sofrendo de dores gástricas associadas ao estresse das condições de vida, à preocupação com o futuro, mas também à fome sentida por esses jovens que só recebem uma refeição por dia. A isso se somam os problemas dermatológicos ligados à falta de higiene e, é claro, as infecções que vão piorando por não serem tratadas", observa a voluntária da Médicos do Mundo, enquanto procura nas gavetas o medicamento gástrico que dará alívio a Ahmed, um sudanês esgotado psicologicamente por sua viagem. Foram anos na Líbia, uma corrida desenfreada para evitar deixar suas impressões digitais na Itália, e agora a França... "Não sei o que vai ser depois. Tenho uma hora marcada em outubro para solicitar asilo. Talvez eu tenha chegado à Inglaterra até lá. Está tão longe", diz o jovem, relativizando em poucas palavras as autocongratulações de um governo que acredita ter criado "uma cultura do asilo" em Calais.
Além disso, desde o dia 28 de junho, entre 70 e 80 sírios têm chegado todos os dias à Praça das Armas no centro da cidade, que querem entrar legalmente com o pedido de asilo no Reino Unido. Na segunda-feira, foi usado gás lacrimogêneo para removê-los, sendo que eles queriam lembrar as autoridades francesas de sua vontade de deixar a França, que "oferece asilo, mas nos deixa ao relento por meses, enquanto na Inglaterra somos abrigados com dignidade".
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