Debate sobre criminalidade juvenil está fora de foco
Argumentos como sistema penal falido e
tibieza das políticas sociais afastam a questão da violência da crucial
realidade de que a sociedade está desprotegida
O Globo
No debate sobre o crescente envolvimento de jovens com o crime é
preciso considerar os dois aspectos da questão — o social e a defesa da
sociedade contra a violência, sem que, como tem sido a norma, um dos
ângulos do tema desqualifique outro. Sem dúvida, o problema da
criminalidade juvenil tem um componente que se alimenta da falência de
políticas públicas (educação, saúde, habitação, etc.), que deem
oportunidades de inclusão na cidadania a uma larga faixa da população,
de estratos sociais mais baixos.
A pobreza extrema é um indutor da violência, mas não um determinismo.
No entanto, por mais que a realidade recomende o contrário, esse tipo
de visão, própria do “politicamente correto", tem tirado o foco da
discussão. Com isso, justifica-se a criminalidade juvenil pelo ângulo da
demagogia e de uma “sociologia em compotas", e não se mostram saídas de
curto prazo. E, a cada ciclo de violência, como o atual, volta-se à
questão de como contê-lo, nas sem se atacar de fato o flagelo.
No caso da criminalidade juvenil, esse ponto de vista é matriz de
argumentos digressivos. Combate-se, por exemplo, a necessidade de
reconsiderar o limite etário da inimputabilidade penal na legislação
brasileira, ainda que condicionando a aplicação de penas de prisão à
gravidade do crime praticado pelo jovem e à avaliação do juiz, sob a
justificativa de que os presídios, superlotados, não ressocializam. De
fato, o sistema penitenciário foge ao princípio correcional das penas de
privação da liberdade: são depósitos de presos que mais funcionam como
universidades do crime do que espaço de reinserção social. O problema
nesse tipo de abordagem é que não se apresenta uma solução para um
problema real imediato — a defesa da sociedade diante da violência
praticada por adolescentes com discernimento suficiente para medir a
extensão de seus atos.
Não é o caso de negar a evidência de que o sistema penal está falido,
situação que, sem dúvida, implica a adoção de políticas apropriadas
para resolver as demandas do setor (aplicação de penas alternativas,
critérios para determinar quem de fato precisa ficar preso etc.). Mas a
punição de criminosos que hoje se abrigam no guarda-chuva do Estatuto da
Criança e do Adolescente, ou seja, a prisão, seria também um fator de
pressão para que se aperfeiçoe a política prisional.
Também
não se sustenta o argumento de que, em lugar de punir, o Estado precisa
instituir políticas públicas e amplas de educação, bem como de outras
rubricas sociais. Ninguém em sã consciência é contra esse pressuposto,
mas ele não resolve a questão premente de que as ruas estão assustadas
pela criminalidade em alta. E é preciso dar solução imediata, pontual, a
essa questão. A violência é um corpo estranho nas relações sociais, e é
crucial criar anticorpos de efeito instantâneo, sem prejuízo da adoção
de ações de mais longo prazo. Um ângulo não invalida o outro. Toda
pessoa, de que idade for, precisa ter alguma consciência de que há
custos para as transgressões.
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