João Carlos Espada - Público
Uma hipótese reside em começar por observar o privilégio de não ter sido obrigado a prestar atenção detalhada.
De acordo com um discurso que vai crescendo entre nós — em Portugal, na Europa e no Ocidente em geral — este privilégio de não ter de prestar atenção detalhada é um privilégio do “Ocidente opressor”; do “capitalismo, onde crescem as desigualdades”; das “falsas democracias, onde cresce o poder do dinheiro sobre o poder político”; do “egoísmo dos estados-nação capitalistas, que não querem abrir as suas portas aos refugiados do resto do mundo.”
Mas, se a Europa e o Ocidente capitalistas fossem tão pérfidos e opressores, por que motivo é que os refugiados procurariam a Europa e o Ocidente? Por que razão não buscam a Rússia do sr. Putin, ou a Venezuela, ou a Argentina, ou, já agora, Cuba e o Irão? Ou talvez a China, onde o poder do dinheiro privado tem sido sabiamente controlado pelo “altruísmo” central do estado e do partido comunista? Ou, salvo as devidas proporções, a Grécia do Syriza (ou do que resta dele)?
A questão não é inteiramente nova. A antiga Alemanha de Leste — então chamada República Democrática Alemã — também construiu um muro, o chamado Muro de Berlim. Mas o objectivo não era impedir que as pessoas entrassem na Alemanha de Leste. Na verdade, ninguém queria entrar. O objectivo era impedir que as pessoas pudessem sair.
Também Cuba, a “grande vítima do imperialismo americano”, teve um sério problema de migrações. Só que, tal como na Alemanha de Leste, os migrantes não queriam entrar. Eles simplesmente queriam fugir de uma ditadura comunista que condenara as pessoas à pobreza e à opressão. E fugiram: de barco, de jangada, ou a nado. Tal como fugiram os boat-people do Vietname comunista.
O meu ponto é simples. Não é bom haver muros. Mas há uma grande diferença entre erguer muros para impedir a entrada e erguer muros para proibir a saída. Falar contra os muros em geral, sem fazer esta distinção crucial, é, no mínimo, sinal de uma dissonância cognitiva.
Esta dissonância cognitiva existiu no passado em relação à União Soviética e ao comunismo em geral. Uma das primeiras vozes a denunciar essa dissonância morreu durante este mês de Agosto: Robert Conquest, o historiador britânico que primeiro descreveu o terror de Estaline da década de 1930. Como recordaram José Cutileiro, nos seus excelentes obituários do Expresso, e José Manuel Fernandes no Observador, Conquest foi ostracizado por boa parte da comunidade académica ocidental, a começar pela do seu próprio país. Só na década de 1980 — a década de Ronald Reagan, Margaret Thatcher e de João Paulo II — é que a opinião bem pensante teve de começar a reconhecer que Robert Conquest tinha tido razão. (A propósito, Conquest esteve no Estoril Political Forum em 2010, sob a indiferença geral autóctone).
Afinal, tinha havido um terror estalinista. Afinal, havia uma diferença entre o “opressor capitalismo ocidental” e o “libertador e igualitário comunismo soviético”: nas democracias capitalistas ocidentais, controlavam-se passaportes à entrada; no paraíso igualitário comunista, disparavam sobre os seus próprios cidadãos à saída.
Talvez conviesse recordar esta pequena diferença hoje em dia. Temos certamente grandes problemas no Ocidente capitalista e democrático. Dizem que as desigualdades estão a crescer. Dizem que as políticas de austeridade são inadmissíveis. Dizem que o estado social está a ser destruído. Dizem que somos culpados de tudo e do seu contrário.
Mas, em bom rigor, o grande problema central que enfrentamos não tem nada a ver com isso. É um problema humanitário sério face a vagas crescentes de refugiados e migrantes. Eles buscam a paz e a prosperidade geradas no Ocidente por aquilo que tantos criticam: um sistema de governo pluralista e representativo, sob o primado da lei, que protege uma economia independente do poder político, fundada no mercado e no livre empreendimento. Por outras palavras, o capitalismo pluralista e democrático.
Existe, sem dúvida, um grave problema humanitário face às populações que buscam refúgio nas democracias europeias. Mas esse problema não pode ser enfrentado abandonando a defesa dos princípios que fizeram da Europa e do Ocidente o porto de abrigo legitimamente procurado pelas vítimas da ditadura e do fanatismo religioso islâmico.
De acordo com um discurso que vai crescendo entre nós — em Portugal, na Europa e no Ocidente em geral — este privilégio de não ter de prestar atenção detalhada é um privilégio do “Ocidente opressor”; do “capitalismo, onde crescem as desigualdades”; das “falsas democracias, onde cresce o poder do dinheiro sobre o poder político”; do “egoísmo dos estados-nação capitalistas, que não querem abrir as suas portas aos refugiados do resto do mundo.”
Mas, se a Europa e o Ocidente capitalistas fossem tão pérfidos e opressores, por que motivo é que os refugiados procurariam a Europa e o Ocidente? Por que razão não buscam a Rússia do sr. Putin, ou a Venezuela, ou a Argentina, ou, já agora, Cuba e o Irão? Ou talvez a China, onde o poder do dinheiro privado tem sido sabiamente controlado pelo “altruísmo” central do estado e do partido comunista? Ou, salvo as devidas proporções, a Grécia do Syriza (ou do que resta dele)?
A questão não é inteiramente nova. A antiga Alemanha de Leste — então chamada República Democrática Alemã — também construiu um muro, o chamado Muro de Berlim. Mas o objectivo não era impedir que as pessoas entrassem na Alemanha de Leste. Na verdade, ninguém queria entrar. O objectivo era impedir que as pessoas pudessem sair.
Também Cuba, a “grande vítima do imperialismo americano”, teve um sério problema de migrações. Só que, tal como na Alemanha de Leste, os migrantes não queriam entrar. Eles simplesmente queriam fugir de uma ditadura comunista que condenara as pessoas à pobreza e à opressão. E fugiram: de barco, de jangada, ou a nado. Tal como fugiram os boat-people do Vietname comunista.
O meu ponto é simples. Não é bom haver muros. Mas há uma grande diferença entre erguer muros para impedir a entrada e erguer muros para proibir a saída. Falar contra os muros em geral, sem fazer esta distinção crucial, é, no mínimo, sinal de uma dissonância cognitiva.
Esta dissonância cognitiva existiu no passado em relação à União Soviética e ao comunismo em geral. Uma das primeiras vozes a denunciar essa dissonância morreu durante este mês de Agosto: Robert Conquest, o historiador britânico que primeiro descreveu o terror de Estaline da década de 1930. Como recordaram José Cutileiro, nos seus excelentes obituários do Expresso, e José Manuel Fernandes no Observador, Conquest foi ostracizado por boa parte da comunidade académica ocidental, a começar pela do seu próprio país. Só na década de 1980 — a década de Ronald Reagan, Margaret Thatcher e de João Paulo II — é que a opinião bem pensante teve de começar a reconhecer que Robert Conquest tinha tido razão. (A propósito, Conquest esteve no Estoril Political Forum em 2010, sob a indiferença geral autóctone).
Afinal, tinha havido um terror estalinista. Afinal, havia uma diferença entre o “opressor capitalismo ocidental” e o “libertador e igualitário comunismo soviético”: nas democracias capitalistas ocidentais, controlavam-se passaportes à entrada; no paraíso igualitário comunista, disparavam sobre os seus próprios cidadãos à saída.
Talvez conviesse recordar esta pequena diferença hoje em dia. Temos certamente grandes problemas no Ocidente capitalista e democrático. Dizem que as desigualdades estão a crescer. Dizem que as políticas de austeridade são inadmissíveis. Dizem que o estado social está a ser destruído. Dizem que somos culpados de tudo e do seu contrário.
Mas, em bom rigor, o grande problema central que enfrentamos não tem nada a ver com isso. É um problema humanitário sério face a vagas crescentes de refugiados e migrantes. Eles buscam a paz e a prosperidade geradas no Ocidente por aquilo que tantos criticam: um sistema de governo pluralista e representativo, sob o primado da lei, que protege uma economia independente do poder político, fundada no mercado e no livre empreendimento. Por outras palavras, o capitalismo pluralista e democrático.
Existe, sem dúvida, um grave problema humanitário face às populações que buscam refúgio nas democracias europeias. Mas esse problema não pode ser enfrentado abandonando a defesa dos princípios que fizeram da Europa e do Ocidente o porto de abrigo legitimamente procurado pelas vítimas da ditadura e do fanatismo religioso islâmico.
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