Eric Asimov - NYT
Jim Wilson/The New York Times
Vinícola em Templeton, na Califórnia; seca afetou atividade
No rústico Smith-Madrone Vineyards, no alto de Spring Mountain, ninguém tem pensado sobre a seca que absorveu boa parte das conversas sobre a Califórnia este ano.
Em vez disso, as preocupações têm girado em torno do período quente anormal de janeiro e fevereiro, que fez com que a temporada de crescimento começasse mais cedo este ano. Então veio uma onda de frio em maio, que fez com que muitos produtores perdessem 40% a 50% de sua safra. Em seguida, um julho mais frio do que o esperado, e, na maior parte do Vale do Napa, uma colheita precoce em agosto.
"Tem sido um ano bizarro", disse Stuart Smith, que, junto com seu irmão, Charles, já viu muitos extremos climáticos em seus 44 anos de cultivo de uvas e produção de vinho em Smith-Madrone. Agora ele está preocupado principalmente com os incêndios florestais.
A seca pode ter
transformado toda a Califórnia em um deserto impiedoso na imaginação
popular, mas visitar as regiões de vinhos finos de todo o estado em
julho passado serviu para pintar um retrato com mais nuances.
Do vale de Santa Ynez, no condado de Santa Barbara, a El Dorado em Sierra Foothills, ao Vale do Napa e o litoral de Sonoma, a seca, agora em seu quarto ano, tem afetado cada área de maneira diferente. Algumas regiões foram duramente atingidas, como Paso Robles na costa central e o Vale Central, fonte de grande parte das uvas usadas nos vinhos baratos. Mas outras regiões, como a Costa Norte, estão indo bem.
Embora algumas propriedades isoladas possam sentir os problemas da seca intensamente, o setor de vinho de Califórnia continuou prosperando durante o período.
Em todo o Estado, no entanto, a seca provocou um exame de consciência no setor, mesmo em lugares como Smith-Madrone, à medida que as vinícolas repensam a forma como usam a água e o jeito de fazer negócios. E em todos os lugares, a esperança fervorosa é de que o periódico sistema meteorológico oceânico El Niño traga chuvas este inverno para renovar os reservatórios de água do Oeste.
"Estou com todos os dedos cruzados", disse Charlie Hossom, diretor de operações vinícolas da Delicato Family Vineyards, que cultiva os 2.800 hectares da vinícola de San Bernabe perto de King City, no condado de Monterey, vendendo uvas para produtores grandes e pequenos, bem como usando-as nos vinhos da Delicato.
San Bernabe é um dos maiores vinhedos do mundo, uma extensão de terra vasta e plana, com a sua própria pista de pouso e 22 km de canais de irrigação na terra, escavados quando a água era abundante. Mas os dois reservatórios que servem a região, o lago Nacimiento e o lago San Antonio, estão com o nível de água perigosamente baixo.
No San Bernabe, que apesar de seu tamanho segue um rigoroso programa de agricultura sustentável, nenhuma decisão pode ser tomada sem pesar as consequências para o abastecimento de água.
Por causa da seca, a Delicato está cobrindo os 22 km de canais com tecido para evitar que a água seja absorvida pelo solo. Eles tiveram de tomar outras medidas incomuns, como escolher qual das 20 variedades de uvas são as mais importantes e se concentrar apenas nelas. Eles também tiraram o seguro agrícola sobre o restante e estão apostando na sorte.
Num esforço mais amplo, a Delicato começou a estudar como tornar sua irrigação mais eficiente. Usando uma combinação de sondas de umidade do solo e câmeras infravermelhas levadas por drones, ela está mapeando uma faixa de 80 hectares do vinhedo, quase videira por videira, para verificar a capacidade de retenção de água do solo.
É uma mudança drástica se comparada à ineficiência da década de 1970, quando San Bernabe era irrigada com jatos de água, e até mesmo comparada a métodos mais modernos, como a irrigação por gotejamento.
"Se você olhar para o solo em torno de cada videira como se fosse um tanque de gasolina, o mapeamento permite avaliarmos o tamanho dos tanques de gasolina em toda plantação", disse Hossom. "Podemos administrar a irrigação para manter os tanques pequenos mais cheios, e as áreas com tanques maiores ficarão bem."
A administração dos recursos hídricos não vai ajudar muito em AmByth Estate, a leste de Templeton, uma pequena cidade ao sul de Paso Robles na Auto-Estrada 101. Lá, os 6 hectares de videiras em encostas íngremes são marrons por causa do sol e ressequidos pela seca.
A AmByth, como um número crescente de produtores de vinho da Califórnia, está ideologicamente comprometida com o "dry-farming" [algo como "cultivo seco"], ou o cultivo de uvas sem irrigação, que obriga as raízes das videiras a cavarem fundo em busca de água no solo.
É bem diferente da prática convencional da Califórnia, mas Phillip Hart – que, com sua família, faz vinhos requintados e expressivos na AmByth – acredita que o cultivo seco melhora a qualidade das uvas.
Na sua terra em Paso Robles, no entanto, o depósito de água subterrânea está quase seco. As videiras mais velhas, com sistemas radiculares profundos o suficiente para absorver um pouco de umidade, estão sobrevivendo. As mais jovens não estão tão bem. Em 2014, a AmByth colheu menos de um terço da quantidade de uvas de 2010, o último ano considerado normal antes da seca começar.
"Estamos no nível das águas subterrâneas pré-históricas", disse Gelert Hart, filho de Hart, que faz a maior parte do trabalho agrícola na propriedade. "É o último restinho."
Embora a agricultura em geral tenha sido retratada como o setor mais sedento da Califórnia, absorvendo uma alta porcentagem dos recursos escassos, as videiras não estão entre os principais culpados. Elas são sobreviventes tenazes, geneticamente programados para crescer onde outras plantas não conseguem.
A geografia também determina o destino, na região de Paso Robles, onde o vinhedo Tablas Creek Vineyard, a cerca de 32 km a noroeste de AmByth Estate, não teve nem de longe tantos problemas de água. Como AmByth, Tablas Creek pratica amplamente o cultivo seco em seus 42 hectares de vinhas. Como a parte ocidental de Paso Robles recebe muito mais chuva do que o leste, as vinhas conseguem prosperar. Embora as chuvas de inverno tenham sido de metade dos 711 mm normais desde que a seca começou em 2012, foram suficientes para repor o depósito de água subterrânea.
"O vinhedo parece ótimo, especialmente os trechos sem irrigação", disse Jason Haas, sócio e gerente geral de Tablas Creek. "Aqueles que dependem da água que cai do céu estão em melhor forma do que aqueles que dependem de bombeamento do solo ou da água que escorre da Sierra." Mesmo assim, Tablas Creek conserva aonde pode, usando urinóis Sloan, sem água, no banheiro dos homens em sua adega que funciona com energia solar.
A combinação do cultivo seca com a viticultura biodinâmica, diz Haas, produziu uvas melhores e vinhos melhores.
"Todo mundo fala sobre os aspectos negativos da seca, mas estes três anos foram os melhores da nossa história", disse Haas sobre a vinícola, cujo plantio começou em 1994. "Você fica sob estresse e é obrigado a prestar atenção a suas videiras, linha por linha, videira por videira."
Tradução: Eloise De Vylder
Seca na Califórnia é a pior em mais de um século
Pedalinhos no lago Huntington em High Sierra, na Califórnia. Os reguladores aprovaram as primeiras regras em todo o Estado para o licenciamento de projetos de dessalinização da água do mar Lucy Nicholson/Reuters
Do vale de Santa Ynez, no condado de Santa Barbara, a El Dorado em Sierra Foothills, ao Vale do Napa e o litoral de Sonoma, a seca, agora em seu quarto ano, tem afetado cada área de maneira diferente. Algumas regiões foram duramente atingidas, como Paso Robles na costa central e o Vale Central, fonte de grande parte das uvas usadas nos vinhos baratos. Mas outras regiões, como a Costa Norte, estão indo bem.
Embora algumas propriedades isoladas possam sentir os problemas da seca intensamente, o setor de vinho de Califórnia continuou prosperando durante o período.
Em todo o Estado, no entanto, a seca provocou um exame de consciência no setor, mesmo em lugares como Smith-Madrone, à medida que as vinícolas repensam a forma como usam a água e o jeito de fazer negócios. E em todos os lugares, a esperança fervorosa é de que o periódico sistema meteorológico oceânico El Niño traga chuvas este inverno para renovar os reservatórios de água do Oeste.
"Estou com todos os dedos cruzados", disse Charlie Hossom, diretor de operações vinícolas da Delicato Family Vineyards, que cultiva os 2.800 hectares da vinícola de San Bernabe perto de King City, no condado de Monterey, vendendo uvas para produtores grandes e pequenos, bem como usando-as nos vinhos da Delicato.
San Bernabe é um dos maiores vinhedos do mundo, uma extensão de terra vasta e plana, com a sua própria pista de pouso e 22 km de canais de irrigação na terra, escavados quando a água era abundante. Mas os dois reservatórios que servem a região, o lago Nacimiento e o lago San Antonio, estão com o nível de água perigosamente baixo.
No San Bernabe, que apesar de seu tamanho segue um rigoroso programa de agricultura sustentável, nenhuma decisão pode ser tomada sem pesar as consequências para o abastecimento de água.
Por causa da seca, a Delicato está cobrindo os 22 km de canais com tecido para evitar que a água seja absorvida pelo solo. Eles tiveram de tomar outras medidas incomuns, como escolher qual das 20 variedades de uvas são as mais importantes e se concentrar apenas nelas. Eles também tiraram o seguro agrícola sobre o restante e estão apostando na sorte.
Num esforço mais amplo, a Delicato começou a estudar como tornar sua irrigação mais eficiente. Usando uma combinação de sondas de umidade do solo e câmeras infravermelhas levadas por drones, ela está mapeando uma faixa de 80 hectares do vinhedo, quase videira por videira, para verificar a capacidade de retenção de água do solo.
É uma mudança drástica se comparada à ineficiência da década de 1970, quando San Bernabe era irrigada com jatos de água, e até mesmo comparada a métodos mais modernos, como a irrigação por gotejamento.
"Se você olhar para o solo em torno de cada videira como se fosse um tanque de gasolina, o mapeamento permite avaliarmos o tamanho dos tanques de gasolina em toda plantação", disse Hossom. "Podemos administrar a irrigação para manter os tanques pequenos mais cheios, e as áreas com tanques maiores ficarão bem."
A administração dos recursos hídricos não vai ajudar muito em AmByth Estate, a leste de Templeton, uma pequena cidade ao sul de Paso Robles na Auto-Estrada 101. Lá, os 6 hectares de videiras em encostas íngremes são marrons por causa do sol e ressequidos pela seca.
A AmByth, como um número crescente de produtores de vinho da Califórnia, está ideologicamente comprometida com o "dry-farming" [algo como "cultivo seco"], ou o cultivo de uvas sem irrigação, que obriga as raízes das videiras a cavarem fundo em busca de água no solo.
É bem diferente da prática convencional da Califórnia, mas Phillip Hart – que, com sua família, faz vinhos requintados e expressivos na AmByth – acredita que o cultivo seco melhora a qualidade das uvas.
Na sua terra em Paso Robles, no entanto, o depósito de água subterrânea está quase seco. As videiras mais velhas, com sistemas radiculares profundos o suficiente para absorver um pouco de umidade, estão sobrevivendo. As mais jovens não estão tão bem. Em 2014, a AmByth colheu menos de um terço da quantidade de uvas de 2010, o último ano considerado normal antes da seca começar.
"Estamos no nível das águas subterrâneas pré-históricas", disse Gelert Hart, filho de Hart, que faz a maior parte do trabalho agrícola na propriedade. "É o último restinho."
Embora a agricultura em geral tenha sido retratada como o setor mais sedento da Califórnia, absorvendo uma alta porcentagem dos recursos escassos, as videiras não estão entre os principais culpados. Elas são sobreviventes tenazes, geneticamente programados para crescer onde outras plantas não conseguem.
A geografia também determina o destino, na região de Paso Robles, onde o vinhedo Tablas Creek Vineyard, a cerca de 32 km a noroeste de AmByth Estate, não teve nem de longe tantos problemas de água. Como AmByth, Tablas Creek pratica amplamente o cultivo seco em seus 42 hectares de vinhas. Como a parte ocidental de Paso Robles recebe muito mais chuva do que o leste, as vinhas conseguem prosperar. Embora as chuvas de inverno tenham sido de metade dos 711 mm normais desde que a seca começou em 2012, foram suficientes para repor o depósito de água subterrânea.
"O vinhedo parece ótimo, especialmente os trechos sem irrigação", disse Jason Haas, sócio e gerente geral de Tablas Creek. "Aqueles que dependem da água que cai do céu estão em melhor forma do que aqueles que dependem de bombeamento do solo ou da água que escorre da Sierra." Mesmo assim, Tablas Creek conserva aonde pode, usando urinóis Sloan, sem água, no banheiro dos homens em sua adega que funciona com energia solar.
A combinação do cultivo seca com a viticultura biodinâmica, diz Haas, produziu uvas melhores e vinhos melhores.
"Todo mundo fala sobre os aspectos negativos da seca, mas estes três anos foram os melhores da nossa história", disse Haas sobre a vinícola, cujo plantio começou em 1994. "Você fica sob estresse e é obrigado a prestar atenção a suas videiras, linha por linha, videira por videira."
Tradução: Eloise De Vylder
Seca na Califórnia é a pior em mais de um século
Pedalinhos no lago Huntington em High Sierra, na Califórnia. Os reguladores aprovaram as primeiras regras em todo o Estado para o licenciamento de projetos de dessalinização da água do mar Lucy Nicholson/Reuters
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