Eduardo Porter - NYT
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24.mar.2015 - Alunos da terceira série se preparam para teste padronizado em escola pública de Nova York
Em 2004, o governo chinês decidiu que estavam ocorrendo mortes por acidente em demasia. O retrospecto de segurança da China, ele decretou, deveria se assemelhar ao de outros países de renda média. O Conselho de Estado estabeleceu uma meta: um declínio nas mortes por acidente de 2,5% por ano.As autoridades provinciais foram acionadas. No final, 20 de um total de 31 províncias adotaram políticas de "sem segurança, sem promoção", vinculando o destino dos burocratas ao cumprimento do teto de mortes. Os resultados surgiram: em 2012, as mortes por acidente registradas caíram quase pela metade.
Mas nem tudo envolveu uma maior segurança. Por exemplo, as autoridades puderam reduzir as mortes no trânsito ao manterem as vítimas de acidentes graves vivas por oito dias. Eles contavam como mortes por acidente apenas se as vítimas morressem em até sete dias.
Em um estudo sobre o declínio das mortes por acidente na China, Raymond Fisman, da Universidade de Columbia, e Yongxiang Wang, da Universidade do Sul da Califórnia, concluíram que "manipulação exerceu um papel dominante". Sem surpreender, os burocratas trapacearam.
Isso está longe de ser incomum. E certamente não se limita à China. Atualmente, de fato, isso tem adquirido uma importância particular no debate sobre como melhorar o ensino americano.
A questão é, o que acontecerá quando os professores passarem a ser recompensados, ou punidos, com base até certo ponto em testes padronizados? Se realmente queremos que nossos filhos aprendam mais, o desenho de qualquer sistema deve ser cuidadosamente pensando, para evitar que se desencaminhe.
"Quando se dá muito peso a uma medida, as pessoas tentarão se sair bem nessa medida", disse Jonah Rockoff, da Universidade de Columbia. "Algumas das coisas que farão serão boas, de acordo com os objetivos. Outras representarão trapaça ou manipulação do sistema."
O fenômeno é mais conhecido como Lei de Goodhart, em referência ao economista britânico Charles Goodhart. Luis Garicano, da London School of Economics, a chama de Princípio de Heisenberg do design de incentivos, em referência à incerteza definidora da física quântica: um desempenho métrico só é útil como desempenho métrico enquanto não for usado como desempenho métrico.
Isso está presente em toda parte. Alguns hospitais nos Estados Unidos, por exemplo, frequentemente fazem todo o possível para manter os pacientes vivos por pelo menos 31 dias após uma operação, para superar o parâmetro de sobrevivência de 30 dias do Medicare (o seguro-saúde público americano para idosos e inválidos). No ano passado, a revista "Chicago" revelou como o Departamento de Polícia de Chicago obteve uma queda nos índices de criminalidade simplesmente ao reclassificar incidentes como não sendo criminosos.
"Nós não sabemos quão grande é isso", disse Jesse Rothstein, um professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley, que critica a avaliação métrica com base em resultados de exames. "É uma das principais preocupações."
O ensino americano embarcou em um experimento nacional em design de incentivos. Estimulados pelo Departamento da Educação, a maioria dos Estados estabeleceu um sistema de avaliação para os professores baseado nos ganhos de seus estudantes em exames padronizados, juntamente com critérios mais tradicionais, como avaliações dos diretores.
Quatorze Estados devem contar com sistemas plenamente desenvolvidos neste ano letivo, segundo o Conselho Nacional para Qualidade do Professor – um grupo de defesa que apoia avaliações rigorosas. Todos os Estados, com exceção de seis, deverão contar com um no ano letivo de 2016-2017.
As avaliações são apoiadas por pesquisa sofisticada. Um estudo importante publicado por Rockoff e dois professores de Harvard, Raj Chetty e John Friedman, apontou que os professores que melhoraram as notas dos alunos, cunhados de professores de alto valor agregado, aumentaram as chances dos alunos de irem para a faculdade, assim como seus salários mais adiante na vida.
Mas os professores – e pais – estão enfurecidos. Em Nova York, o sindicato dos professores se opõe fortemente à proposta do governador Andrew Cuomo de aumentar o peso das notas de testes para 50% da avaliação do professor. O governador está sendo massacrado nas pesquisas de opinião sobre esse assunto.
"Pessoas que alegam ser reformistas baseados em mercado querem vender a teoria de que há uma correlação direta entre notas de exames, o esforço dos professores e o sucesso das crianças", disse Randi Weingarten, que preside a Federação Americana dos Professores. "Isso simplesmente ignora tudo mais que está envolvido no aprendizado."
Os críticos questionam os resultados do estudo dos acadêmicos de Harvard. Os professores argumentam que não há como isolar o impacto do ensino por si só de outros fatores que afetam o aprendizado das crianças, particularmente coisas como o histórico familiar dos alunos, o impacto da pobreza, segregação racial, até mesmo o tamanho da classe.
Rothstein, de Berkeley, sugeriu que a triagem exerce um grande papel nos resultados: os professores mais bem classificados recebem os melhores alunos. Outros estudos apontam que as notas dos professores variam muito de ano a ano, colocando seu valor em questão. Rockoff, Chetty e Friedman defenderam seus resultados.
Neste debate acalorado, entretanto, é importante não perder de vista a Lei de Goodhart. A maioria desses estudos mede o impacto das notas de exames quando os exames tinham pouco peso no futuro da carreira dos professores. Mas o que acontece quando exames determinam se um professor receberá um bônus ou manterá seu emprego?
De Atlanta a El Paso, as autoridades de ensino são acusadas de trapacear para melhorar suas posições em resultados de exames.
Fraude não é a única preocupação. Em um estudo, as escolas forçadas a melhorar as notas pela lei "Nenhuma Criança Deixada para Trás" se concentraram em ajudar as crianças que estavam à beira da proficiência. Elas não tinham incentivo para tratar daquelas que estavam confortavelmente acima da média ou aquelas com pouca esperança de avançarem o bastante a curto prazo.
Uma pesquisa envolvendo professores de um distrito escolar no Sudoeste, que receberam bônus baseados nas notas de exames, apontou que muitos tentaram evitar tanto os estudantes dotados quanto aqueles sem proficiência em inglês, cujas notas dificilmente melhorariam. Outros empregaram estratégias de decoreba, sem entendimento, para assegurar os resultados dos alunos nos exames.
Os reformistas da educação reconhecem o desafio, mas argumentam que isso não deve ficar no caminho de avaliações rigorosas.
"Sempre que se faz uma avaliação é preciso se preocupar com efeitos colaterais indesejados", disse Joel Klein, um ex-superintendente das escolas da cidade de Nova York, que famosamente combateu o sindicato dos professores. "Mas a ausência de avaliação é totalmente inaceitável."
Exames onde há muito em jogo podem encorajar mau comportamento. Mas eles também encorajam o bom comportamento. Um estudo envolvendo as escolas públicas na Flórida apontou que as escolas se concentraram nos alunos com desempenho ruim, ampliaram o tempo dedicado ao ensino, deram aos professores mais recursos e tentaram melhorar o ambiente de aprendizado.
No Departamento da Educação, as autoridades disseram que as novas medidas visam ajudar professores e diretores a melhorarem.
Brad Jupp, um conselheiro especial do secretário Arne Duncan, compara a ansiedade a respeito da adoção de novas ferramentas de avaliação com a incerteza nos anos 40 sobre o que aconteceria se a barreira do som fosse quebrada. Algumas pessoas achavam que isso destruiria o avião. Outras achavam que o avião aceleraria a um milhão de milhas por hora. Quando Chuck Yeager finalmente a quebrou em 1947, nada disso aconteceu.
"Há essa experiência de quebrar a barreira do som juntos", disse Jupp, "que é valiosa para ambos os lados".
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