quarta-feira, 1 de abril de 2015

Diplomacia, contenção militar e paciência são as únicas soluções para a Líbia
Jean-Marie Guéhenno e Issandr El Amrani - Le Monde
Mahmud Turkia/APCombatentes da Fajr Libya, aliança de milícias islâmicas, entram em ação durante confrontos com um grupo de oposição em Bir al-Ghanam (a 50 km da capital, Trípoli) Combatentes da Fajr Libya, aliança de milícias islâmicas, entram em ação durante confrontos com um grupo de oposição em Bir al-Ghanam (a 50 km da capital, Trípoli)
O Estado Islâmico (EI) midiatiza com muita habilidade as atrocidades que vem cometendo, levando os países a reagirem de forma emocional. Depois do Iraque e da Síria, agora é a Líbia a ser afetada.
A decapitação de 21 cristãos egípcios levou o Egito a bombardear campos de treinamento na costa líbia e a lançar uma ofensiva diplomática junto ao Conselho de Segurança das ONU (Nações Unidas) para que ele autorize operações militares. Os exemplos bem pouco conclusivos do Iraque e da Síria, sem nem mencionar a campanha da Otan na Líbia de 2011, deveriam, no entanto, fazer pensar: bombardear não pode ser uma estratégia política, ainda mais que na Líbia, país majoritariamente sunita, o EI pode se alimentar das mesmas revindicações sectárias que o ajudam no Iraque e na Síria.
O grupo controla um território restrito, com pouco mais de mil homens distribuídos nas poucas cidades declaradas sob seu controle, tais como Damasco, Sirta ou Nawfiliya. Mais do que objetivos militares e estratégicos concretos, os ataques recentes aos campos petroleiros e os assassinatos e sequestros, assim como as decapitações, são concebidos para semear o pânico e o caos. Então, não se deve cair nos gritos alarmistas daqueles que, tanto em Tobrouk quanto em Trípoli, usam o argumento da ameaça extremista para obter apoios externos.
A verdadeira ameaça estratégica é a fragmentação da Líbia: é ela que, ao criar uma anarquia na qual tráficos de todo gênero prosperam, acaba preparando um terreno propício para os jihadistas, que podem então se apresentar como os guardiães da ordem. Existe o risco de que o EI possa atrair indivíduos em busca de proteção, outros grupos islamitas, criminosos, antigos seguidores de Gaddafi ou membros de tribos que perderam sua influência depois de 2011.
Combatentes estrangeiros se refugiaram em cidades como Derna, onde acampamentos de treinamento jihadistas foram montados. Grupos radicais vindos de países do Sahel foram vistos no sudoeste da Líbia; eles poderão um dia procurar desestabilizar países frágeis tais como Níger e Mali. Mas não é bombardeando que se para essa evolução, muito pelo contrário: o sul líbio ainda não é o santuário jihadista descrito por alguns, e uma operação militar lançada em um país hoje dividido entre dois poderes concorrentes não resolveria, nada e poderia até mesmo ajudar os movimentos extremistas fornecendo-lhes um cômodo adversário.
A prioridade então é dar uma chance à política e à diplomacia. A Líbia hoje está dividida entre um governo que se apresenta como moderado em Tobruk, mas que seus adversários apresentam como gaddafista, e um governo oriundo da revolução em Trípoli, que seus adversários apresentam como perigosamente islamita. Essas duas caricaturas não fazem jus a uma realidade complexa onde ambições pessoais e pertencimentos tribais exercem seu papel. Tanto em Tobruk como em Trípoli, os políticos parecem mais preocupados em garantir seu poder do que em impedir o crescimento do EI. Então é preciso resistir aos pedidos de armas dos dois lados e, pelo contrário, reforçar o embargo hoje em vigor e que é constantemente violado.
Isso só será possível se a comunidade internacional voltar a ter uma verdadeira união na Líbia, em vez de importar para lá seus combates: a luta conduzida pelo Egito contra a Irmandade Muçulmana não poderia justificar o apoio ao general Haftar, que depende da ilusão de uma solução militar que esmagaria os "islamitas". O interesse da França e dos europeus não é se engajar em operações militares e excluir os cernes duros dos dois lados, mas pelo contrário, apoiar o enviado especial da ONU, Bernardino Léon, para que ele os atraia para dentro de uma negociação inclusiva.
Negociações conduzidas sob a supervisão da ONU levam tempo para resultar em algo, mas elas continuam sendo a melhor chance de paz. E, acima de tudo, é preciso a qualquer custo preservar aquilo que resta da unidade da Líbia, um banco central independente e uma gestão autônoma dos recursos petroleiros. A alternativa é desastrosa: uma guerra que terá todos os meios financeiros de durar porque cada lado captará parte da renda.
Os europeus hoje só veem a Líbia sob um aspecto humanitário: novos "boat people" que estão se aproveitando do colapso do Estado líbio para tentar alcançar o paraíso europeu a partir de uma costa que não é tão vigiada. Mas a realidade é um jogo estratégico de primeira importância: se o Estado líbio não for preservado, é um crescente jihadista, do Boko Haram da Nigéria até o Estado Islâmico na Síria, que está se esboçando às portas da Europa. E a solução não é militar,  mas sim política.

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