Rodrigo Constantino - VEJA
Está estampada a manchete na capa do jornal: “Renda tem maior queda em 10 anos”. O rendimento médio real habitual do trabalhador ficou em R$ 2.163,20, em fevereiro deste ano, uma queda de 0,5% em relação a fevereiro do ano passado. Essa é a primeira queda anual do rendimento desde outubro de 2011 (-0,3%) e a maior queda desde maio de 2005 (-0,7%). Os dados são da Pesquisa Mensal de Emprego (PME).
“Há muito tempo não há uma retração do rendimento. Nesses dois últimos meses, a gente vê o aumento do indicador da inflação. Houve de fato uma retração em função da inflação, para rendimentos em termos reais”, disse a pesquisadora do IBGE, Adriana Beringuy.
A queda também pode ser explicada por redução dos postos de trabalho em setores que pagam mais, como a indústria, que teve recuo de 7,1% no contingente de desocupados entre fevereiro deste ano e o mesmo período do ano passado. O rendimento também teve queda, de 1,4%, na comparação com o mês de janeiro.
O que estamos vendo é o começo do declínio da tal “nova classe média”, que o governo anunciou com muito alarde – e tortura estatística. O desemprego está aumentando, a economia deve se retrair esse ano em 1% ou mais, e a inflação provavelmente terminará 2015 acima de 8%. Será que podemos afirmar que se trata do fim da classe média e do surgimento da “ralé”?
O leitor acha que sou insensível por usar esse termo? Talvez. Mas calma que explico. Não é exatamente um termo meu. Há um pesquisador que divide o país exatamente nessas “classes”: a ralé, os batalhadores e os ricos. É o autor de um estudo sobre a tal “ralé brasileira” e como ela vive. Pensa o leitor que se trata de algum “neoliberal” qualquer? Nada disso. Seu nome é Jessé Souza, e não tem nada de liberal.
Nunca ouviu falar? Pois é, mas os petistas sim, a presidente Dilma sim. Afinal, o homem se tornou nada menos do que o novo presidente do Ipea, aquele órgão de pesquisa aplicada que outrora gozou de grande respeito, e que desde a chegada do PT no poder virou sinônimo de piada de mau gosto, de “pesquisas” com claro viés ideológico e partidário.
Logo na epígrafe deste trabalho, o autor cita uma frase de Celso Furtado, guru das esquerdas, em uma entrevista para a “Caros Amigos”, aquela revista que de tão caricata serve apenas para rir. A frase: “A doença grave do Brasil é social, não econômica”. E é com base nesse diagnóstico que tantos “economistas” (ou antropólogos e sociólogos) ignoram tudo aquilo que faria a economia de fato crescer e, com isso, reduzir a miséria social. Basta “vontade política” para distribuir a riqueza e tudo ficará bem, na cabeça dessa gente…
Na introdução, Jessé já mostra a que veio: “Na verdade, a força do liberalismo economicista, hoje dominante entre nós, só se tornou possível pela construção de uma falsa oposição entre mercado como reino paradisíaco de todas as virtudes e o Estado identificado com a corrupção e o privilégio”. Liberalismo “economicista” dominante entre nós? Em que mundo ele vive? Mercado como “reino paradisíaco”, no Brasil? Vemos na largada que a honestidade intelectual não é seu forte, e que o intuito é apenas vender sua ideologia estatólatra, infelizmente já bastante disseminada no país.
Mas não é esse meu ponto principal aqui. Jessé chama o andar de baixo de “ralé”, e se coloca como uma espécie de porta-voz desses desvalidos. Só de usar esse termo, um economista liberal já seria tachado dos mais chulos adjetivos. Ironia das ironias, o sujeito acusa o outro lado de “simplista”, mas divide a sociedade em ralé, batalhadores e ricos. Em qual “classe” está o leitor?
Nessa entrevista ao ator Lázaro Ramos, Jessé deixa claro que essa coisa de mérito não existe, que o resultado é fruto da classe de largada. Seria muito perguntar como, dentro das mesmas famílias, há resultados tão distintos? Ou então como, especialmente nos países mais liberais, tanta gente sai da pobreza e chega ao sucesso? Detalhe, detalhe. Marxistas, disfarçados ou não, traem seu desejo de atacar os ricos, mascarando-o de “busca pela justiça social”. Jessé quer ajudar os “invisíveis”, e para isso precisa tirar dos “ricos”.
Pior: para Jessé, a corrupção não tem nada a ver com excesso de estado, mas sim com desregulamentação. Ou seja, se aumentarmos a burocracia e o poder estatal, teremos menos corrupção! Vai ver por isso a União Soviética era tão pouco corrupta… Vai ver por isso o petrolão ocorreu na Vale privatizada, e não na Petrobras estatal… Ops!
A escolha do presidente do Ipea é do ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos. No caso, Mangabeira Unger, aquele que cuspia no governo do PT como um dos mais corruptos e logo depois embarcou no time sem mais nem menos, mostrando como é capaz de mudar de ideia da noite para o dia, graças, claro, a fortes argumentos persuasivos. Não dá para cobrar coerência dessa turma.
Tudo que escrevi acima seria desnecessário, bastando revelar ao leitor uma só informação: o Brasil 171 adorou a escolha! Acha que Mangabeira “marcou um golaço”. Por aí o leitor já pode ver o que nos espera. Será que teremos saudades de Marcio Pochmann? Não custa lembrar que foi em sua gestão que a decadência do Ipea começou, e logo depois o economista mostrou sua verdadeira cor, ao se candidatar como político pelo PT.
Infelizmente, o estrago institucional causado pela passagem do PT pelo poder – espera-se que perto do fim – é enorme e levará muito tempo até ser revertido. O PT aparelhou toda a máquina estatal com seus pelegos e militantes, avançou sobre os diferentes órgãos como se fossem braços partidários, destruiu a credibilidade de inúmeras entidades importantes. O critério de escolha nunca é técnico, mas sempre ideológico.
E, no processo, inventou uma “nova classe média”, que agora poderá ser estudada e analisada com esmero pelo Ipea, como a nova ralé brasileira!
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