IMPÁVIDO COLOSSO - Blog do Ricardo Setti
Sniper Americano é contra a guerra ou a favor dela? É um filme de ação ou um estudo moral? Seu protagonista, o atirador de elite Chris Kyle, é um herói ou um homem indigno?
No centro da divergência – que diminui mas não anula as chances de o filme sair do Oscar deste domingo com um ou vários prêmios [esta reportagem foi escrita antes da premiação, e Sniper só recebeu um prêmio, o de edição de som] -, Clint Eastwood permanece sereno: em uma fase da vida na qual não é incomum que se acredite ter certezas a oferecer, o diretor de 84 anos continua buscando perguntas a fazer, sem se incomodar se é possível ou não encontrar as respostas certas para elas.
Feliz com a bilheteria estrondosa (quase 400 milhões de dólares, e contando) e em grande medida inesperada do filme, a maior de toda a sua longa carreira, Eastwood conversou com a editora executiva Isabela Boscov sobre a controvérsia em torno de Sniper Americano, os eventuais fracassos, a importância de não planejar demais e o único conselho que ele acredita ter a dar aos sete filhos, de diferentes casamentos e relacionamentos.
Sniper Americano é contra a guerra ou a favor dela? É um filme de ação ou um estudo moral? Seu protagonista, o atirador de elite Chris Kyle, é um herói ou um homem indigno?
No centro da divergência – que diminui mas não anula as chances de o filme sair do Oscar deste domingo com um ou vários prêmios [esta reportagem foi escrita antes da premiação, e Sniper só recebeu um prêmio, o de edição de som] -, Clint Eastwood permanece sereno: em uma fase da vida na qual não é incomum que se acredite ter certezas a oferecer, o diretor de 84 anos continua buscando perguntas a fazer, sem se incomodar se é possível ou não encontrar as respostas certas para elas.
Feliz com a bilheteria estrondosa (quase 400 milhões de dólares, e contando) e em grande medida inesperada do filme, a maior de toda a sua longa carreira, Eastwood conversou com a editora executiva Isabela Boscov sobre a controvérsia em torno de Sniper Americano, os eventuais fracassos, a importância de não planejar demais e o único conselho que ele acredita ter a dar aos sete filhos, de diferentes casamentos e relacionamentos.
A seu ver, surgiu da controvérsia em torno de Sniper Americano algo de iluminador ou instigante, ou ela seria mera polarização de opiniões?
Minha impressão é que algumas das pessoas que
têm alimentado essa controvérsia estão mais interessadas em obter
reconhecimento e manter seu nome em evidência do que em debater.
O filme tem, é claro, uma mensagem sobre as
urgências do combate, mas eu diria que sua mensagem contra a guerra tem
peso idêntico; não são poucos os soldados que sentem estar no lugar
errado, e mesmo Kyle tem de se esforçar mais e mais para se convencer de
que o que está fazendo é o certo.
Eu não fui a favor dessa guerra [do Iraque].
Mas, a partir do momento em que os soldados são enviados à batalha, meu
desejo é que possam cumprir sua missão e voltar vivos para casa.
Essa questão, a dos efeitos da violência cometida com a convicção do justo e certo, é constante em seu trabalho.
É difícil discutir intenções: enquanto você
está rodando um filme, uma multiplicidade de opiniões a respeito dele
cruza a sua cabeça, toma forma e então muda – de tal modo que, no fim,
se alguém vier lhe perguntar quem são as pessoas que vão querer vê-lo, a
única resposta possível é “não tenho a menor ideia”. Um filme só existe
de fato nos olhos de quem o vê.
A lição que aprendi a aceitar é que tenho de
dar o meu melhor; mas, quando o resultado do meu trabalho chega aos
cinemas, só o público decide se quer vê-lo ou prefere escolher outra
coisa.
Dói quando o público decide que não é o seu filme que ele quer ver? J. Edgar, por exemplo, foi praticamente ignorado.
Talvez o público mais jovem não conheça J.
Edgar Hoover, e talvez o público que tem idade para se lembrar dele não
frequente mais o cinema. O mesmo talvez possa ser dito de Invictus, sobre Nelson Mandela.
É sempre uma pequena decepção, mas remoer
desapontamentos não leva a nada. É partir para outra. Inversamente, se
cinco meses atrás me tivessem dito que Sniper Americano seria o maior sucesso comercial da minha carreira, eu teria ficado surpreso.
Vai ver é o pessoal que não foi ver J. Edgar que está comprando os ingressos.
Oitenta e quatro anos é uma idade
respeitável, mas ela não parece ter diminuído sua disposição: faz apenas
meio ano que o senhor lançou Jersey Boys.
Sinto-me ótimo e estou com boa saúde. Sem
querer me comparar a sir Edmund Hillary, a justificativa que tenho para
o número de filmes que faço é a mesma que ele deu para conquistar o
Everest: eles estão lá à espera, ora. Mas admito que, depois desse 2014
puxado, a pior coisa que poderia me acontecer seria dar de cara com
outro bom roteiro. Não consigo parar de olhar projetos, mas acho que uns
meses de folga me fariam bem.
Um filme com tanta ação a coordenar, como Sniper Americano, exige energia extra, não?
Faz mais de 60 anos que trabalho como ator e
45 como diretor, então essa é uma habilidade que aprendi a dominar: a de
priorizar – decidir o que está sob meu controle direto e o que depende
de outros, e então ir caminhando pelo filme como uma equipe. Porque um
filme é um trabalho de equipe: cerque-se dos melhores profissionais, e
eles farão você parecer melhor do que é.
Preparação e análise em excesso podem ser inimigos de um cineasta?
Sim. É preciso ter algum frescor, alguma
abertura nas concepções e atitudes, quando se entra em um set. Às vezes,
imprevistos podem ser benéficos e melhorar uma cena; não é bom reagir
com desaprovação a situações inesperadas que por acaso surjam. Alguns
atores entram na cena em ponto de bala e vão esfriando; outros chegam
frios e vão esquentando.
É preciso aceitar as pessoas pelo que elas são
e tirar o melhor partido do que elas têm a oferecer. Tudo é um
julgamento. E tem-se também de aceitar que às vezes fazemos bons
julgamentos, e outras vezes, maus.
Em retrospecto, quais são os cineastas com quem o senhor mais aprendeu?
Eu destacaria Sergio Leone e Don Siegel, e
também William Wellman. Mas, na verdade, aprende-se com todos eles, os
bons e os nem tão bons. Quando eu fazia o seriado Rawhide
(1959-1965), tínhamos um diretor diferente a cada semana, e essa é uma
escola daquelas. Quanto maior a variedade de pessoas com que você
trabalha, mais fácil é encontrar seu próprio estilo, sua energia
pessoal, quando finalmente tem a oportunidade de passar para trás da
câmera.
Em sete anos, o senhor estrelou apenas dois filmes, Gran Torino e Curvas da Vida. Perdeu o prazer em atuar?
De maneira nenhuma. Mas esses calharam de ser
bons roteiros, com sentimentos que aprovo e personagens de certa idade. A
maioria dos roteiros é escrita para um pessoal mais jovem, e não posso
interpretar o velho ranzinza todo ano.
Vários dos seus filhos estão envolvidos de alguma forma com a indústria do entretenimento. Isso o deixa apreensivo?
Quero que eles façam aquilo de que gostam.
Minha única exigência é que, seja qual for a profissão que escolham,
eles se dediquem a ela ao máximo. Meu pai dizia que, se seu trabalho é
cavar buracos, então cave os melhores buracos de que é capaz. É isso que
eu digo aos meus filhos também.
Trabalhar é bom?
É ótimo. Gosto de trabalhar e da atividade que
o trabalho cria. A aposentadoria não é uma ideia convidativa. Adoro
golfe, mas não quero ser obrigado a jogar golfe por falta do que fazer.
O que o senhor planeja, mais uns vinte anos na ativa?
Dos seus lábios para os ouvidos de Deus! Soa meio otimista, mas eu topo.
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