Paixões escravas
O mal dos companheiros do PT consiste em acreditar que o Estado pode ser mais eficiente do que a sociedade
Reinaldo Azevedo - FSP
A Petrobras teve um prejuízo em 2014 de R$ 21,587 bilhões. O espeto da
corrupção, segundo os valores admitidos pela empresa --não se trata de
contrapropaganda da oposição--, ficou em R$ 6,194 bilhões. Os ativos
sofreram uma correção para baixo de R$ 44,345 bilhões. E, ora vejam!,
nada disso era necessário; nada disso era parte de uma ordem inexorável,
sem a qual não haveria amanhã.
Esses rombos não pertencem à natureza das coisas, a exemplo da lava de
um vulcão, que vai crestando o jardim de Deus e todo o engenho humano,
já que as entranhas da Terra não reconhecem nossas precárias
delicadezas. Levar a Petrobras à lona decorreu de um plano, de uma
decisão, de uma deliberação.
Arranjar os números para que uma empresa possa assimilar um desaforo de
mais de R$ 6 bilhões decorrentes apenas do "custo corrupção" não tem
paralelo na história do capitalismo. O que se viu na Petrobras,
registre-se, capitalismo não é.
É evidente que as responsabilidades individuais e partidárias devem ser
buscadas e que os envolvidos em tramoias têm de arcar com o peso de suas
escolhas. Mas estou mais interessado na criação de um sistema que
cerque as margens de erro e de safadeza --para que os desmandos não
voltem a ocorrer-- do que em cortar cabeças, ainda que eu não vá chorar
por aquelas que eventualmente rolarem.
O passado da Petrobras é matéria da Justiça, mas o futuro da empresa é
matéria de eficiência. É apreciável o propósito de ser justo, e quero na
cadeia os ladrões. Mas é uma questão de sobrevivência fazer as escolhas
certas. Pode-se praticar justiça mesmo na hora final, como no
Armagedom, mas isso não basta para construir amanhãs. Só a moral ilibada
não traz o petróleo à flor da terra a um custo aceitável.
Aquela que já foi a maior empresa brasileira encerrou o ano passado com
uma dívida de R$ 351 bilhões, o que aniquila seu planejamento
estratégico. É evidente que também a teia de incompetência, ideologia e
mistificação em que foi enredada tem de ser destruída.
Não estamos numa tertúlia a opor guelfos e gibelinos, estatistas e
privatistas, liberais e desenvolvimentistas. Todos os absolutos se
tornaram obsoletos diante da evidência matemática de que ativos terão de
ser vendidos e de que a empresa não pode continuar com a incumbência de
ser a parceira obrigatória na exploração do pré-sal. Não há dinheiro
para isso.
O misto de má-fé e de má-consciência do petismo contribuiu, sim, para
levar a Petrobras à lona, mas é importante termos claro que os valentes
teriam quebrado a empresa ainda que fossem puros como as flores. O mal
desses caras não está apenas naquela longa franja ética que os leva a
pregar uma coisa e a fazer outra. O mal dos companheiros --este, sim, um
valor absoluto-- consiste na crença de que o Estado pode ser mais
eficiente do que a sociedade. Ou por outra: como hipótese ao menos, pode
até existir petismo inocente --não creio--, mas jamais existirá um
petismo virtuoso.
Informa o Datafolha que 61% dos entrevistados são contrários à
privatização da Petrobras. Segundo Oscar Wilde, todo homem mata aquilo
que ama. É um gesto de terrível altanaria senhorial. O sentimento
moralmente escravo faz o contrário: ama aquilo que o mata.
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