domingo, 30 de agosto de 2015

A letalidade da roubalheira do Carf
Elio Gaspari - O Globo
A Operação Zelotes, conduzida pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, está comendo o pão que o tinhoso amassou. Ela começou em março e explodiu uma quadrilha de ex-conselheiros, parentes e amigos de conselheiros que vendiam decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, um órgão do Ministério da Fazenda (Carf). Depois de dois anos de investigações sigilosas e 2.300 horas de escutas telefônicas, foram cumpridos 41 mandados de busca e apreensão. Passados na peneira, separaram-se 74 processos com cheiro de queimado, todos de peixes gordos. Num grampo autorizado pela Justiça, um ex-conselheiro disse o seguinte: “Aqui no Carf só os pequenos devedores pagam. Os grandes, não.” Ou, noutra versão, mais crua: “Quem não pode fazer acordo, acerto — não é acordo, é negociata — se fode”.
A coisa funcionava assim, há muitos anos: uma grande empresa ou um grande banco era autuado em R$ 100 milhões pela Receita Federal, recorria ao Carf e liquidava a fatura reduzindo a autuação para algo como R$ 5 milhões.
Essa modalidade de corrupção é muito mais daninha do que tudo que se viu na Lava-Jato. Num raciocínio cínico, a tia de um empreiteiro que cobrou R$ 100 milhões por uma obra que valia R$ 50 milhões, sempre poderá dizer que, apesar de tudo, a obra do seu sobrinho está lá. Já a tia de um magano que alugava por R$ 150 milhões um navio-sonda que o mercado oferece por R$ 100 milhões também dirá que o navio está no litoral de Campos, fazendo seu serviço.
No caso do Carf, a empresa que devia R$ 100 milhões pagou R$ 5 milhões à Receita e uns R$ 3 milhões à quadrilha. Só se produziu prejuízo e propina. Nem refinaria, muito menos navio-sonda.
Coisas estranhas aconteceram com a Operação Zelotes. Quando ela foi desencadeada, o juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília, julgou desnecessário prender pelo menos quatro acusados, contentando-se com os mandados de busca e apreensão. Jogo jogado. Em junho, o Ministério Público pediu e conseguiu seu afastamento.
Noutra ponta, saiu da Câmara dos Deputados um pedido de informações com algumas perguntas banais ao Ministério da Fazenda: Quais os valores de cada processo milionário julgado no Carf? Quais recursos foram aceitos? Em junho, o doutor Carlos Alberto Freitas Barreto, presidente do Conselho, informou que, devido a uma mudança no sistema de armazenamento de dados, esse detalhamento só poderia ser apresentado “em breve”. Passaram-se três meses e nada.
Numa nova surpresa, o coordenador-geral de investigação da Receita Federal, Gerson Schaan, deu uma entrevista à repórter Andreza Matais na qual disse o seguinte: “O que a quadrilha fazia era direcionar o julgamento para uma turma que tinha entendimento a favor do contribuinte. Trata-se de um caso de corrupção, não de sonegação”. Em tese, tudo bem, na prática, a ver. O centro dessa questão só será melhor entendido “em breve”, quando o Carf fulanizar nomes e cifras.
Nos pixulecos do Carf podiam ocorrer três situações:
1) O contribuinte sabia que estava sonegando e dava a pedalada tributária porque esperava ganhar a parada no Carf. Nesse caso há corrupção e sonegação.
2) O contribuinte pode ter razão, mas comprou o “direcionamento”. A Receita errou, mas falta explicar melhor como uma turma entende uma coisa e outra vai na direção oposta, sobretudo sabendo-se, há anos, que uma quadrilha orientava o trânsito. Nesse caso há um atravessador corrupto e um empresário corruptor.
3) No pior dos casos, o contribuinte tinha razão mas foi informado de que iria para a lâmina se não pagasse o pedágio. Segundo um dos integrantes da quadrilha, “se eu participar (...) eles têm mais ou menos 95% de chances de ganhar. Caso contrário, perderão, com certeza.”
Essas diferenças poderão ser esclarecidas se a Operação Zelotes entrar no estilo da Lava-Jato. Pelo andar da carruagem, apesar dos esforços da Polícia Federal e do Ministério Público, ela está devagar, quase parando. Corre o risco de ficar parecida com a “Castelo de Areia”, aquela que livrou a empreiteira Camargo Corrêa de qualquer suspeita. Passaram-se seis anos e agora a empresa está colaborando com o juiz Sérgio Moro.
Preciosidade
O Instituto Cultural Amilcar Martins, de Belo Horizonte, acaba de publicar “Livraria Mineira”, um rico volume com seu catálogo. São cerca de 10 mil títulos relacionados com a História e os costumes de Minas Gerais. Tem de tudo, desde a primeira edição de poemas do inconfidente Cláudio Manuel da Costa e um volume de 1749, narrando as curas milagrosas da Lagoa Santa, até uma coletânea de receitas de doces mineiros, publicada em 1932.
A proeza foi conseguida pelo historiador Amilcar Martins Filho, que começou a coleção nos anos 70. Além do livro, um cartapácio de quase três quilos, a boa notícia está no fato de o instituto ter colocado o conteúdo na rede, bem como suas belas ilustrações.
É comum que edições desse tipo fiquem restritas às poucas pessoas que têm acesso a versões impressas. Martins rompeu essa escrita. O livro e o catálogo estão disponíveis para quem quiser, de graça.
Jato que não lava
A seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil cassou a carteira de José Dirceu por 76 votos contra dois.
Achou que o comissário ofendeu os princípios éticos da guilda pelos crimes que cometeu em 2005, que levaram-no à cadeia em 2012.
Como demoraram três anos para tomar a decisão, de duas uma: não leem jornais ou, quem sabe, alguém achava que Dirceu não estava morto.
Lá vem mais
Quem lê os horóscopos do ministro Teori Zavascki (signo de leão) desconfia que há depoimentos de colaboradores com informações cujo sigilo ainda deve ser preservado, para não atrapalhar investigações em curso.
Greves em escolas
Uma história para hierarcas que cortam despesas e professores ou servidores que fazem greves duradouras, capazes de arruinar a vida dos alunos:
Lucy Maria Degli Espositi Pereira tem 29 anos, mora na roça de Bom Jesus do Itabapoana (RJ). Viveu num convento e, aos 27 anos, voltou a estudar, à noite. Em 2013 ganhou uma das medalhas de ouro da Olimpíada de Matemática das Escolas Públicas e ficou entre as 200 melhores do país. Em 2014 levou uma medalha de prata. Na primeira fase do concurso deste ano acertou 16 das 20 questões.
Sua mãe trabalha como merendeira numa escola, o pai vende o leite de umas poucas vacas e, com Lucy, faz serviços de pedreiro.
Desde junho Lucy não vai à escola por falta de transporte, pois os motoristas dos ônibus estão em greve por falta de pagamento.
Em tempo: na escola Alfredo Leppaul, de Santa Leopoldina (ES), o município onde vivem as famosas trigêmeas medalhistas da Olimpíada, os alunos ficaram sem aulas de matemática por falta de professor.
Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e acredita que ninguém quer destruir o governo da doutora Dilma, ele é que se autodestrói. O Planalto conseguiu um tempo para respirar, não há manifestações de rua no calendário e a oposição está sem rumo. Diante da calma, apareceu um sábio:
“Vamos recriar um imposto.”
E assim renasceu a tentativa de ressurreição da CPMF, o imposto do cheque.
Seria o caso de se retomar a proposta de cobrança pelo atendimento do SUS. Assim, o sujeito que aguenta uma carga tributária de 35% adoece, vai a um hospital público, paga com um cheque e toma outra tunga.

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