Polícia Federal identificou 84 empresas de fachada vinculadas à Lava-Jato
Valor movimentado por 55 empreendimentos movimentou R$ 2,6 bilhões
Cleide Carvalho - O Globo
A casa de Andreia Bastião, endereço usado como fachada de empresa envolvida na operação lava-jato.
- Agência O Globo / Marcos Alves
Dentro da operação que investiga as fraudes na Petrobras, a Rigidez
aparece como uma das 84 empresas de fachada ou “noteiras” — como são
conhecidas as que apenas abastecem com notas fiscais o pagamento de
propinas — que irrigaram partidos políticos, agentes públicos e
intermediários de repasses no esquema de desvios de recursos. Dessas, 55
movimentaram R$ 2,6 bilhões entre 2009 e o início deste mês, segundo
levantamento feito pelo GLOBO em ações judiciais ou inquéritos tornados
públicos pela Justiça Federal do Paraná. As demais empresas seguem na
condição de investigadas, sem identificação de valores movimentados. Não
estão incluídos no levantamento os inquéritos em curso no Supremo
Tribunal Federal, que estão sob sigilo e envolvem políticos no exercício
de mandatos.
Para
se ter uma ideia, esse valor seria suficiente para construir 65 mil
casas do programa Minha Casa Minha Vida, a um custo médio de R$ 40 mil.
Apenas as duas empreiteiras cujas cúpulas foram condenadas em primeira
instância, OAS e Camargo Corrêa, pagaram R$ 91,5 milhões a quatro
empresas de fachada — e elas não param de se multiplicar nas
investigações da Polícia Federal.
O
esquema que, segundo o Ministério Público Federal, irrigou três dos
principais partidos políticos do país — PT, PMDB e PP — passa por homens
apresentados como consultores de sucesso, falsas empresas de engenharia
e escritórios de contabilidade habituados a recrutar pessoas em
dificuldades financeiras, em geral pobres, para assumir a posição de
“laranjas”. Em troca de ajuda, elas aceitam figurar como “sócias” em
firmas de fachada, usadas para movimentar milhões de reais.
RICOS E POBRES NO MESMO GOLPE
Ao lado de
empresários como Milton Pascowitch, dono da Jamp, que movimentou pelo
menos R$ 45 milhões e fez depósitos para o ex-ministro José Dirceu,
estão pessoas que não têm noção dos milhões negociados.
Empresas de fachada detectadas o pela Lava-Jato em Santana do Parnaíba, no estado de São Paulo
- Agência O Globo / Fernando Donasci
É
o caso do aposentado Eufrânio Alves, morador do bairro Casa Verde,
também na Zona Norte da capital paulista. Em 2012, com problemas de
saúde e recém-recuperado de uma cirurgia no fêmur, Alves se viu
envolvido no esquema da empreiteira Delta, na Operação Monte Carlo da
Polícia Federal. Na época, a empresa dele havia sido flagrada por ter
recebido R$ 950 mil.
O tempo passou, e o foco das investigações hoje é outro, mas Alves
continua servindo de laranja, agora na Operação Lava-Jato. A RCI
Software, sua empresa, reapareceu com movimentações acumuladas de R$
16,8 milhões desde 2009.
O aposentado, que até hoje se diz surpreso com a irregularidade,
afirma que apenas aceitou o pedido de um amigo para se tornar sócio da
empresa. Alega não ter recebido um tostão.
— Nunca mais ele apareceu aqui em casa — reclama Alves.
O amigo em questão é Waldomiro de Oliveira, com diversas passagens
pela polícia por estelionato, segundo relatório da Polícia Federal. Na
Lava-Jato, foi condenado a 11 anos e seis meses de prisão por lavagem de
dinheiro e participação em quadrilha, ao lado do doleiro Alberto
Youssef.
— Se eu sonhasse que estava sendo feito algo ilícito, jamais teria
feito. Com essa idade, não ia fazer uma coisa dessas — disse Oliveira ao
depor à Justiça Federal do Paraná.
A rede de firmas de fachada não está restrita a laranjas. O negócio é
tão rentável que muitos dos intermediários eram conhecidos como
empresários de sucesso, como o operador Júlio Camargo, que criou três
empresas — Auguri, Treviso e Piemonte — para repassar propina no esquema
que envolve a área Internacional da Petrobras. Juntas, elas remeteram
para o exterior mais de R$ 50 milhões. Camargo é hoje um dos delatores
do esquema.
As empresas de fachada servem para dar ares de legalidade ao desvio
de recursos públicos. Em geral, contratos, notas fiscais, depósitos e
transferências bancárias são absolutamente legais, a não ser pelo fato
de as empresas não terem sequer funcionários e não terem prestado
serviço algum. A receita é a mesma para vários grupos criminosos
investigados pela Polícia Federal. Numa única ação contra a doleira
Nelma Kodama, que atuava no ABC paulista e foi condenada na Lava-Jato,
foram identificadas cinco empresas desse tipo, que movimentaram R$
18,126 milhões.
Adir Assad, operador que se tornou conhecido na investigação da
empreiteira Delta, é suspeito de controlar pelo menos seis empresas de
fachada, ainda alvos de investigações. Recentemente, a PF descobriu que
essas empresas também receberam dinheiro de cinco pequenas centrais
hidrelétricas localizadas no Mato Grosso.
Uma das locadoras usadas pelo grupo de Assad foi a JSM Engenharia e
Terraplanagem. A sede dela é um casarão antigo, uma espécie de
“escritório virtual” em Santana de Parnaíba, na Grande São Paulo. Na
porta, uma placa da Lokal Assessoria anuncia venda e aluguel de imóveis.
Na recepção, só uma mesinha velha com telefone. A recepcionista afirma
que a JSM foi, sim, cliente, até 2013, e fornece o telefone do contador.
O responsável pelo escritório, que não quis ser identificado, afirma
que atualmente o endereço serve a cerca de dez empresas. E se defende:
não tem nada de ilegal nisso.
— Nenhum empresário precisa ficar esperando alguém aparecer. Ele pode trabalhar no Brasil todo — justifica.
No mesmo município ficava outra empresa do grupo, a SM Terraplanagem,
que usou o endereço de uma casa alugada a uma técnica de enfermagem. Na
conta da SM, que não tem uma máquina sequer para alugar, foram
descobertos depósitos de cerca de R$ 199 milhões.
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