Ajuste fraqueja
Sempre que os ajustes são postergados, quando chega o futuro, ele é pior do que poderia ser
Samuel Pessôa - FSP
Há duas semanas foi anunciado plano de financiamento da Caixa Econômica
Federal para a indústria automobilística, condicionado a que não haja
dispensa de funcionários. Os recursos serão para linhas de capital de
giro e investimento a taxas nominais de aproximadamente 10% anuais,
praticamente a inflação deste ano.
A medida terá pouco impacto prático, pois o problema da indústria
automobilística é de baixa demanda doméstica. Nos últimos anos foi
adotada toda uma política de proteção, como o programa Inovar-Auto, que
aumentou em 30 pontos percentuais o IPI para a importação de veículos
das empresas que não montam no Brasil com 65% de conteúdo nacional.
O resultado da política de proteção foi gerar sobreinvestimento no
setor: capacidade instalada de 5 milhões de unidades por ano para um
mercado que dificilmente absorve mais do que 3 milhões.
Apesar de provavelmente inócuo, o plano de financiamento da Caixa vai
frontalmente contra tudo o que o ministro Joaquim Levy disse desde que
assumiu a Fazenda.
Há outros sinais de fraqueza do ministro. Além de se ter revisado para
valores muito menores as metas de superavit primário, tem sido noticiado
que diversos setores da base de sustentação do governo, inclusive a
bancada do PMDB no Senado, não hipotecam apoio ao ministro.
Aparentemente ele não sabe negociar direito. Aparentemente não cumpre os
acordos com o Congresso. Aparentemente o ministro acredita que os
gastos precisam ser cortados.
Temos assistido à dificuldade da sociedade e do Congresso Nacional em
reconhecer e pagar o custo necessário do ajuste, dados os enormes
desequilíbrios que construímos meticulosa e sistematicamente entre 2009 e
2014, período de vigência da nova matriz econômica.
Surgem sinais de fratura do comprometimento da base de sustentação política com o ajuste econômico.
Há outro caminho? O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, pede imediata
redução da taxa Selic, apesar de a inflação de preços livres estar acima
de 6% ao ano. Colocamos novamente os bancos públicos subsidiando
crédito ao setor produtivo. O outro caminho é exatamente o que fizemos
de 2009 a 2014 –e que nos colocou nesse buraco!
Sempre que os ajustes são postergados, quando chega o futuro, ele é pior
do que poderia ser. É sempre possível empurrar o futuro um pouco mais à
frente. E, quando ele caprichosamente chegar de novo, será
caprichosamente um pouco pior.
De negação em negação, vamos construindo nosso inferno. A inflação na
Argentina passa dos 30% ao ano. Na Venezuela, o órgão oficial
aparentemente desistiu de medi-la. Todas as avaliações sugerem algo
muito acima de 100% ao ano. É para lá que nós vamos?
Sugestão de leitura: "Inflação, estagnação e ruptura, 1961-1967",
capítulo 9, de Mário Mesquita, em "A ordem do progresso", a clássica
coletânea de história econômica do Brasil organizada por Marcelo de
Paiva Abreu, editado pela Campus. Governo fraco herdou economia
desarranjada do governo anterior. De negação em negação, deu no que deu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário