Fraqueza do mercado de trabalho, baixa taxa de poupança e produtividade estagnada podem encerrar o fenômeno que conduziu o crescimento econômico do país nas últimas décadas
Luís Lima - VEJA
POPULAÇÃO: Brasil desperdiça vantagens do bônus demográfico (Marcelo Camargo/ABr/VEJA)
Desde a década de 1970, o Brasil tem colhido frutos do chamado bônus demográfico, fenômeno que ocorre quando há, proporcionalmente, um maior número de pessoas em idade ativa, aptas a trabalhar, do que crianças e idosos. Quando esse benefício atinge uma sociedade em desenvolvimento, significa que ela disporá de mais força de trabalho do que pessoas inativas, que, em diferentes graus, são mais dependentes do Estado, como é o caso dos aposentados. Ou seja, há um excedente de pessoas para produzir e pagar impostos. Trata-se de um evento típico de países jovens. E, como tudo na vida, tem data para terminar. Uma vez que essa população envelhece, as novas gerações tendem a ser menos numerosas e a base da pirâmide demográfica se afunila cada vez mais. É o que acontece na Europa, cuja população idosa supera, em alguns países, os jovens em idade ativa. No Brasil, as previsões apontavam 2030 como a década em que os efeitos do bônus começariam a se dissipar. Contudo, devido justamente ao mau aproveitamento dessa vantagem demográfica, especialistas começam a projetar o início de seu fim para já: entre 2015 e 2020.
Segundo o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, da Escola Nacional de
Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), o Brasil não fez bom uso de seu bônus porque não
investiu suficientemente em educação de ponta e inovação, a exemplo de
países como China e Coreia do Sul. Soma-se a esse déficit as sucessivas
crises econômicas que se abateram sobre o país nas últimas três décadas e
tem-se o cenário perfeito para o desperdício da vantagem. "Surfar nesse
fenômeno significa aproveitar a população ativa e torná-la cada vez
mais produtiva. Hoje, temos 10 milhões de jovens que não estudam, nem
trabalham: os 'nem-nem'. Isso é potencial desperdiçado. Esse seria o
momento de melhorar as condições de vida da população, enriquecer antes
de envelhecer. O que está acontecendo é que o país está envelhecendo sem
enriquecer, sem conseguir equacionar os problemas básicos da
população", afirma. Segundo Alves, a crise econômica atual encerra com
chave de ouro um ciclo de mau uso do bônus. "O que vemos hoje na
economia é resultado de decisões erradas e falta de investimento. O que
foi feito na última década corroeu pelo menos quinze anos de bônus
demográfico", diz.
Ganhos de produtividade são estratégicos para um país se preparar para o fim do bônus, pois possibilitam que menos trabalhadores produzam mais e melhor para suprir a demanda de um grupo de idosos cada vez maior. Esses trabalhadores, no futuro, também precisarão ganhar mais para arcar com o custo previdenciário de uma população envelhecida. O panorama, no entanto, não é animador. Os investimentos em educação, que são mais de 5% do PIB, não se converteram, necessariamente, em conquistas produtivas. Estudo recente do The Conference Board mostra que a produtividade do trabalho - ou seja, a produção de um indivíduo por horas trabalhadas - recuou 2% no ano passado, depois de ter subido de maneira pífia nos dois anos anteriores (0,4% em 2012 e e 0,8% 2013). "Os jovens de hoje teriam de ser mais produtivos para 'carregar' um número maior de idosos. E como isso não acontece, estamos fadados a cair na armadilha da pobreza", afirma Ricardo Brito, professor do Insper
.
Bônus demográfico(VEJA.com/VEJA)
Os efeitos da crise no mercado de trabalho são um agravante e catalisam o fim do bônus. No acumulado de janeiro a abril, segundo dados do Cadastro de Empregados e Desempregados, do Ministério do Trabalho, foram fechados 137.004 postos com carteira assinada, o pior resultado para este período da série histórica. "Se o bônus significa ter mais gente com idade para produzir, quando não se tem emprego, o bônus não serve para nada", diz Alves, da Escola de Estatísticas do IBGE.
Além de permitir um aumento da renda per capita, o bônus também pode propiciar a reforma da estrutura do Estado - sobretudo da previdência - graças ao apoio de toda uma geração de contribuintes. Com o envelhecimento da população, a poupança tenderia a aumentar, já que pessoas entre os 40 e 65 anos, em tese, já acumularam conquistas e pouparam ao longo da vida. Mas não é bem isso que ocorre. Segundo o economista Samuel Pessôa, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), o efeito do bônus no país foi neutralizado pela baixa propensão a poupar do brasileiro. Prova disso é que, em média, o governo gasta 5% do PIB com educação básica e 13% com idosos. "Temos uma previdência relativamente generosa. Não estimulamos a poupança quando deveríamos e não conseguimos equacionar o déficit da previdência com as vantagens do bônus demográfico", afirma Pessôa.
Reverter essa tendência, na opinião dos especialistas, requer uma mudança profunda em políticas públicas, sobretudo aquelas que versam sobre a educação. O professor Eduardo Rios Neto, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), alerta ser essencial ampliar a eficácia dos investimentos - e não, necessariamente, os valores em si. "Não há outra saída para gerar riqueza capaz de sustentar a previdência que não uma população mais preparada, com mão de obra mais qualificada. Não se trata de despejar dinheiro, e sim de gastá-lo melhor", afirma.
Ganhos de produtividade são estratégicos para um país se preparar para o fim do bônus, pois possibilitam que menos trabalhadores produzam mais e melhor para suprir a demanda de um grupo de idosos cada vez maior. Esses trabalhadores, no futuro, também precisarão ganhar mais para arcar com o custo previdenciário de uma população envelhecida. O panorama, no entanto, não é animador. Os investimentos em educação, que são mais de 5% do PIB, não se converteram, necessariamente, em conquistas produtivas. Estudo recente do The Conference Board mostra que a produtividade do trabalho - ou seja, a produção de um indivíduo por horas trabalhadas - recuou 2% no ano passado, depois de ter subido de maneira pífia nos dois anos anteriores (0,4% em 2012 e e 0,8% 2013). "Os jovens de hoje teriam de ser mais produtivos para 'carregar' um número maior de idosos. E como isso não acontece, estamos fadados a cair na armadilha da pobreza", afirma Ricardo Brito, professor do Insper
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Bônus demográfico(VEJA.com/VEJA)
Os efeitos da crise no mercado de trabalho são um agravante e catalisam o fim do bônus. No acumulado de janeiro a abril, segundo dados do Cadastro de Empregados e Desempregados, do Ministério do Trabalho, foram fechados 137.004 postos com carteira assinada, o pior resultado para este período da série histórica. "Se o bônus significa ter mais gente com idade para produzir, quando não se tem emprego, o bônus não serve para nada", diz Alves, da Escola de Estatísticas do IBGE.
Além de permitir um aumento da renda per capita, o bônus também pode propiciar a reforma da estrutura do Estado - sobretudo da previdência - graças ao apoio de toda uma geração de contribuintes. Com o envelhecimento da população, a poupança tenderia a aumentar, já que pessoas entre os 40 e 65 anos, em tese, já acumularam conquistas e pouparam ao longo da vida. Mas não é bem isso que ocorre. Segundo o economista Samuel Pessôa, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), o efeito do bônus no país foi neutralizado pela baixa propensão a poupar do brasileiro. Prova disso é que, em média, o governo gasta 5% do PIB com educação básica e 13% com idosos. "Temos uma previdência relativamente generosa. Não estimulamos a poupança quando deveríamos e não conseguimos equacionar o déficit da previdência com as vantagens do bônus demográfico", afirma Pessôa.
Reverter essa tendência, na opinião dos especialistas, requer uma mudança profunda em políticas públicas, sobretudo aquelas que versam sobre a educação. O professor Eduardo Rios Neto, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), alerta ser essencial ampliar a eficácia dos investimentos - e não, necessariamente, os valores em si. "Não há outra saída para gerar riqueza capaz de sustentar a previdência que não uma população mais preparada, com mão de obra mais qualificada. Não se trata de despejar dinheiro, e sim de gastá-lo melhor", afirma.
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