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Criança brasileira brinca em oficina do projeto Kaeru, que faz palestras para imigrantes no Japão sobre a importância da estimulação e da educação formal; projeto também atua no Brasil |
ANA ESTELA DE SOUSA PINTO - FSP
O fracasso escolar dos cerca de 40 mil filhos de brasileiros no Japão preocupa a embaixada em Tóquio e entidades educacionais e assistenciais.
A taxa de crianças brasileiras diagnosticadas com autismo é o triplo da registrada entre japoneses —o diagnóstico retira os alunos do estudo regular para sempre.
Brasileiros são também o maior contingente de estudantes que apresentam problema no idioma japonês nas escolas do país asiático e há um número grande de crianças em idade escolar que não vai à escola e termina incapaz de ler e escrever tanto em português quanto em japonês.
SEM PREPARO
As dificuldades escolares dos brasileiros começaram já na década de 1990, quando o governo japonês facilitou a imigração de trabalhadores para suprir as necessidades de mão de obra das indústrias.
Autoridades japonesas e brasileiras não se prepararam para adaptar as crianças porque, de um lado, acreditava-se que o programa estimularia apenas homens jovens a uma estadia temporária, para juntar dinheiro e retornar ao país natal.
Mas a coincidência entre uma crise prolongada no Brasil e a oferta de emprego no Japão fez com que fez com que o movimento de migração se transformasse em residência permanente para mais de 100 mil brasileiros.
Com jornadas de trabalho de até 16 horas diárias, os pais deixavam os filhos na casa de "tias", nas quais elas não recebiam estimulação adequada.
DEPÓSITOS DE CRIANÇAS
A situação perdura até hoje. "Muitas crianças são deixadas em ´creches´ sem qualquer acompanhamento. Como o lugar é irregular, em geral elas não podem sair da casa e não desenvolvem a percepção do espaço ou de coordenação motora. Passam o dia fechadas vendo TV", diz Norberto Mogi, presidente do Sabja (Serviço de Assistência aos Brasileiros no Japão).
Quando chega à escola, diz Mogi, a criança não consegue se comunicar, é retraída, e não se socializa. O professor tenta falar com ela e não consgue, o que acaba levando ao diagnóstico de distúrbios.
Há creches que são "verdadeiros depósitos de crianças", descreve a psicóloga Kyoko Nakagawa, que desde os anos 1980 trabalha com filhos de decasséguis no Japão e no Brasil.
"Você encontra 30, 40 crianças com umas ´tias´de avental, que falam tudo errado e não têm ideia do que estão fazendo. Dão qualquer coisa de comer, as crianças ficam no meio da sujeira, sem brinquedos."
O resultado é que há um número significativo que chega aos três anos de idade sem mal saber falar. "E esta é a fase mais importante do desenvolvimento", diz Kyoko, que tenta conscientizar decasséguis da importância de cuidar da educação adequada dos filhos.
A dificuldade de comunicação pode estar na raiz da alta taxa de brasileiros diagnosticados como autistas no Japão.
O TRIPLO DE AUTISTAS
Embora não haja números oficiais, levantamentos indicam que a porcentagem entre os filhos de decasséguis supere 6%, enquanto fica em 2% entre os japoneses.
O resultado preocupa a Embaixada do Brasil em Tóquio e as entidades que trabalham com a comunidade brasileira.
Para Norberto Mogi, presidente do Sabja (Serviço de Assistência aos Brasileiros no Japão), é provável que haja erro de diagnóstico, por dificuldade de comunicação dos avaliadores com as crianças.
"O problema é que, colocado numa classe especial, o aluno jamais voltará para o ensino regular e tem seu destino selado para sempre", diz Kyoko.
A Sabja desenvolve vários projetos para instruir e orientar os imigrantes brasileiros e tenta atrair universidades japonesas para pesquisar a questão.
Ivan Carlo Padre Seixas, diplomata responsável pelo setor de Comunidade da Embaixada do Brasil em Tóquio, diz que falta uma política integrada do governo japonês para acolher os filhos de imigrantes.
Seixas faz reuniões periódicas com o Ministério da Educação do Japão para tentar sensibilizá-los sobre a questão do autismo e também da dificuldade de integração nas escolas japonesas e dos duplo-analfabetos.
BULLYING
No sistema de ensino japonês, os pais ajudam as crianças com o dever de casa e corrigem os exercícios, o que é difícil para os decasséguis, que, na maioria, não lêem o idioma de seus ancestrais.
"Os garotos começam a ficar para trás e reduzem o desempenho da classe, que é avaliada em grupo. Começam então a ser rejeitados. O bullying é muito forte no Japão", diz Seixas.
A pressão social é muito grande, concorda o pesquisador da UnB Maurício Soares Bugarin, que estuda de perto questões educacionais japonesas desde 2009.
"As crianças chegam a se matar porque foram maltratadas pelos colegas. Os brasileiros sofreram muito, porque, apesar da aparência semelhante, tinham cultura diferente. Então, acabaram preferindo não ir para escola alguma."
É difícil estimar quantos filhos de decasséguis estão fora da escola porque o governo japonês não divulga dados, diz Seixas.
Pesquisa divulgada na última semana pelo Ministério do Japão, porém, mostra que, de cada quatro crianças com dificuldades com o idioma nas escolas japonesas, uma é brasileira: 8.779 deles tinham problemas para acompanhar as aulas.
Dos cerca de 40 mil brasileiros em idade escolar hoje no Japão, 3.800 estão nas 80 escolas que dão aula em português.
Uma dificuldade é que parte das famílias não consegue pagar o custo médio de 25 mil ienes (cerca de R$ 750) das mensalidades.
Outra é que, mesmo quando os pais podem pagar, o ensino em português não permitirá às crianças ter uma carreira no Japão, diz Burgarin.
Os filhos de decasséguis que voltam ao Brasil também encontram dificuldades para se readaptar ao ensino brasileiro.
SUCESSO
Para o pesquisador da UnB, que estudou a inserção escolar dos filhos de decasséguis entre 2015 e 2017, a melhor solução seria que as escolas que hoje dão ensino em português passassem a dar reforço para permitir que os brasileiros tenham sucesso na rede pública japonesa.
"Cursar uma universidade japonesa é muito importante para se inserir na sociedade e ter uma carreira no Japão."
Um dos problemas, segundo Seixas e Kyoko, é que no Japão o ensino é obrigatório apenas para japoneses e não para estrangeiros.
Em Hamamatsu, uma das cidades que concentram decasséguis, o governo local e departamentos de comércio e indústria, trabalho e emprego, a polícia e o consulado brasileiro se uniram em 2011 num projeto chamado "Evasão Escolar Zero".
Foram identificadas 96 crianças que não iam à escola, por motivos como falta de informação, dificuldade para matrícula em escolas japonesas, falta de recursos para pagar escolas particulares e até mesmo medo de terremotos.
Com isso, 48 estrangeiros, dos quais 33 brasileiros, passaram a frequentar as aulas. Apenas 9, porém, em escolas japonesas. As outras 24 foram para escolas brasileiras reconhecidas pelo governo japonês.
Apesar dos problemas, já há uma geração de decasséguis conseguindo seguir no ensino japonês e chegar à universidade, diz Burgarin.
O fracasso escolar dos cerca de 40 mil filhos de brasileiros no Japão preocupa a embaixada em Tóquio e entidades educacionais e assistenciais.
A taxa de crianças brasileiras diagnosticadas com autismo é o triplo da registrada entre japoneses —o diagnóstico retira os alunos do estudo regular para sempre.
Brasileiros são também o maior contingente de estudantes que apresentam problema no idioma japonês nas escolas do país asiático e há um número grande de crianças em idade escolar que não vai à escola e termina incapaz de ler e escrever tanto em português quanto em japonês.
SEM PREPARO
As dificuldades escolares dos brasileiros começaram já na década de 1990, quando o governo japonês facilitou a imigração de trabalhadores para suprir as necessidades de mão de obra das indústrias.
Autoridades japonesas e brasileiras não se prepararam para adaptar as crianças porque, de um lado, acreditava-se que o programa estimularia apenas homens jovens a uma estadia temporária, para juntar dinheiro e retornar ao país natal.
Mas a coincidência entre uma crise prolongada no Brasil e a oferta de emprego no Japão fez com que fez com que o movimento de migração se transformasse em residência permanente para mais de 100 mil brasileiros.
Com jornadas de trabalho de até 16 horas diárias, os pais deixavam os filhos na casa de "tias", nas quais elas não recebiam estimulação adequada.
DEPÓSITOS DE CRIANÇAS
A situação perdura até hoje. "Muitas crianças são deixadas em ´creches´ sem qualquer acompanhamento. Como o lugar é irregular, em geral elas não podem sair da casa e não desenvolvem a percepção do espaço ou de coordenação motora. Passam o dia fechadas vendo TV", diz Norberto Mogi, presidente do Sabja (Serviço de Assistência aos Brasileiros no Japão).
Quando chega à escola, diz Mogi, a criança não consegue se comunicar, é retraída, e não se socializa. O professor tenta falar com ela e não consgue, o que acaba levando ao diagnóstico de distúrbios.
Há creches que são "verdadeiros depósitos de crianças", descreve a psicóloga Kyoko Nakagawa, que desde os anos 1980 trabalha com filhos de decasséguis no Japão e no Brasil.
"Você encontra 30, 40 crianças com umas ´tias´de avental, que falam tudo errado e não têm ideia do que estão fazendo. Dão qualquer coisa de comer, as crianças ficam no meio da sujeira, sem brinquedos."
O resultado é que há um número significativo que chega aos três anos de idade sem mal saber falar. "E esta é a fase mais importante do desenvolvimento", diz Kyoko, que tenta conscientizar decasséguis da importância de cuidar da educação adequada dos filhos.
A dificuldade de comunicação pode estar na raiz da alta taxa de brasileiros diagnosticados como autistas no Japão.
Embora não haja números oficiais, levantamentos indicam que a porcentagem entre os filhos de decasséguis supere 6%, enquanto fica em 2% entre os japoneses.
O resultado preocupa a Embaixada do Brasil em Tóquio e as entidades que trabalham com a comunidade brasileira.
Para Norberto Mogi, presidente do Sabja (Serviço de Assistência aos Brasileiros no Japão), é provável que haja erro de diagnóstico, por dificuldade de comunicação dos avaliadores com as crianças.
"O problema é que, colocado numa classe especial, o aluno jamais voltará para o ensino regular e tem seu destino selado para sempre", diz Kyoko.
A Sabja desenvolve vários projetos para instruir e orientar os imigrantes brasileiros e tenta atrair universidades japonesas para pesquisar a questão.
Ivan Carlo Padre Seixas, diplomata responsável pelo setor de Comunidade da Embaixada do Brasil em Tóquio, diz que falta uma política integrada do governo japonês para acolher os filhos de imigrantes.
Seixas faz reuniões periódicas com o Ministério da Educação do Japão para tentar sensibilizá-los sobre a questão do autismo e também da dificuldade de integração nas escolas japonesas e dos duplo-analfabetos.
BULLYING
No sistema de ensino japonês, os pais ajudam as crianças com o dever de casa e corrigem os exercícios, o que é difícil para os decasséguis, que, na maioria, não lêem o idioma de seus ancestrais.
"Os garotos começam a ficar para trás e reduzem o desempenho da classe, que é avaliada em grupo. Começam então a ser rejeitados. O bullying é muito forte no Japão", diz Seixas.
A pressão social é muito grande, concorda o pesquisador da UnB Maurício Soares Bugarin, que estuda de perto questões educacionais japonesas desde 2009.
"As crianças chegam a se matar porque foram maltratadas pelos colegas. Os brasileiros sofreram muito, porque, apesar da aparência semelhante, tinham cultura diferente. Então, acabaram preferindo não ir para escola alguma."
É difícil estimar quantos filhos de decasséguis estão fora da escola porque o governo japonês não divulga dados, diz Seixas.
Pesquisa divulgada na última semana pelo Ministério do Japão, porém, mostra que, de cada quatro crianças com dificuldades com o idioma nas escolas japonesas, uma é brasileira: 8.779 deles tinham problemas para acompanhar as aulas.
Dos cerca de 40 mil brasileiros em idade escolar hoje no Japão, 3.800 estão nas 80 escolas que dão aula em português.
Uma dificuldade é que parte das famílias não consegue pagar o custo médio de 25 mil ienes (cerca de R$ 750) das mensalidades.
Outra é que, mesmo quando os pais podem pagar, o ensino em português não permitirá às crianças ter uma carreira no Japão, diz Burgarin.
Os filhos de decasséguis que voltam ao Brasil também encontram dificuldades para se readaptar ao ensino brasileiro.
SUCESSO
Para o pesquisador da UnB, que estudou a inserção escolar dos filhos de decasséguis entre 2015 e 2017, a melhor solução seria que as escolas que hoje dão ensino em português passassem a dar reforço para permitir que os brasileiros tenham sucesso na rede pública japonesa.
"Cursar uma universidade japonesa é muito importante para se inserir na sociedade e ter uma carreira no Japão."
Um dos problemas, segundo Seixas e Kyoko, é que no Japão o ensino é obrigatório apenas para japoneses e não para estrangeiros.
Em Hamamatsu, uma das cidades que concentram decasséguis, o governo local e departamentos de comércio e indústria, trabalho e emprego, a polícia e o consulado brasileiro se uniram em 2011 num projeto chamado "Evasão Escolar Zero".
Foram identificadas 96 crianças que não iam à escola, por motivos como falta de informação, dificuldade para matrícula em escolas japonesas, falta de recursos para pagar escolas particulares e até mesmo medo de terremotos.
Com isso, 48 estrangeiros, dos quais 33 brasileiros, passaram a frequentar as aulas. Apenas 9, porém, em escolas japonesas. As outras 24 foram para escolas brasileiras reconhecidas pelo governo japonês.
Apesar dos problemas, já há uma geração de decasséguis conseguindo seguir no ensino japonês e chegar à universidade, diz Burgarin.
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