Qualquer
pessoa que tenha concluído um pensamento, por menor que seja, sabe que é
doloroso. Trata-se de trabalho duro — na verdade, é a coisa mais
difícil que os seres humanos são chamados a fazer. É fatigante, não
revigorante. Se for permitido seguir o caminho de menor esforço,
ninguém, jamais, pensará.
Uma das razões para que a educação oferecida pelas nossas escolas seja tão volumosa e insípida é que, geralmente, o povo americano — os pais ainda mais que os professores — deseja que a infância seja uma época livre de dor. A infância precisa ser um período de delícia, de alegres impulsos tratados com condescendência. Devem ser dados todos os acessos à livre expressão, o que, certamente, é prazeroso, e não se deve causar sofrimento pelas imposições da disciplina e das exigências do dever, o que é, certamente, doloroso. A infância deve ser repleta do máximo de brincadeiras e do mínimo de trabalho possível. O que não puder ser realizado por meio de esquemas pedagogicamente elaborados para tornar o aprendizado em um jogo excitante deve ser, necessariamente, deixado de lado. Deus me livre de o aprendizado ter sempre o caráter de uma ocupação séria — tão séria quanto ganhar dinheiro e, talvez, muito mais trabalhosa e dolorosa.
O espírito do jardim de infância, de brincadeira ao estudar, invade nossas faculdades. A maioria dos estudantes do curso superior experimenta, pela primeira vez, o gosto do estudo como um trabalho duro, que exige esforço mental e empenho contínuo, quando entra para os cursos de Direito ou de Medicina. Aqueles que não assumem uma profissão descobrem o que o trabalho, realmente, significa apenas quando precisam ganhar a vida — isso se os quatro anos de faculdade não os amaciaram a ponto de torná-los incapazes de conseguir um emprego. No entanto, mesmo aqueles que, de algum modo, recuperam-se da vagabundagem acadêmica e aceitam as responsabilidades e obrigações envolvidas em ganhar a própria vida — mesmo aqueles que começam, gradualmente, a entender a conexão entre trabalho, dor e sustento —, raramente, se é que um dia, estabelecem uma conexão similar entre trabalho, dor e estudo. “Estudo” é o que eles fizeram na faculdade, e eles sabem que aquilo tinha muito pouco a ver com sofrimento e trabalho.
A atitude, atualmente, de muitas instituições de educação de adultos é, ainda mais, condescendente — não apenas de coração mole — diante do grande público com que se deparam: um público que teve todos os tipos e qualidades de ensino. O problema não é, simplesmente, que este grande público tem sido mimado por qualquer escolarização — mimado no duplo sentido de estar despreparado para levar adiante sua própria autoeducação na vida adulta e não estar predisposto a sofrer as dores por amor ao aprendizado. O problema reside, além disso, no fato de que as instituições de ensino de adultos infantilizam os alunos ainda mais do que as escolas mimam as crianças. Eles têm transformado toda a nação — na medida em que a educação esteja envolvida — em um jardim de infância. Tudo deve ser divertido. Tudo deve entreter. A educação dos adultos deve ser feita tão sem esforço quanto possível — indolor, livre de fardos opressivos e das tarefas irritantes. Homens e mulheres adultos, porque são adultos, podem esperar sofrer dores de todos os tipos no curso de suas ocupações diárias, sejam elas domésticas ou comerciais. Nós não tentamos negar o fato de que cuidar de uma casa ou manter um emprego é algo, necessariamente, exaustivo, mas nós, ainda, acreditamos que, de alguma forma, os bens obtidos, a riqueza e o conforto, valem o esforço. Em todo caso, nós sabemos que nada pode ser obtido sem esforço. Tentamos, entretanto, fechar os nossos olhos para o fato de que o aprimoramento de uma mente ou a ampliação de um espírito é, no mínimo, mais difícil do que solucionar problemas de subsistência, ou talvez nós apenas não acreditemos que conhecimento e sabedoria valham o esforço.
Nós tentamos transformar a educação de adultos em algo tão empolgante quanto um jogo de futebol, tão relaxante quanto um filme e tão fácil à inteligência quanto um quiz. Caso contrário, nós não estaremos aptos a atrair as grandes multidões, e o que importa é atrair o maior número de pessoas dentro do jogo educacional, mesmo se, depois de incluirmo-nas no jogo, elas concluam-no sem passar por nenhuma transformação. O que repousa por detrás da minha observação é uma distinção entre duas visões de educação. Em uma delas, a educação é algo externamente acrescentado à pessoa, como as suas roupas ou algum traje. Nós convencemo-na a permanecer ali enquanto a ajustamos e, ao fazermos isto, somos guiados pela sua aprovação ou desaprovação, pelo seu próprio senso do que melhora a sua aparência. Na outra visão, educação é uma transformação interior da mente e do caráter de uma pessoa. Ela é um material plástico a ser aprimorado, não de acordo com as suas inclinações, mas de acordo com aquilo que é bom para ela. Por ser uma coisa viva, e não uma argila morta, a transformação pode ser efetivada apenas por meio de sua própria atividade. Professores de todos os tipos podem ajudar, mas eles só podem fazê-lo no processo de aprendizado que precisa ser dominado, a cada momento, durante a atividade do aluno. A atividade fundamental envolvida em todos os tipos de aprendizado genuíno é a atividade intelectual, a atividade, genericamente, conhecida como pensar. Qualquer aprendizado realizado sem pensamento é, necessariamente, do tipo que tenho chamado de externo e adicional — conhecimento adquirido de forma passiva, o qual costuma ser denominado de “informação”. Sem pensamento, o tipo de aprendizado que transforma uma mente, dá novos insights, ilumina, aprofunda a compreensão, eleva o espírito, simplesmente, não pode ocorrer.
Qualquer pessoa que tenha concluído um pensamento, por menor que seja, sabe que é doloroso. Trata-se de trabalho duro — na verdade, é a coisa mais difícil que os seres humanos são chamados a fazer. É fatigante, não revigorante. Se for permitido seguir o caminho de menor esforço, ninguém, jamais, pensará. Para fazer meninos e meninas, ou homens e mulheres, pensarem — e, por meio do pensamento, submeterem-se à transformação do aprendizado —, as instituições de ensino de todos os tipos trabalham na direção contrária, não na correta. Longe de tentar tornar todo o processo indolor, do começo ao fim, devemos prometer-lhes o prazer da realização como uma recompensa a ser alcançada apenas por meio de trabalho duro. Eu não estou aqui preocupado com a retórica que deveria ser empregada para convencer os americanos de que sabedoria é um bem maior que a riqueza, e, portanto, merecedora de maior esforço. Eu estou somente insistindo que não há uma via de pompa e de realeza e que nossas atuais políticas de ensino, especialmente para educação de adultos, são fraudulentas. Estamos fingindo dar-lhes algo que é descrito nos comerciais como muito valioso, mas o qual, nós prometemos, não lhes custará quase nada.
Não somente declaramos que dor e trabalho são os acompanhamentos inamovíveis e irredutíveis do genuíno aprendizado, não somente devemos deixar o entretenimento para os entertainers e fazer da educação uma tarefa, não um jogo, mas, também, não devemos temer o “estar acima das cabeças do público”. Quem quer que passe por aquilo que está acima de sua cabeça condena-a à sua presente baixa altitude; nada pode elevar uma mente, exceto o que está acima da sua cabeça, e esta elevação não é alcançada por atração capilar, mas somente pelo trabalho duro de subir pelas cordas, com mãos feridas e músculos doloridos. O sistema escolar que atende à criança mediana, ou pior, à metade mais devagar da classe; o conferencista que, diante de adultos, fala fácil para a sua audiência — eles são uma legião; o programa de rádio ou televisão que tenta acertar o denominador comum de receptividade popular mais inferior, todos estes anulam o primeiro propósito da educação ao pegar as pessoas como elas são e deixá-las, exatamente, na mesma.
O melhor programa educacional de adultos que já existiu neste país foi um que durou por um curto espaço de tempo debaixo dos auspícios do People's Institut de Nova York, quando Everett Dean Martin era diretor e Scott Buchanan era o seu assistente. O programa possuía duas partes: uma delas consistia em leituras, as quais, tanto quanto possível, estavam sempre direcionadas acima das cabeças da audiência; a outra consistia em seminários nos quais os adultos eram ajudados na leitura dos grandes livros — os livros que estão acima da cabeça de qualquer um. A última parte do programa permanece sendo aplicada pela equipe do St. Jonh's College nas cidades dos arredores de Annapolis, e nós estamos conduzindo quatro desses grupos no campus central da Universidade de Chicago. Eu vi que este é o único tipo de educação de adultos que é genuinamente educativo, simplesmente porque este é o único tipo que requer atividade, não pretende ensinar a evitar a dor e o trabalho e está sempre lidando com materiais bem acima das cabeças de todos.
Eu não sei se, algum dia, o rádio ou a TV serão capazes de fazer algo verdadeiramente educativo. Estou certo de que eles servem ao público em dois sentidos: dando-lhes diversão e dando-lhes informação. Eles podem, ainda, em se tratando dos melhores programas “educativos”, estimular algumas pessoas a fazer alguma coisa por suas mentes buscando o conhecimento e a sabedoria do único jeito possível — o jeito difícil. O que eu não sei, contudo, é se isto pode, em qualquer momento, produzir aquilo que os melhores professores sempre fizeram e que devem, agora, estar fazendo: a saber, expondo programas que são, genuinamente, educativos, em oposição àqueles que são, meramente, estimulantes, no sentido de que os seguir requer do ouvinte que ele seja ativo, e não apenas passivo, que pense, mais do que apenas relembre conteúdos na sua mente, e que sofra todas as dores de amarrar os próprios cadarços por sua própria conta. Por certo, enquanto os chamados diretores educacionais continuam a agir com base em seus atuais falsos princípios sobre nossas principais redes de ensino, nada poderemos esperar. Enquanto eles confundem educação com entretenimento, enquanto eles supõem que o aprendizado pode ser realizado sem dor, enquanto eles persistem em puxar tudo e todos para debaixo do mais baixo nível no qual o maior público pode ser alcançado, os programas educacionais disponíveis no rádio e na TV permanecerão sendo o que são hoje — fraudes e ilusões.
Pode ser, é claro, que o rádio e a televisão, por razões econômicas, devam, como o cinema, atingir, com precisão, uma audiência tão grande que as redes não possam dar-se ao luxo de nem mesmo testar programas que não pretendam ser mais palatáveis e prazerosos do que a verdadeira educação pode ser. Pode ser que não se possa esperar que o rádio e a TV tenham uma visão mais sólida de educação e promovam programas mais substanciais do que os que, atualmente, prevalecem sobre os líderes oficiais em educação do país — os cabeças do nosso sistema educacional, de nossas faculdades, de nossas associações de educação de adultos. Em todo caso, entretanto, não nos deixemos enganar sobre o que estamos fazendo. A “educação” toda revestida em roupagens atraentes é o pote de ouro que está sendo vendido em cada esquina da América hoje em dia. Todo mundo está vendendo-a, todo mundo está comprando-a, mas ninguém está dando ou recebendo a coisa verdadeira, pois a coisa de verdade é sempre difícil de dar e de receber. No entanto, a coisa verdadeira pode ser, em geral, tornada disponível se os obstáculos à sua distribuição são, honestamente, reconhecidos. A menos que admitamos que todos os convites ao aprendizado podem prometer prazer apenas como resultado da dor, somente podem oferecer conquista às custas do trabalho, todos os nossos convites ao aprendizado, na escola ou fora dela, seja por meio dos livros, palestras ou programas de rádio e televisão, serão tão inúteis quanto a pior propaganda autorizada de remédios ou quanto a promessa eleitoreira de colocar duas galinhas em cada panela.
Publicado, originalmente, no “The Journal of Educational Sociology” em 1941.
Tradução: Camila Hochmüller Abadie
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