domingo, 31 de maio de 2015

Unir eleições aumentará número de renúncias
Proposta pretende unificar pleitos municipais, estaduais e federais
Intenção é fazer com que o eleitor vá às urnas uma vez a cada cinco anos para definir sete cargos diferentes
JOÃO PEDRO PITOMBO - FSP
A unificação das eleições municipais, estaduais e federais --ponto da reforma política que deve ser votado na Câmara dos Deputados-- deve multiplicar o número de renúncias de chefes do Executivo nos anos de eleição.
A proposta prevê que o eleitor vá às urnas apenas a cada cinco anos para votar de uma única vez para vereador, prefeito, governador, deputado estadual, senadores, deputado federal e presidente. Se as eleições de 2012, por exemplo, já fossem unificadas, 82% dos prefeitos das maiores cidades do país poderiam ter renunciado para disputar nova eleição.
Dos 84 prefeitos de cidades com mais de 200 mil eleitores que encerraram mandato em 2012, 69 disputaram a reeleição naquele ano ou tentaram outros cargos em 2014.
Exemplo disso foi o ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD), que disputou uma vaga de senador em 2014, e o hoje governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori (PMDB), que deixou a Prefeitura de Caxias do Sul.
Se as eleições fossem unificadas na época, ambos teriam de se desincompatibilizar seis meses antes do pleito, abrindo a vaga para o vice. Caso contrário, precisariam esperar cinco anos até a próxima eleição.
Hoje, como as eleições para deputado, governador e senador não coincidem com a de prefeito, a maioria dos gestores municipais cumpre o mandato até o final.
A mudança é defendida por parte da classe política sob argumento de que baratearia os custos das eleições e evitaria que a discussão eleitoral dominasse a agenda política a cada dois anos.
Para os especialistas ouvidos pela *Folha,* a maioria dos chefes de Executivo tende a disputar novos mandatos para se manter em evidência e garantir benefícios, como verbas e cargos.
Nas eleições de 2012, dos 84 prefeitos de grandes cidades, apenas 15 não tentaram novos mandatos depois de deixarem o cargo.
Mesmo assim, alguns deles só não foram às urnas por pendências com a lei da Ficha Limpa. Foi o caso do ex-prefeito de Salvador João Henrique Carneiro (sem partido), que optou por lançar mulher e filho para Câmara e Assembleia em 2014.
SAÍDA DO CARGO
Para evitar as renúncias, o Congresso pode acabar flexibilizando a lei que define a desincompatibilização de quem exerce cargo executivo.
"É possível que o Congresso acabe reduzindo o prazo para desincompatibilização ou até que extinga essa exigência, como já acontece para os parlamentares", diz o cientista político e professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) Paulo Fábio Dantas Neto.
A unificação das eleições é vista com reserva por especialistas, que acreditam que a proposta pode reduzir a renovação nos cargos políticos. Outro ponto questionado são os possíveis efeitos sobre a qualidade do debate político.
"Com tantas eleições juntas, o debate político é reduzido a um carnaval, reduzindo a possibilidade de um voto com consciência", afirma o cientista político Leonardo Barreto, professor da UnB (Universidade de Brasília).
Por outro lado, a medida pode enfrentar resistências para aprovação no Congresso por piorar a situação de quem perder as eleições.
"No modelo atual, um deputado tem a possibilidade de disputar uma prefeitura, perder e voltar para o mandato. Isso reduz o peso de uma derrota", diz Barreto. 
A força avulsa
Merval Pereira - O Globo
A medida mais impactante aprovada na reforma política que está em curso no Congresso foi o fim da reeleição, que tem forte apelo popular, pois a reeleição acabou virando símbolo de abuso de poder do mandante da hora, especialmente depois de a reeleição de Dilma Roussef estar atrelada a um estelionato eleitoral claro.
Considero precipitada a decisão, pois antes deveria ser pensada uma série de regulamentações que limitassem o uso do poder público na campanha da reeleição, a começar pela necessidade de o postulante ter que se licenciar do cargo seis meses antes das eleições.
Se o fim da reeleição for confirmado nas votações subseqüentes, inclusive no Senado, estaremos diante de uma medida que terá conseqüências na maneira de fazer política no país e, sobretudo, na maneira de governar de prefeitos, governadores e presidentes da República.
Justamente os cargos disputados pelo voto majoritário, e que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que não terem o dever de fidelidade partidária. Essa nova configuração pode abrir caminho para a aprovação, mais adiante, de candidaturas independentes aos cargos majoritários.
Juntamente com o voto opcional, que também estará em votação nessa reforma política, essa poderá ser uma mudança substancial na política brasileira, reordenando o papel dos partidos políticos. Proposta de emenda à Constituição de autoria do senador Reguffe (PDT-DF) permite que candidatos sem filiação partidária concorram às eleições. De acordo com a PEC 6/2015, para ser registrada pela Justiça Eleitoral, a candidatura avulsa deverá contar com o apoio e assinatura de pelo menos 1% dos eleitores aptos a votar na região (município, estado ou país, conforme o caso) em que o concorrente disputará o pleito.
No seu voto no STF o ministro Luis Roberto Barroso definiu assim a questão da fidelidade partidária: “A perda do mandato em razão de mudança de partido não se aplica aos candidatos eleitos pelo sistema majoritário, sob pena de violação da soberania popular e das escolhas feitas pelo eleitor”.
Isso por que, segundo ele, no sistema majoritário atualmente aplicado no Brasil, a imposição de perda do mandato por infidelidade partidária “se antagoniza com a soberania popular, que, como se sabe, integra o núcleo essencial do princípio democrático”.
O vínculo entre partido e mandato é muito mais tênue no sistema majoritário do que no proporcional, “não apenas pela inexistência de transferência de votos, mas pela circunstância de a votação se centrar muito mais na figura do candidato do que na do partido”, situação reconhecida pela própria Constituição Federal ao prever, em seu artigo 77, § 2º, que “será considerado eleito Presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta de votos (...)”.
Não se pretende negar o relevantíssimo papel reservado aos partidos políticos nas democracias representativas modernas, alerta Barroso. Porém, não parece certo afirmar que o constituinte de 1988 haja instituído uma “democracia de partidos”.
Para Barroso, o artigo 1º, parágrafo único da Constituição é inequívoco ao estabelecer a soberania popular como fonte última de legitimação de todos os poderes públicos, ao proclamar que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos diretamente, nos termos desta Constituição”.
A obrigação de filiação partidária como condição de elegibilidade, disposta no art. 14, §3º, V, da Constituição, é um entrave às candidaturas independentes, e é certo que os constituintes impuseram diversas regras para estabelecer o pluralismo político como um dos fundamentos da República (art. 1º, V).
Além disso, enfatizando o papel proeminente a eles reservado, a Constituição exigiu a filiação partidária como condição de elegibilidade dos candidatos. No entanto, o reconhecimento de que nas disputas majoritárias o papel relevante é dos candidatos e não dos partidos, além da possível aprovação da não obrigatoriedade do voto, pode criar um ambiente político favorável a candidaturas majoritárias independentes.
Juntamente com novas cláusulas de desempenho para o acesso ao Fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuita no rádio e televisão, essa mudança pode provocar uma vigorosa alteração no nosso sistema político-partidário, obrigando os partidos políticos a se posicionarem com mais vigor.
Debate sobre criminalidade juvenil está fora de foco
Argumentos como sistema penal falido e tibieza das políticas sociais afastam a questão da violência da crucial realidade de que a sociedade está desprotegida 
O Globo
No debate sobre o crescente envolvimento de jovens com o crime é preciso considerar os dois aspectos da questão — o social e a defesa da sociedade contra a violência, sem que, como tem sido a norma, um dos ângulos do tema desqualifique outro. Sem dúvida, o problema da criminalidade juvenil tem um componente que se alimenta da falência de políticas públicas (educação, saúde, habitação, etc.), que deem oportunidades de inclusão na cidadania a uma larga faixa da população, de estratos sociais mais baixos.
A pobreza extrema é um indutor da violência, mas não um determinismo. No entanto, por mais que a realidade recomende o contrário, esse tipo de visão, própria do “politicamente correto", tem tirado o foco da discussão. Com isso, justifica-se a criminalidade juvenil pelo ângulo da demagogia e de uma “sociologia em compotas", e não se mostram saídas de curto prazo. E, a cada ciclo de violência, como o atual, volta-se à questão de como contê-lo, nas sem se atacar de fato o flagelo.
No caso da criminalidade juvenil, esse ponto de vista é matriz de argumentos digressivos. Combate-se, por exemplo, a necessidade de reconsiderar o limite etário da inimputabilidade penal na legislação brasileira, ainda que condicionando a aplicação de penas de prisão à gravidade do crime praticado pelo jovem e à avaliação do juiz, sob a justificativa de que os presídios, superlotados, não ressocializam. De fato, o sistema penitenciário foge ao princípio correcional das penas de privação da liberdade: são depósitos de presos que mais funcionam como universidades do crime do que espaço de reinserção social. O problema nesse tipo de abordagem é que não se apresenta uma solução para um problema real imediato — a defesa da sociedade diante da violência praticada por adolescentes com discernimento suficiente para medir a extensão de seus atos.
Não é o caso de negar a evidência de que o sistema penal está falido, situação que, sem dúvida, implica a adoção de políticas apropriadas para resolver as demandas do setor (aplicação de penas alternativas, critérios para determinar quem de fato precisa ficar preso etc.). Mas a punição de criminosos que hoje se abrigam no guarda-chuva do Estatuto da Criança e do Adolescente, ou seja, a prisão, seria também um fator de pressão para que se aperfeiçoe a política prisional.
Também não se sustenta o argumento de que, em lugar de punir, o Estado precisa instituir políticas públicas e amplas de educação, bem como de outras rubricas sociais. Ninguém em sã consciência é contra esse pressuposto, mas ele não resolve a questão premente de que as ruas estão assustadas pela criminalidade em alta. E é preciso dar solução imediata, pontual, a essa questão. A violência é um corpo estranho nas relações sociais, e é crucial criar anticorpos de efeito instantâneo, sem prejuízo da adoção de ações de mais longo prazo. Um ângulo não invalida o outro. Toda pessoa, de que idade for, precisa ter alguma consciência de que há custos para as transgressões.
Noves fora, nada
Depois de febril atividade decisória, a Câmara configura uma reforma política que não reforma praticamente coisa nenhuma
FSP 
Um respeitado artista contemporâneo brasileiro costuma inscrever em suas obras longas séries de algarismos. Organiza-os numa sequência de subtrações sucessivas, de modo a que sempre apresentem o zero como resultado final.
Não parece descabido evocar os trabalhos de Paulo Climachauska a propósito do que aconteceu na votação da reforma política na Câmara dos Deputados.
Por vários anos, o assunto manteve-se na estaca zero. Com a única exceção relevante da Lei da Ficha Limpa, qualquer proposta de aprimorar o sistema representativo se dava pelos caminhos judiciais ou se via destinada ao engavetamento no Congresso.
Numa verdadeira maratona deliberativa, a Câmara afinal saiu da inércia, decidindo, entre outros temas, sobre voto distrital e lista fechada, financiamento de campanhas, reeleição, cláusula de barreira para partidos políticos.
O resultado de tanta atividade legislativa mostrou-se, entretanto, quase nulo. Partiu-se de uma situação em que nenhuma reforma era votada para se chegar, depois de muito trabalho, a uma situação em que se aprova uma reforma que não é reforma nenhuma.
No ponto mais importante, a questão do sistema eleitoral, foi bem isto o que ocorreu.
Havia a proposta do puro voto em lista: o eleitor simplesmente veria sonegado seu direito de escolher nominalmente os candidatos a cargos proporcionais, ficando à mercê da anônima determinação da burocracia partidária. A ideia, a princípio defendida pelo PT, foi a plenário sem patrocínio mais expressivo que o do PC do B.
Também derrotado, mas por margem bem menor, foi o estranho mecanismo do distritão, que contava com o entusiasmo de líderes do PMDB, como o vice-presidente da República, Michel Temer, e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ).
De certo modo, era o oposto do voto em lista: desarticulava qualquer ligação entre o candidato e seu partido. Os sufrágios que excedessem o necessário para eleger um deputado simplesmente se desperdiçariam, sem beneficiar outros membros da legenda.
Entre o personalismo total e o anonimato completo, a maioria dos deputados optou por deixar tudo como está, não sem antes derrotar a proposta que, no entender desta Folha, poderia ao mesmo tempo fortalecer os partidos e tornar mais transparente e barata a eleição: o sistema distrital misto.
Dessa rodada de votações sobre o sistema eleitoral, é como se todos tivessem saído derrotados. Perderam os defensores de um aprimoramento do sistema. Perderam, também, os que pretendiam piorá-lo.
Era ainda a derrota, ao menos naquele momento, de Eduardo Cunha, que, como presidente da Câmara, foi o grande protagonista do espetáculo, o maestro indiscutível da cacofonia, o mago da reforma que desapareceu no ar.
Atropelou, com inequívoco autoritarismo, os trabalhos da comissão encarregada de elaborar um projeto de reforma política coerente; em defesa de inegáveis interesses próprios, impôs o distritão sobre o relatório final; fez e desfez, por fim, acordos com relação ao financiamento de campanhas.
Neste ponto, recuperou-se da derrota de um dia (quando a maioria se inclinava para impedir o repasse de empresas para candidatos) para vencer no dia seguinte, quando se admitiu que pessoas jurídicas doem a partidos.
Não se trata de algo em tese incorreto, desde que as transferências se façam com o máximo de transparência e dentro de limites quantitativos --itens a serem regulados em legislação complementar.
Foi lamentável, contudo, que a reviravolta no plenário tenha sido alcançada, mais uma vez, pelos duros métodos de Eduardo Cunha --que, numa barganha nefasta, implicaram a flexibilização nas regras que visavam a diminuir o número de partidos políticos e coibir as chamadas legendas de aluguel.
Não se conseguiu, portanto, nenhum progresso no sistema eleitoral ou no sistema partidário. Manteve-se mais ou menos igual tudo o que se tinha, com uma séria desvantagem: o fim do mecanismo da reeleição, aceito oportunisticamente até mesmo pelo PSDB, partido tão comprometido em implantá-lo na Presidência de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
A reforma será retomada, passará por novo turno de votações, irá ao Senado. Não há o que esperar de tudo isso, a menos que o tema deixe o âmbito dos conchavos de gabinete para ser objeto de mobilização e debate na sociedade.
Entregues a si mesmos, os políticos brasileiros não têm muitos motivos para fazer coisa melhor --mas, se tiveram a oportunidade, certamente farão coisa muito pior.
Frankenstein tem conserto
Elio Gaspari - FSP
A reforma política afunilou, melhorou, piorou, demorará e, por incrível que pareça, pode até terminar bem
A reforma política que a Câmara mandará ao Senado ainda é uma criança e pode até acabar bem. Entendendo-se que o Congresso é um Poder da República e não uma assessoria, o que os deputados decidiram pode não agradar, mas reflete uma vontade. Se falta consenso, consenso falta. As matérias aprovadas irão ao Senado, e o que for mudado voltará à Câmara.
Sepultou-se o sonho petista do voto de lista. Parece pouco, mas ele quase foi instituído em 2007. Tudo indica que começará a acabar a reeleição. Na essência, fica tudo mais ou menos como está.
Restam dois espinhos: o financiamento encapuzado de candidatos por meio de doações de empresas a partidos e a proliferação de siglas amarradas às tetas do Fundo Partidário. O primeiro pode ser resolvido na regulamentação. O segundo é mais difícil, mas pode-se restabelecer uma clausula de barreira séria, negando sobrevivência aos partidos que não tiverem 5% dos votos nacionais e 3% dos votos em nove Estados. Isso já foi aprovado pelo Congresso e quem liberou geral foi o STF.
Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e à noite joga bola no Aterro do Flamengo. Estranhou quando o presidente da Fifa, Joseph Blatter, disse que as prisões de José Maria Marin e outros sete cartolas "jogaram uma longa sombra no futebol".
O idiota acha que a sombra não caiu sobre o futebol, mas sobre Blatter e a Fifa. O futebol nada tem a ver com isso. Se Blatter tivesse feito o que devia em 2012, quando foram descobertas as roubalheiras, Marin não estaria na Comissão Organizadora da Fifa e o atual presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, não precisaria ter voltado às pressas para o Brasil.
Eremildo acha que a doutora Dilma nunca fez nada de errado e viu no episódio mais uma prova de que ela é infalível. A doutora nunca foi com a cara de Blatter, da Fifa e de Marin.
A CBF e Marin
Se a CBF do doutor Marco Polo Del Nero realmente não queria prejulgar o antecessor José Maria Marin, não deveria ter retirado o nome dele da sua sede. Vale lembrar que Marin herdou de seu antecessor, Ricardo Teixeira, um jato de 18 lugares e um helicóptero Agusta de US$ 14 milhões.
Marin e Del Nero moram em São Paulo e a CBF tem sede no Rio. O Agusta era usado como equipamento de mobilidade urbana pela dupla.
CPI da CBF
O Senado criou uma CPI para investigar as roubalheiras dos cartolas e da CBF. Como diz a porta do inferno:
"Deixai toda esperança, vós que entrais".
EDUARDO CUNHA
Alguém precisa avisar ao deputado Eduardo Cunha que falar tapando a boca é falta de educação.
Se não for coisa pior.
RECORDAR É VIVER
Empresários da indústria automotiva estão mobilizados para preservar as desonerações tributárias que os beneficiam.
O livro "A Capital da Vertigem", no qual o jornalista Roberto Pompeu de Toledo conta a história de São Paulo de 1900 a 1954, traz uma notável revelação. O andar de cima não gosta de pagar impostos e hostiliza quaisquer tributos sobre veículos automotivos desde 1901, quando talvez só houvesse dois na cidade.
O primeiro documento que trata da existência de um automóvel em São Paulo é uma petição de Henrique Santos Dumont (irmão do Pai da Aviação) pedindo que fosse desonerado de pagar imposto sobre seu "automobile", pois a manutenção do veículo era cara e as ruas, péssimas.
O pedido foi negado, mas a luta continua.
A DONA DA FACA
O comissário Aldemir Bendine, presidente da Petrobras, passou um fim de semana trancado num hotel de Angra com diretores da empresa.
Na sua equipe a dona da faca é Solange da Silva Guedes, diretora de Exploração e Produção. Com mais de trinta anos na empresa, sua marca tem sido a defesa de cortes em projetos, iniciativas e, sobretudo, na parolagem.
Em 2009 criou-se na Petrobras uma girafa chamada de Grupo de Análise de Projetos. Era formada por uma pequena equipe, com alta participação de pessoas estranhas aos quadros da empresa e foi encarregada de centralizar todas as informações sobre os principais projetos em andamento. Em 2012 Solange da Silva Guedes fechou a quitanda.
A "BOSTA SECA" AMEAÇA A LAVA JATO
Se o Ministério Público aplicar a "teoria da bosta seca" aos conflitos existentes nos depoimentos de réus confessos da Lava Jato, aquilo que hoje é uma investigação arrisca virar uma pizza. Bosta seca "é o tipo de coisa que quanto mais mexe, pior fica": "Mexeu, fedeu".
A opção do Ministério Público pela teoria da bosta foi revelada pela repórter Sonia Racy, expondo diálogos ocorridos durante um depoimento do operador Alberto Youssef, preservado em vídeo. O procurador Andrey Borges mencionou a Youssef que havia contradições entre a sua narrativa e a do "amigo Paulinho". O ex-diretor da Petrobras mencionara transações que envolviam pedidos de pagamentos de R$ 2 milhões para as campanhas da doutora Dilma em 2014 e de Roseana Sarney no Maranhão, em 2010. Ele teria encaminhado a Youssef os pleitos, trazidos pelo ex-ministro Antonio Palocci e pelo senador Edison Lobão.
Youssef diz que esses pedidos não aconteceram e ofereceu-se para uma acareação com "Paulinho". Um dos dois está mentindo e ambos assinaram acordos que caducam caso sejam apanhados em patranhas. Não se conhece a identidade da pessoa que expôs a doutrina da bosta seca, não querendo mexer no assunto. Pode ter sido um procurador e é impossível que tenha sido um transeunte. Passaram-se vários dias, o dono da voz não foi identificado e não se anunciou a acareação.
Desde o início da Lava Jato, tudo o que os larápios precisam é de um tumulto no inquérito. Eles sabem o que fizeram. Só um louco poderia esperar por uma absolvição na primeira instância. Tudo o que se precisa é intoxicar o processo. Numa variante da lição de Neném Prancha ("chuta pra cima que enquanto estiver no céu não é gol"), trata-se de transferir a disputa para as instâncias superiores do Judiciário, reduzindo a questão genérica a tecnicalidades processuais. Foi assim que a Operação Castelo de Areia virou pó no STJ e no Supremo Tribunal. O banqueiro Edemar Cid Ferreira, condenado a 21 anos de prisão pela quebra do Banco Santos em 2006, teve sua sentença anulada pelo Tribunal Regional Federal.
A doutrina da bosta seca é tóxica. Baseado num vídeo da Polícia Federal, o Ministério Público pediu e obteve a prorrogação da prisão de Marice, cunhada de João Vaccari. Erro: a gravação mostrava Giselda, irmã da senhora. A vida é arte, errar faz parte, mas a demora na condenação da doutrina da bosta seca e na identificação do seu formulador é mais que um detalhe. Edemar Cid Ferreira esperou nove anos, mas anulou sua condenação. 

PANZER - ALMA ESCANCARADA

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By Orlova Maria
By Orlova Maria

Via RNDMLYRMBLNG
Advogado luta para que chimpanzés tenham direito a habeas corpus nos EUA
James C. McKinley Jr. - NYT
AFP
Uma juíza do Estado de Nova York ouviu na quarta-feira argumentos sobre se os chimpanzés podem ser considerados pessoas com alguns direitos legais, enquanto os defensores que procuram libertar dois chimpanzés do cativeiro em Long Island afirmaram que eles eram "seres autônomos" e compararam a situação deles à de escravos humanos.
"Eles são seres que podem se lembrar do passado e planejar com antecedência o futuro", disse Steven M. Wise, do Projeto de Direitos para Não-Humanos, ao tribunal, "e este é um dos motivos pelos quais prender um chimpanzé é no mínimo tão ruim e talvez pior do que prender uma pessoa."
A audiência incomum no Supremo Tribunal de Nova York, em Manhattan, diz respeito ao destino de Hércules e Leo, dois chimpanzés de oito anos de idade que estão sendo estudados por um pesquisador da Universidade Stony Brook. O Projeto Direitos Não-Humanos entrou com um processo para libertar os chimpanzés, tentando usar um mandado de habeas corpus, um pilar da lei norte-americana consagrado pelo tempo que permite que uma pessoa conteste a prisão ilegal.
Mas o que é uma pessoa de acordo com a lei? Esse foi o foco dos argumentos apresentados à juíza Barbara Jaffe. Wise sustentou que os chimpanzés são suficientemente parecidos com os seres humanos para terem o direito de "liberdade corporal", ainda que outros direitos, como o voto ou a liberdade de religião, estejam fora de cogitação.
Citando depoimentos de nove especialistas em chimpanzés, Wise disse que a ciência recente tem mostrado que os chimpanzés e outros grandes primatas não são movidos unicamente pelo instinto, mas podem fazer planos e agir de forma a moldar seu futuro. Eles são conscientes de si mesmos, ele argumentou, possuindo não só uma compreensão da passagem do tempo, mas também habilidades linguísticas e matemáticas. "Estes animais são de fato seres autônomos e capazes de autodeterminação individual [ou seja, de ter comportamentos intencionais em relação a seu futuro]", disse ele.
Mas Christopher Coulston, procurador-geral assistente que representa a universidade, contra-argumentou que animais como os chimpanzés não podem desfrutar dos mesmos direitos que os seres humanos porque não podem cumprir outros deveres que são exigidos pelas leis humanas.
"Eles não podem arcar com a responsabilidade moral em nossa sociedade, e os direitos e deveres correlacionados não fazem sentido para os chimpanzés", disse ele. "Eles simplesmente não estão equipados da mesma forma que os seres humanos para serem membros da sociedade."
Coulston também alertou que conceder o direito de liberdade corporal aos chimpanzés, com base em suas capacidades cognitivas, abriria precedentes para discutir direitos semelhantes para outros animais, desde o gado até animais de estimação. "Isso abriria totalmente as comportas para uma possível inundação", disse ele.
Além das petições para Hércules e Leo, o Projeto Direitos Não-Humanos entrou com pedidos de habeas corpus em Nova York em prol de dois outros chimpanzés cativos: Tommy, de propriedade de um casal em Gloversville, cerca de 80 quilômetros a noroeste de Albany, e Kiko, alojado no Santuário de Primatas de Niagara Falls. O grupo está tentando transferir os chimpanzés para um santuário no sul da Flórida, onde viveriam em uma ilha de 2 hectares, com outros 25 a 30 chimpanzés.
O grupo de Wise não tenta esconder seu objetivo de usar os processos como casos pioneiros para promover uma nova teoria jurídica de que alguns animais – entre eles os grandes primatas, golfinhos e elefantes – compartilham características suficientes com seres humanos a ponto de serem considerados pessoas de acordo com a lei e, desse forma, não poderem ser mantidos em cativeiro.
Tribunais inferiores nos condados de Fulton, Niagara e Suffolk, em Nova York, rejeitaram os argumentos de Wise, e as decisões foram sustentadas por tribunais de apelação. A decisão mais abrangente aconteceu em dezembro, quando um tribunal de apelações com cinco integrantes em Albany se pronunciou contra a tentativa do grupo de libertar Tommy, o chimpanzé de Gloversville.
O painel de juízes observou que "os animais nunca foram considerados pessoas para efeitos de habeas corpus" e disse que os chimpanzés não eram capazes de viver à altura "dos direitos e deveres jurídicos ligados à condição de pessoa".
Persistente, Wise recorreu das decisões nos dois casos junto ao mais alto tribunal do estado.
A decisão do condado de Suffolk tratou de Hércules e Leo. Durante a audiência de quarta-feira, Coulston acusou o grupo de Wise de estar "caçando tribunais" e pediu a Jaffe para recusar a moção porque a questão já tinha sido decidida.
Mas Wise respondeu que os pedidos de habeas corpus são uma das poucas ações legais que podem ser levadas a qualquer juiz do Estado e podem ser apresentadas várias vezes. Ele ressaltou que esses processos foram usados amplamente no século 19 para lutar contra a escravidão humana e com frequência eram apresentados por abolicionistas em prol de escravos que não conheciam.
Coulston também argumentou que, mesmo que o juiz decida que os chimpanzés podem ser considerados pessoas nos termos da lei, transferir Hércules e Leo do cativeiro em Stony Brook para um tipo diferente de cativeiro na Flórida não resolveria nada: eles ainda estariam privados de liberdade. "A transferência de uma instalação para outra nunca é uma solução adequada para o habeas corpus", disse ele.
Além disso, Coulston afirmou que não cabe a um tribunal decidir se os animais têm direito a um mandado de habeas corpus, dizendo que Jaffe deveria deixar que o Legislativo defina o conceito de pessoa nesse caso.
Jaffe deu poucas pistas sobre como deve decidir o caso. Ela questionou Wise sobre por que não deveria seguir as decisões dos tribunais de apelação nos outros dois casos.
Mas ela também disse a Coulston que há séculos os juízes da Inglaterra e dos Estados Unidos vêm interpretando de forma ampla as leis que regem o habeas corpus, às vezes chamado de "mandado maior" nos EUA, e ampliaram o conceito para se adaptar à mudança dos tempos.
"Não compete à Justiça pelo menos considerar se uma classe de seres deve ter o direito ou algo parecido com o direito garantido pela lei do habeas corpus?", ela perguntou.
Tradutora: Eloise De Vylder
Para 'herdeira' da Guerra do Vietnã, preservar a história é manter o trauma
Para os laociano-americanos da minha geração, os traumas psíquicos de nossos pais estão entrelaçados em nosso DNA
Mai Der Vang - TINYT
Na manhã de 14 de maio de 1975, em um vale de rochas calcárias, cavernas e sumidouros, o fim se aproximava. Os pertences descartados por aqueles que tinham fugido estavam por toda parte: malas, sapatos, blusas amassadas. Tratava-se de Long Tieng, uma base aérea secreta estabelecida pela Agência Central de Inteligência para liderar operações clandestinas no Laos durante a Guerra do Vietnã.
Naquela manhã, assim como nos dias anteriores, milhares de civis hmong invadiram a pista de terra, esperando uma chance milagrosa de entrar em um avião de carga e fugir em tempo. Alguns agarraram-se ao avião enquanto o piloto tentava taxiar, e só soltaram depois que o motor rugiu. Enquanto isso, no complexo deserto da CIA, os rádios nem tinham sido desligados e as máquinas ainda estavam funcionando. O Vietnã já tinha caído para os comunistas e o Laos seria o próximo.
Durante a Guerra do Vietnã, os negociadores em Genebra concordaram que o Laos permaneceria neutro. Mas como os Estados Unidos temiam a disseminação do comunismo, a CIA dirigiu uma operação secreta no Laos conhecida como Guerra Secreta. Ela recrutou Vang Pao, um general carismático e bastante respeitado, junto com dezenas de milhares de homens e meninos hmong como combatentes. Durante uma década e meia, o general Vang Pao e seus guerrilheiros hmong lutaram ao lado dos norte-americanos.
Naquela manhã caótica, a Guerra Secreta terminou de forma chocante. Depois de uma extração rápida, seguida por décadas de exílio, o general Vang Pao, que morreu em 2011, nunca mais viu sua terra natal. Muitos de seus altos oficiais tinham sido retirados em voos anteriores, mas milhares de pessoas foram abandonadas na pista de voo, e um número maior ainda foi deixado para trás por todo o Laos. Long Tieng, antes um reduto simbólico da ocupação norte-americana, estava agora em ruínas.
Este mês marca 40 anos desde a queda de Long Tieng e o início do êxodo dos hmong do Laos. Marca a deserção de um povo que foi abandonado à própria sorte, sem nada para reconstruir suas vidas. Marca a traição do governo dos Estados Unidos, que entrou num país desconhecido, travou uma guerra durante anos, e depois abandonou tudo de uma hora para outra. Marca uma paisagem devastada por conflitos, com aviões de guerra norte-americanos derrubando uma quantidade de munição equivalente a um avião carregado de bombas a cada oito minutos, 24 horas por dia, durante nove anos no Laos, de acordo com a Legacies of War, uma organização que trabalha para conscientizar as pessoas sobre munição não detonada.
A retirada do general Vang Pao do Laos levou dezenas de milhares de pessoas a fugirem. Meus pais fugiram com suas famílias a pé, caminhando durante dias em direção à Tailândia, assolados pela fome e doenças. Nem todos sobreviveram. Uma das tias mais velhas de meu pai estava carregando uma arma para alguém. Quando os refugiados encontraram tropas comunistas, os soldados imediatamente concluíram que ela era uma guerrilheira hmong porque carregava uma arma. Eles a mataram ali mesmo e deixaram seu corpo ao longo da estrada.
O governo dos EUA não tinha previsto que os refugiados inundariam a Tailândia em busca de asilo. Quando os norte-americanos inicialmente recrutaram os hmong, supostamente concordaram em ajudar caso a guerra se tornasse desastrosa. Essa promessa foi cumprida em relação ao general Vang Pao e seus altos oficiais, mas não em relação ao restante das pessoas. Só depois de anos vivendo em acampamentos ilegais, junto com a pressão do governo tailandês, os Estados Unidos concordaram em reassentar os hmong.
Como um hmong norte-americano, sinto os tremores de guerra transferidos de geração em geração. Eu sei agora que, embora uma pessoa possa fugir de um país devastado pela guerra, ela jamais pode fugir do trauma. Às vezes, vejo meu pai sentado sozinho na sala, assistindo a vídeos da guerra, talvez numa tentativa de lembrar o que poderia ter sido. Minha mãe, por sua vez, não pode suportar o ruído de fogos de artifício no 4 de julho porque eles reavivam memórias de morteiros explodindo.
Hoje, a maioria dos norte-americanos não sabe nada sobre a Guerra Secreta. Os funcionários da CIA concluíram a operação confidencial quando tudo deu errado. Foi uma guerra descartável, destinada a parecer que nunca tinha acontecido. Mas a presença dos hmong nos Estados Unidos, hoje mais de 260 mil pessoas, concentrados na Califórnia e Minnesota, é uma prova viva dos resultados.
A guerra e as suas consequências hoje estão incrustadas em minha identidade. Sou uma filha da diáspora, nascida no ano que meus pais começaram uma nova vida nos Estados Unidos, simbolizando há quanto tempo eles deixaram o Laos.
Eu me pergunto: como alguém rememora uma guerra fracassada que a maioria das pessoas não conhece ou prefere esquecer? Como minha geração pode tentar preservar as memórias daquela guerra para que as futuras gerações saibam dela? O que acontece quando nos adaptarmos totalmente à cultura norte-americana e perdemos a narrativa de quem somos? Mesmo agora, faço mais perguntas do que tenho respostas. Mas eu sei que muitos de nós estamos ligados de forma inata a este trauma, como se ele estivesse entrelaçado em nosso DNA.
Para os hmong, preservar a história e a identidade significa também preservar o trauma e a perda. Eu carrego as aflições desta guerra, embora nunca tenha ouvido uma bomba explodir ou temido que meus passos pudessem detonar uma mina. Esta guerra é minha herança.
Mas também acredito que devemos criar uma nova narrativa, uma que não só acolha o trauma, mas construa algo a partir dele. Devemos ressignificar os destroços para que sirvam como um lembrete de quem somos, enquanto reconhecemos o que os mais velhos suportaram.
Faz 40 anos que o general Vang Pao fugiu naquele 14 de maio, olhando para as montanhas do Laos pela última vez. Quarenta anos desde que o último avião norte-americano partiu e deixou para trás um povo devastado pela guerra, uma terra assolada por munições não detonadas e uma Long Tieng abandonada. Ao olharmos para o futuro, para além da perda de nossa terra natal, precisamos construir uma fortaleza de identidade hmong que possa suportar os efeitos do exílio e da diáspora; uma que não se lamente pelo que poderia ter sido, mas, em vez disso, transforme o trauma naquilo que podemos ser plenamente.
Tradução: Eloise De Vylder

Queda de Saigon marcou fim da Guerra do Vietnã há 40 anos
10.abr.1975 - Soldado do Vietnã do Sul faz gesto enquanto corre por estrada em Tan An durante batalha, nos momentos finais da Guerra do Vietnã; há 40 anos, em 30 de abril de 1975, o Vietnã do Sul perdia o controle de Saigon, hoje chamada de Ho Chi Minh, levando ao fim da guerra  Lien/AP
40 anos após guerra, Vietnã ainda sofre efeitos do agente laranja
Entre os anos de 1962 e 1971, o Exército americano espalhou no Vietnã milhões de litros de herbicidas como o agente laranja, fabricado pela multinacional Monsanto, contaminando alimentos e água e deixando pessoas doentes ao longo de três gerações. Segundo a Associação Vietnamita de Vítimas do Agente Laranja/Dioxina (VAVA), 4,8 milhões de pessoas foram expostas ao herbicida e mais de 3 milhões sofrem seus efeitos. A guerra terminou em 30 de abril de 1975 Reprodução/Wikicom
Demanda de proteína em pó cresce em meio à rotina acelerada do Vale do Silício
Brian X. Chen - NYT
Peter Earl McCollough/The New York TimesPulak "Potluck" Mittal, um engenheiro de software de 23 anos de idade, prepara um Soylent V1.3 Pulak "Potluck" Mittal, um engenheiro de software de 23 anos de idade, prepara um Soylent V1.3
Toda noite, o desenvolvedor de software Aaron Melocik segue uma rotina alimentar precisa. Ele mistura dois litros d'água, três colheres e meia de sopa de óleo de macadâmia e um saco de 500 gramas de um pó chamado Schmoylent. Depois, ele derrama a bebida bege em garrafas e a deixa resfriando antes de levar os recipientes para o trabalho no dia seguinte na Metrodigi, uma startup de tecnologia para educação.
No escritório, Melocik guarda uma garrafa de Schmoylent na geladeira e leva a outra para sua mesa. Das 6h30 até as 15h30, ele toma a primeira garrafa como café da manhã, e a segunda no lugar do almoço. Ele consome cerca de 500 gramas de Schmoylent por dia para poder se concentrar no trabalho em vez de parar para comer alguma coisa.
"Isso simplesmente tira a comida da minha equação da manhã até mais ou menos as 19h", disse Melocik, 34, que vem seguindo essa dieta "tecnológica" desde fevereiro.
Tempos de expansão no Vale do Silício pedem trabalho duro, e o trabalho duro --pelo menos na terra da tecnologia-- significa que programadores, engenheiros e investidores estão adotando refeições líquidas com nomes como Schmoylent, Soylent, Schmilk e People Chow. Os produtos cheios de proteína que vêm em forma de pó são baratos, rápidos e fáceis de preparar-- basta misturar com água, ou no caso do Schmilk, com leite. Embora atletas e pessoas que fazem dieta já consumam jantares líquidos há anos, os funcionários do Vale do Silício estão cada vez mais sorvendo suas refeições para que possam voltar mais rápido ao trabalho no computador.
A demanda por algumas dessas bebidas em pó, que normalmente misturam nutrientes como magnésio, zinco e vitaminas, é tão grande que alguns engenheiros dizem estar em listas de espera que vão de um a seis meses para receber seus primeiros pedidos. E as bebidas estão decolando em todos os círculos sociais de tecnologia. Os investidores de risco também colocaram dinheiro nas empresas que fornecem esses substitutos de refeição, e alguns, como Alexis Ohanian, um dos fundadores do Reddit, estão entre os adeptos das bebidas.
"Meu sonho, num mundo ideal, seria pegar uma bebida já pronta no aeroporto, pré-preparada, nos refrigeradores", diz Ohanian, que investiu na Soylent e trata a bebida como uma refeição alternativa.
O empresário, que costuma viajar de avião entre Nova York e San Francisco a trabalho, diz que bate uma quantidade de Soylent e bebe durante o dia todo quando tem preguiça de preparar algo para comer.
Em março, a empresa de capital de risco Andreessen Horowitz serviu martinis de Soylent e Soylent Whites em um coquetel na conferência South by Southwest em Austin, Texas. Alguns funcionários da empresa, que investiu na Soylent, passaram até por uma desintoxicação com Soylent, tomando somente o líquido durante vários dias, disse Chris Dixon, sócio da Andreessen Horowitz. Ele disse que não fez isso.
Outros programadores estão adaptando os substitutos de refeição para ocasiões sociais.
Recentemente, num sábado à noite, em seu apartamento com móveis da Ikea no bairro Haight, em San Francisco, Pulak "Potluck" Mittal, um engenheiro de software de 23 anos de idade, preparou um jantar para meia dúzia de amigos de tecnologia. No cardápio havia noodles pad thai e um acompanhamento de Soylent.
Um convidado, Dan Carroll, fundador da startup de tecnologia da educação Clever, elogiou Mittal por misturar pasta de amendoim em uma bebida com cor de aveia para acompanhar o pad thai.
"Foi muito bem pensado, isso de você realmente adaptar a experiência do Soylent à comida", disse Carroll.
O crescimento dos substitutos de refeição espelha a efervescência das startups do Vale do Silício  --e inclui uma dose de confiança. Os fabricantes das novas bebidas dizem que seus produtos são melhores do que os pós que estão no mercado há anos, porque estes últimos tendem a ter muito açúcar e superestimar o uso da proteína. Por outro lado, o Soylent e o Schmoylent são misturas de nutrientes que permitem que alguém consuma apenas essas refeições e tenha uma vida saudável, segundo eles.
O Soylent, o Schmilk e alguns outros normalmente têm um sabor de massa de panqueca granulosa e sem gosto. Mas isso não importa, porque os substitutos de refeição poupam tempo e dinheiro aos profissionais de tecnologia. Enquanto uma refeição costuma custar mais de US$ 50 nos restaurantes da região do Vale do Silício, uma semana de Soylent ou Schmoylent totaliza US$ 85.
Alexandros Kostibas, um dos fundadores da Habit Monster, uma startup de software de San Francisco que quase foi à falência recentemente por causa dos custos altos, disse que recebe menos do que paga a seus empregados, e bebe Soylent em parte porque é mais econômico do que comer fora. Ele disse que o jantar congelado já era uma opção, mas que o Soylent é uma alternativa mais saudável e mais rápida.
"Acho que os engenheiros estão prontos para abandonar essa ilusão de que temos jantares de família", disse. "Vamos acabar com toda essa fachada de marketing e ingerir as calorias o mais rápido que pudermos."
O tempo perdido comendo é, no jargão do Vale do Silício, um "ponto fraco" até mesmo para o alto escalão da tecnologia.
Elon Musk, fundador da Tesla, disse uma vez: "Se existisse uma forma de eu não comer para poder trabalhar mais, eu não comeria. Eu gostaria que existisse uma forma de consumir nutrientes sem ter de sentar para comer", de acordo com um novo livro sobre o empreendedor, escrito por Ashlee Vance. Musk não respondeu à reportagem se ele tinha experimentado Schmilk ou Soylent.
Quando Mittal começou a trabalhar na Clever este ano, a empresa o apresentou aos colegas por e-mail, dizendo que ele era um ávido consumidor de Soylent. Logo depois, disse Mittal, alguns colegas de trabalho o abordaram para pedir para experimentar um pouco.
"Tenho sido uma espécie de traficante de Soylent para vários colegas de trabalho", disse Mittal. Mas o Soylent, Schmilk e Schmoylent são gostos adquiridos. Mittal disse que muitos de seus colegas não acabam viciados em Soylent. Os poucos que ainda estão bebendo não estão muito entusiasmados.
"Estou ficando enjoado do gosto", disse Dan Sparks, engenheiro da Clever, para Mittal em uma mensagem eletrônica recente. "Estou pensando em começar a acrescentar sabor."
Tradutor: Eloise De Vylder 
Sucesso da próxima conferência do clima está na ajuda entre países
Kevin Rudd - NYT
Terry W. Virts/NasaÍndia será um dos estados mais atingidos pelas mudanças climáticas, com aumento das inundações costeiras e derretimento das geleiras do Himalaia Índia será um dos estados mais atingidos pelas mudanças climáticas, com aumento das inundações costeiras e derretimento das geleiras do Himalaia
Como ex-primeiro ministro da Austrália, eu entendo alguma coisa dos custos políticos que os líderes devem assumir se quiserem conciliar os interesses de longo prazo do planeta com os interesses nacionais de curto prazo.
Depois de participar da cúpula de Copenhague sobre as mudanças climáticas em 2009, fui acusado em meu país tanto por fazer demais quanto muito pouco para chegar a um acordo global.
Todos nós fracassamos em Copenhague, embora não por falta de esforço de muitos de nós. A conferência da ONU em Paris em dezembro será a próxima oportunidade para que os líderes das maiores economias do mundo mostrem uma liderança verdadeira no drama em câmera lenta que é a mudança climática antropogênica.
Os Estados Unidos e a China, os maiores poluidores do mundo, começaram a combater as mudanças climáticas juntos quando anunciaram um acordo, em novembro passado, para reduzir as emissões de carbono. Os Estados Unidos prometeram dobrar a velocidade na qual reduzirão as emissões de carbono, com uma meta de redução de 26% a 28% até 2025 a partir dos níveis de 2005, enquanto a China se comprometeu a atingir o pico de emissões por volta de 2030.
Enquanto isso, a Índia e a China lançaram uma declaração conjunta sobre as mudanças climáticas no início deste mês, que incluiu a promessa de apresentar planos sobre suas próprias metas de carbono antes da conferência de Paris.
Cinco anos atrás, essas declarações conjuntas dos Estados Unidos, China e Índia eram vistas como inconcebíveis. Agora, a ciência do clima as torna inevitáveis.
A realidade matemática é que esses três países –- Estados Unidos, China e Índia –- junto com a União Europeia, irão, em grande parte, moldar o futuro do planeta.
Entre 1850 e 2012, os Estados Unidos e a Europa produziram 45% dos gases de efeito estufa que estão atualmente na atmosfera, em comparação com 18% da China e da Índia, de acordo com a organização sem fins lucrativos Climate Analytics. Com base nas práticas atuais, a previsão é de que em 2020 só a China produzirá 24% das emissões globais de gases de efeito estufa; a Índia, 7%; os Estados Unidos, 13%; e a União Europeia, 8%. A ação da China e da Índia em relação às mudanças climáticas é crítica neste momento.
Mas a China e a Índia temem que uma ação radical em relação às emissões de gases de efeito estufa reduza significativamente o crescimento econômico num momento em que a diminuição da pobreza continua sendo prioridade nacional. Nós, no Ocidente, não podemos simplesmente ignorar esse problema como se não fosse nosso também.
A Índia será um dos estados mais atingidos pelas mudanças climáticas, com aumento das inundações costeiras e derretimento das geleiras do Himalaia. O aumento das temperaturas globais tornará a segurança hídrica um problema ainda maior nas relações entre Índia e Paquistão. William Cline, membro sênior do Instituto Peterson para a Economia Internacional, estimou que um aumento modesto na temperatura média global reduzirá a produção agrícola na Índia em 38%.
A China também tem muito a perder. No início deste ano, o chefe do Serviço Nacional de Meteorologia da China alertou que a mudança climática terá "impactos imensos" sobre o país, entre eles redução das safras, danos ecológicos e fluxos instáveis dos rios. Um relatório de 2011 do governo previu uma queda de 5% a 20% na produção de grãos por conta das mudanças climáticas até 2050. Independentemente da crise, a liderança chinesa já enfrenta níveis insustentáveis de poluição do ar nas grandes cidades do país.
Embora as emissões totais dos Estados Unidos sejam agora consideravelmente menores do que as da China, as emissões norte-americanas per capita são três vezes maiores do que as da China e dez vezes as da Índia. Se os Estados Unidos quiserem convencer a China e a Índia a adotar um caminho de desenvolvimento de baixo carbono, devem se esforçar com determinação para reduzir as emissões de carbono de sua própria economia, tornando-se mais eficientes energeticamente e adotando fontes de energia de baixo carbono. O gás de xisto faz parte desta equação. O sucesso em dezembro em Paris exigirá uma abordagem em três partes.
Em primeiro lugar, os Estados Unidos e a China precisam aumentar rapidamente a colaboração quanto às mudanças climáticas, tanto dentro como fora do âmbito da conferência de Paris. Isto significa uma ação conjunta dos órgãos reguladores ambientais e energéticos, e o estabelecimento eficaz de preços para a compra de créditos de carbono por parte dos grandes poluidores e para o valor da energia pago pelos consumidores. Os investimentos de larga escala necessários em energia renovável, energias de baixo carbono, eficiência energética e inovação tecnológica só acontecerão se houver sinais de regulação e preços significativos sustentados pelo governo, juntamente com inovações no mercado. A crise de poluição do ar na China deve ser o foco central do esforço político, regulatório e tecnológico bilateral –- inclusive porque afeta a todos nós.
Em segundo lugar, uma colaboração trilateral eficaz entre os Estados Unidos, China e Índia é fundamental. Embora a Índia tenha emitido menos em termos relativos até agora, ela passará a população da China na próxima década, e mal começou sua própria revolução industrial. Déli já tem níveis de poluição atmosférica comparáveis a Pequim. O mesmo tipo de colaboração em mudança climática na regulação, preços, tecnologia e investimento é necessário nesta relação triangular. Neste contexto, não podemos ignorar o fato de que o carvão, na ausência de uma mudança tecnológica significativa, provavelmente continuará sendo o principal combustível para geração de energia na China e na Índia até meados do século. O investimento deve continuar focado em tecnologias de carvão limpo e de conversão para o gás de xisto.
Em terceiro lugar, qualquer acordo de mudança climática em Paris deve garantir que os países realmente implementem os cortes de emissões a que se comprometerem. O acordo final deve estabelecer um mecanismo regular de revisão, a transparência total das informações e a possibilidade de acrescentar novas medidas de ação contra as mudanças climáticas ao acordo de Paris conforme for necessário. Grande parte do mundo parece ignorar a lei internacional do tratado, mas responde às ações ambientais concretas baseadas nessa lei.
Chegar a um acordo em Paris exigirá uma liderança corajosa. A população mundial, especialmente os jovens, espera cada vez mais que os líderes dessas grandes potências protejam o planeta antes que seja tarde demais para todos nós.
Tradutor: Eloise De Vylder 
Relaxe, o Exterminador ainda está bem longe
John Markoff - NYT
AP/Carolyn Kaster
"Não entendo por que algumas pessoas não estão preocupadas", disse Bill Gates "Não entendo por que algumas pessoas não estão preocupadas", disse Bill Gates
Em filmes de ficção científica como "Ex Machina" e "Chappie", os robôs se movem com uma destreza impressionante –-e com frequência maligna. Eles parecem confirmar os piores medos de importantes cientistas e especialistas em tecnologia como Elon Musk, Stephen Hawking e Bill Gates, que recentemente alertaram para o possível surgimento de máquinas conscientes de si mesmas, prontas para fazer mal à espécie humana.
"Não entendo por que algumas pessoas não estão preocupadas", disse Gates em uma entrevista no Reddit.
"Acho que devemos ser muito cautelosos com a inteligência artificial", disse Musk durante uma entrevista no MIT. "Se eu tivesse que opinar sobre qual é a maior ameaça à nossa existência, seria provavelmente esta", acrescentou. Ele também disse que a inteligência artificial vai "invocar o demônio".
E Hawking disse à BBC que "o desenvolvimento total da inteligência artificial pode significar o fim da espécie humana."
Não tão rápido. No mês que vem, a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (Darpa, na sigla em inglês), um braço de pesquisa do Pentágono, realizará a etapa final da competição de seu Desafio de Robótica, em Pomona, Califórnia. Com US$ 2 milhões em prêmios em dinheiro para o robô que apresentar o melhor desempenho em uma série de tarefas orientadas para o resgate em menos de uma hora, o evento oferecerá o que os engenheiros chamam de "ground truth" [a verdade absoluta] –-um teste de realidade do estado da arte no campo da robótica móvel.
Uma prévia do trabalho deles sugere que ninguém precisa se preocupar com um Exterminador criando o caos num futuro próximo. Com um ano e meio para melhorar suas máquinas, os especialistas em robótica, que compartilharam detalhes sobre seu trabalho em entrevistas antes do concurso que acontece em junho, parecem ter feito um progresso limitado.
No concurso anterior, em dezembro de 2013 na Flórida, os robôs, que eram protegidos das quedas por cordas, eram extremamente lentos para realizar tarefas como abrir portas e entrar em salas, limpar entulho, subir escadas e dirigir numa pista com obstáculos. (Os robôs tiveram de ser colocados nos veículos por pessoas.)
Os repórteres que cobriram o evento recorreram a analogias como "assistir à tinta secar" ou "assistir à grama crescer".
Este ano, os robôs terão uma hora para completar um conjunto de oito tarefas que provavelmente levam menos de dez minutos para serem realizadas por um ser humano. E os robôs tendem a falhar em muitas. Desta vez, eles vão competir sem cabos, por isso algumas quedas podem ser inevitáveis. E eles ainda vão precisar de ajuda para subir no banco do motorista de um veículo de resgate.
Vinte e cinco equipes devem participar da competição. A maioria dos robôs tem duas pernas, mas muitos têm quatro pernas, vários têm rodas, e um "transformer" foi projetado para andar sobre duas ou quatro pernas. Esse robô, chamado Chimp por seus projetistas da Universidade Carnegie Mellon, pesa 200 quilos.
Nenhum dos robôs será autônomo. Operadores humanos guiarão as máquinas através de redes sem fio que podem atrasar um pouco o fluxo dos dados, para simular a intermitência das comunicações durante uma crise. Isto dará uma vantagem para máquinas que podem agir de forma semiautônoma, caminhando automaticamente em terrenos irregulares ou pegando e girando uma maçaneta para abrir uma porta, por exemplo. Mas as máquinas continuarão em grande parte impotentes sem seus supervisores humanos.
"A coisa mais extraordinária que tem acontecido nos últimos cinco anos é que parece que fizemos um progresso extraordinário na percepção das máquinas", disse Gill Pratt, gerente do programa Darpa encarregado do Desafio de Robótica.
Hardwares e softwares de reconhecimento de padrões possibilitaram que os computadores fizessem um progresso excepcional na visão computadorizada e na compreensão da fala. Por outro lado, diz Pratt, pouco progresso foi feito em termos de "cognição", ou seja, nos processos de alto nível, similares aos humanos, necessários para que os robôs planejem e ganhem verdadeira autonomia. Como resultado, tanto no Concurso Darpa quanto no campo da robótica no geral, voltou-se a enfatizar a ideia de parcerias homem-máquina.
"É extremamente importante lembrar que o Desafio de Robótica Darpa diz respeito a uma equipe de seres humanos e máquinas trabalhando juntos", disse ele. "Sem a pessoa, essas máquinas mal poderiam fazer qualquer coisa."
Há décadas, pesquisadores de inteligência artificial vêm observando que as tarefas mais simples para os seres humanos, como procurar uma moeda no bolso, são as mais desafiadoras para as máquinas.
"A ideia intuitiva é que quanto mais dinheiro você gastar em um robô, mais autonomia você vai conseguir colocar nele", diz Rodney Brooks, especialista em robótica do MIT e cofundador de duas empresas pioneiras no campo, iRobot e Rethink Robotics. "A verdade é o contrário disso: "quanto mais barato o robô, mais autonomia ele tem".
Por exemplo, o robô Roomba da iRobot é autônomo, mas a tarefa de aspirar que ele executa ao vagar pelos cômodos é extremamente simples. Em contrapartida, o Packbot da empresa, projetado para desarmar bombas, é mais caro e deve ser operado à distância ou controlado via wireless por seres humanos.
O primeiro desafio Darpa, há mais de uma década, teve um grande efeito sobre a percepção dos robôs. E também ajudou a incitar um interesse maior pelos setores de inteligência artificial e robótica.
Durante o primeiro desafio Darpa em 2004, nenhum dos veículos robóticos foi capaz de completar mais de 11 dos 240 quilômetros do percurso. No entanto, durante o desafio de 2005, um prêmio de US$ 2 milhões foi reivindicado por um grupo de pesquisadores de inteligência artificial da Universidade de Stanford cujo veículo derrotou um concorrente da Carnegie Mellon em uma disputa apertada.
O concurso fez com que o Google decidisse começar um projeto de um carro autoguiado, que por sua vez estimulou a indústria automotiva a investir em peso na tecnologia de veículos autônomos.
Desenvolver um carro para dirigir numa estrada sem obstáculos foi uma tarefa muito mais simples do que o atual Desafio de Robótica Darpa, que exige que os robôs dirijam e, enquanto estão andando, contornem obstáculos, removam escombros, usem a visão, peguem as coisas com destreza e realizem tarefas com ferramentas.
"Nós tivemos uma tarefa relativamente fácil", disse Sebastian Thrun, especialista em robótica que liderou a equipe de Stanford em 2005 e depois começou o projeto de carro autoguiado do Google. "Hoje eles estão fazendo coisas mais difíceis."
Tradutor: Eloise De Vylder           
Escândalo de tortura abala polícia alemã
Jörg Diehl, Michael Fröhlingsdorf, Jasper Ruppert, Andreas Ulrich e Wolf Wiedmann-Schmidt - Der Spiegel
Ronny Hartmann/AFPPedestres em frente à delegacia da Polícia Federal na estação central de Hanover Pedestres em frente à delegacia da Polícia Federal na estação central de Hanover
Em seu tempo livre, Torsten S. se dedicava a atividades tipicamente rurais em seu vilarejo perto de Hanover: pescar, criar galinhas, cortar lenha, acelerar seu jipe no meio da lama. Mas se as acusações contra ele forem comprovadas, o sargento da polícia tinha um outro lado, mais sombrio, que se manifestava no trabalho. Há vários dias, o homem de 39 anos tem sido a peça principal de um caso que pode abalar a confiança dos alemães em sua força policial.
"Eu arrebentei a cara dele."
"Ele gritou como um porco."
"Daí o bastardo comeu o resto da carne de porco podre da geladeira. Direto do chão."
Estas e outras frases semelhantes foram supostamente enviadas por Thorsten S. a colegas através do serviço de mensagens WhatsApp, enquanto ele se gabava da forma como havia tratado dois homens, um afegão e um marroquino, na delegacia de polícia. A emissora pública alemã Norddeutscher Rundfunk foi a primeira a divulgar as mensagens, juntamente com uma foto de uma das supostas vítimas deitada no chão, com as mãos amarradas, o rosto obviamente contorcido de dor.
A Anistia Internacional descreveu como tortura o que aconteceu na delegacia, que fica na principal estação ferroviária de Hanover. Parece uma coisa que poderia acontecer em Abu Ghraib –- não no Estado da Baixa Saxônia, no norte da Alemanha, não em um departamento oficial da polícia alemã em 2015.
O incidente foi revelado por dois colegas de Thorsten S. na Inspetoria da Polícia Federal em Hanover. Por meio de um advogado, eles entraram com uma queixa no Ministério Público em 7 de maio. Seis dias depois, o tribunal local aprovou um mandado de busca à casa do sargento. Entre os motivos, estava a suspeita de que ele tinha cometido lesão corporal enquanto estava em serviço.

Outro incidente

O mandado, no entanto, menciona outros incidentes além do suposto abuso aos imigrantes na delegacia de polícia em março e setembro de 2014. Em agosto de 2013, Torsten S. teria colocado seu pênis sobre o ombro de um outro policial e ordenado que ele o pusesse na boca, enquanto apontava sua arma de serviço para a cabeça do colega. O juiz incumbido da investigação descreveu isso como uma possível tentativa de estupro. Torsten S. disse à Spiegel que as acusações contra ele são "exageradas", mas recusou-se a falar mais, a conselho de seu advogado.
Ainda não está claro por que levou tanto tempo para que as acusações viessem à tona e por que seus colegas guardaram silêncio por tantos meses.
Membros do sindicato da polícia tentaram abafar espontaneamente a discussão sobre essas questões: as acusações são graves e precisam ser investigadas, dizem eles, mas insistem que o caso é único. Infelizmente, dizem, existem ovelhas negras em todos os lugares.
Mas este caso não será resolvido tão facilmente. Fontes nos círculos policiais dizem que há muito se sabe que a unidade de polícia de Hanover à qual Thorsten S. pertence já teve problemas sérios. Os agentes da polícia relataram problemas para o supervisor da delegacia, que por sua vez procurou a sede da Polícia Federal em Hanover, disseram fontes policiais. O supervisor da delegacia pediu que uma equipe de investigação fosse criada para investigar os acontecimentos na delegacia da estação ferroviária. Seus próprios homens, disse ele, de acordo com as fontes policiais, não se sentiram à altura da tarefa. Por mais de meio ano, houve relatos de que "estavam acontecendo coisas erradas" na estação.
Mas nada foi feito, dizem as fontes.
Na manhã de terça-feira, o ministro do Interior, Thomas de Maizière, membro dos Democratas Cristãos da chanceler Angela Merkel, chamou o diretor da Polícia Federal, Dieter Romann, ao Ministério do Interior. Depois, Romann foi diretamente a Hanover, onde visitou a delegacia de polícia onde os ataques teriam acontecido. Romann disse aos policiais que espera que a questão seja completamente resolvida. Ele disse que a investigação também vai identificar aqueles que observaram alguma coisa mas não disseram nada. Aqueles que fizeram vista grossa também são culpados, disse ele.
Na quarta-feira, Romann se pronunciou sobre as acusações diante da Comissão de Assuntos Internos do Parlamento alemão. Além de reconhecer a perversidade das acusações, ele também expressou seu descontentamento com os dois policiais que só se manifestaram muitos meses depois que o abuso supostamente aconteceu. E com o fato de as acusações terem ido parar na mídia quase ao mesmo tempo.

Dúvidas quanto aos testemunhos

Líderes da Polícia Federal alemã não têm tanta certeza de que existam apenas intenções nobres em jogo, disse ele. Supostamente, os dois oficiais que estão no centro do caso eram amigos antes de brigar por causa de avaliações de desempenho. Se suas acusações contra Thorsten S. vierem a ser falsas, os dois queixosos podem ter de responder judicialmente. Mesmo que tudo o que alegam seja verdade, eles podem ter problemas por terem permanecido em silêncio e não intervir.
Em interrogatórios realizados pelo Ministério Público em Hanover, os dois oficiais se mantiveram fiéis à sua história original. Mas os investigadores estão céticos quanto a esclarecer completamente as acusações -– o que depende, em grande parte, de encontrar as supostas vítimas ou mais testemunhas. Uma equipe composta de oito oficiais foi formada para dar prosseguimento à investigação.
"A imagem da polícia federal já foi enormemente prejudicada", diz Frank Tempel, membro do Partido de Esquerda no Parlamento alemão. Antes de entrar para a política, Tempel trabalhou como policial e seu partido está defendendo a criação de um cargo de representante independente da polícia, a quem os oficiais possam recorrer imediatamente sem serem tachados de traidores.
Irene Mihalic, do Partido Verde, que também foi treinada na polícia, concorda, dizendo que "apenas um cargo independente fora da hierarquia da polícia pode resultar num monitoramento real".

Projetando uma imagem de durão

De acordo com o criminologista Rafael Behr, de Hamburgo, que estuda a cultura das unidades policiais há cerca de 20 anos, o clima em muitos departamentos de polícia favorece os segredos. As unidades criaram a noção de que os destinos dos policiais estão entrelaçados, que eles estão constantemente sob a ameaça de criminosos, bêbados e de um mundo exterior hostil. Ele diz que a regra, mesmo que um oficial ultrapasse os limites, é de que os policiais permaneçam unidos.
Este, diz ele, é um dos motivos pelo qual apenas uma fração das cerca de duas mil investigações contra a polícia por casos de violência vá parar nos tribunais a cada ano. "Você não abre a boca sobre um colega, esta é a regra de ouro", diz Behr.
Força, hombridade, solidariedade –- são estes os valores que contam neste mundo. Thorsten S. se retratava como um policial durão: ele levantava pesos e mostrava seus músculos nas mídias sociais. Internamente, ele era considerado um problema já havia algum tempo. Seu consumo excessivo de álcool causou polêmica anos atrás e mais recentemente ele foi alvo de um procedimento disciplinar depois de um suposto caso sexual com um colega no bloco de celas da delegacia de polícia da estação ferroviária.
Mas ele ainda não havia sido suspenso. Agora, ele não pode mais usar o uniforme e sua arma foi confiscada. Quando a polícia fez a busca em sua casa, encontrou outra arma, aparentemente ilegal: uma espingarda de pressão.
Tradutor: Eloise De Vylder 
Um trabalhador americano produz como quatro brasileiros
CLAUDIA ROLLI/ÁLVARO FAGUNDES - FSP
Quatro trabalhadores brasileiros são necessários para atingir a mesma produtividade de um norte-americano.
A distância, que vem se acentuando e está próxima da do nível dos anos 1950, reflete o baixo nível educacional no Brasil, a falta de qualificação da mão de obra, os gargalos na infraestrutura e os poucos investimentos em inovação e tecnologia no país.
Editoria de Arte/Folhapress
Fatores apontados por empresários e por quem estuda o assunto como os principais entraves para a produtividade crescer no país –e que também ajudam a explicar o desempenho fraco do PIB brasileiro nos últimos anos.A comparação entre Brasil e EUA considera como indicador a produtividade do trabalho, uma medida de eficiência que significa quanto cada trabalhador contribui para o PIB de seu país.
O dado é do Conference Board, organização americana que reúne cerca de 1.200 empresas públicas e privadas de 60 países e pesquisadores.
Ele é importante porque mostra a força de fatores como educação e investimento em setores de ponta, que tornam mais eficiente o uso de recursos. A produtividade costuma ser menor nas empresas de trabalho intensivo.
O baixo nível educacional no Brasil é destacado pelo pesquisador Fernando Veloso, da FGV/Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), como um dos mais graves problemas para uma economia que precisa crescer e aumentar o padrão de vida da população.
"O brasileiro estuda em média sete anos, nem completa o ensino fundamental. Nos EUA, são de 12 a 13 anos, o que inclui uma etapa do ensino superior, sem mencionar a qualidade do ensino."
A média de treinamento (qualificação) que um americano recebe varia de 120 a 140 horas ao ano. No Brasil, são 30 horas por ano, destaca Hugo Braga Tadeu, professor da Fundação Dom Cabral.
A produtividade brasileira deve cair neste ano ao menor nível desde 2006 na comparação com a do americano e se aproxima do nível da década de 1950, quando o estudo se iniciou. Em 1980, um brasileiro tinha produtividade equivalente a 40% da de um americano. Hoje, ela está em 24%.
"Voltamos ao patamar dos anos 1950, mesmo com os avanços tecnológicos que ocorreram em 65 anos", afirma José Ricardo Roriz Coelho, diretor do departamento de competitividade da Fiesp.
A dificuldade de competir se acentua com a carga tributária maior, o juro alto para empréstimos, os riscos cambiais, os custos trabalhistas e os gargalos que encarecem a produção, diz o empresário.
A queda na produtividade é consequência do PIB fraco e de condições desfavoráveis, como maior inflação, que levam o setor produtivo a cancelar ou adiar investimentos.
A retração generalizada no consumo das famílias e na demanda de empresas e governos, além da piora na situação da indústria e dos serviços, foi mostrada na queda de 0,2% no PIB de janeiro a março, e a previsão é que o segundo trimestre seja pior.
MAIS DISTANTE
"O país vive uma crise de isolamento que só o distancia dos países e só se acentua", afirma o economista Cláudio Frischtak, estudioso do tema produtividade.
O isolamento se traduz não só pelo ritmo lento de avanços dentro das fábricas, como processos de inovação, diz o economista, mas também no número baixo de acordos de livre-comércio com outros países (o que dificulta o acesso a bens e serviços, inclusive os de maior tecnologia).
Outro indicador desse distanciamento é a participação de estrangeiros no mercado de trabalho. "São professores, pesquisadores, técnicos e cientistas que enfrentam dificuldades burocráticas para exercer suas atividades no país. Com isso, o conhecimento deixa de circular."