O custo do desrespeito à responsabilidade fiscal
Ao rasgar a LRF por permitir nova renegociação de dívidas de estados e municípios, no primeiro mandato, Dilma aumentou as dificuldades para seu segundo governo
O Globo
No conjunto de erros cometidos no primeiro mandato da presidente Dilma, um dos destaques foi o atropelamento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), com a aprovação da retroatividade da mudança do indexador da dívida renegociada com estados e municípios na década de 90. A troca da correção via IGP-DI mais juros, a depender do devedor, pelo IPCA ou Selic, o que estiver mais baixo, mais juros de 4%, é correta. Afinal, as taxas na época da renegociação estavam altas e passaram a criar saldos devedores em bola de neve. O próprio criador da lei, o economista José Roberto Afonso, a justifica. Já retroagir a medida significou uma agressão direta ao espírito da LRF, pela qual jamais ocorreria outra renegociação de dívidas da Federação. O que terminou acontecendo, na prática. Dilma sancionou a lei em novembro do ano passado, já reeleita. Foi imprevidente, poderia ter esperado para entender melhor a conjuntura econômica à frente, já enfarruscada. Era evidente a necessidade de um ajuste fiscal, mas Dilma parece ter acreditado no seu discurso de palanque.
E assim a lei se tornou grave ameaça ao próprio ajuste, pois a retroatividade joga mais uma sobrecarga sobre o Tesouro. O Planalto ainda tentou o jeitinho de alegar a necessidade de regulamentações, manobra tornada inócua pela Câmara, com a aprovação a toque de caixa da determinação de que as novas regras entrem em vigor dentro de 30 dias. Foi negociado um prazo até terça-feira para o Senado dar aprovação final ao projeto da Câmara. Nesse dia, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, irá à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado para explicar o ajuste. O Planalto ganha tempo para propor alternativas. Missão difícil.
Se o Congresso aprovou a mudança de indexador e a retroatividade da alteração, e a presidente sancionou, o legislado tem de ser executado ou não estamos no Estado de Direito. No plano das responsabilidades, todo o peso cai sobre Dilma e sua equipe do primeiro governo, confessos seguidores do "desenvolvimentismo", antigos adversários da LRF, aprovada no segundo governo FH como um dos pilares da estabilização, mas sempre vista de canto de olho pelo PT. Que, aliás, votou contra a lei. Em vez de buscar arranjos para não cumprir a lei que apoiou e assinou, a presidente deve tratar de compensar o estrago que a medida fará no ajuste fiscal. Ou nada fazer, e assim decretar o fim do governo com três meses de mandato. Pois, sem dúvida, nesse caso, virá o rebaixamento da nota de risco do país, e com isso os capitais externos evitarão a economia brasileira e a crise atual, temporária, de correção de rumos, se aprofundará sem perspectiva de solução.
A vida real empurra Dilma para cortar fundo nos gastos de uma enorme máquina de 39 ministérios e 22 mil cargos ditos de confiança. Mais do que nunca, este aparato se torna inaceitável diante do ajuste que é necessário ser feito. Agravado agora pela herança do estrondoso erro que foi escantear a LRF e renegociar mais uma vez dívidas de estados e municípios.
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