Anatole Kaletsky - Prospect
Eleições no Reino Unido
8.mai.2015 - Contadora descansa durante pausa na contagem de votos para os distritos de Hove, Brighton Pavilion e Brighton Kemptown, na região de Brighton, no sul da Inglaterra, na manhã desta sexta-feira. Após horas de apuração, o Partido Conservador assumiu a liderança das cadeiras do Parlamento, confirmando parcialmente a pesquisa de boca-de-urna - Clive Gee/PA via AP
Para espanto de todos, as eleições gerais do Reino Unido produziram um
vencedor inequívoco. E quanto aos perdedores? Além de políticos da
oposição, muitos britânicos trabalhadores, consumidores e empresas
inclinadas a celebrar a vitória conservadora vão se encontrar em
situação pior do que esperam. A perspectiva de um governo estável poderá
aumentar a atividade econômica nos próximos meses, com as empresas
implementando suas decisões de investimento suspensas diante da
incerteza política, os consumidores recuperando sua confiança e o
mercado imobiliário de Londres voltando a crescer. Mas, no final do
verão, a euforia pós-eleitoral poderá parecer um barato de curta
duração.
Apesar da economia britânica ter sido aclamada durante a campanha como a mais forte da Europa, ela já estava arrefecendo no segundo semestre do ano passado, após a onda de adrenalina dada pelo subsídios de habitação e relaxamento fiscal dados pelo ministro do Tesouro, George Osborne, em seu orçamento de 2013. Na segunda metade de 2015, com a crise da zona euro recuando e a economia dos Estados Unidos se recuperando de seu congelamento invernal, o Reino Unido provavelmente vai deixar sua posição no topo para ocupar outra mais na parte inferior da liga de crescimento global. A boa notícia é que as taxas de juros provavelmente vão ficar em níveis baixíssimos, e a libra vai se enfraquecer, ajudando as exportações.
O desempenho econômico do novo governo vai depender principalmente de quatro questões políticas que mal foram mencionadas durante a campanha eleitoral.
Em primeiro lugar, as decisões de taxas de juros, que embora sejam formalmente controladas pelo Banco da Inglaterra são fortemente influenciadas pela política econômica do governo. Em segundo lugar, a obsessão conservadora com a eliminação dos déficits orçamentais, embora provavelmente seja abandonada no meio do novo Parlamento, inicialmente agirá como um entrave ao crescimento econômico, tanto por razões keynesianas quanto porque vai aumentar ainda mais a desigualdade de renda, enfraquecendo estruturalmente a demanda do consumidor. Em terceiro lugar, haverá um tipo completamente novo de incerteza econômica criada pela possível separação do Reino Unido e sua saída da União Europeia -e como essas duas pressões interagem. Finalmente, haverá o desafio de continuar a atrair enormes fluxos de capital global para financiar o maior déficit comercial em relação ao produto interno bruto do mundo.
Para as duas últimas questões, o desafio é claro. Enquanto o Reino Unido se manteve à parte da crise da zona euro, como um refúgio de estabilidade política e econômica, agora será o país mais imprevisível da Europa -não tanto em sua política interna, como eu esperava antes das eleições, mas em suas relações com a UE e o resto do mundo.
O déficit em conta corrente no valor de 5,5% do rendimento nacional deixa o Reino Unido muito mais dependente da entrada de capital estrangeiro do que qualquer outro grande país industrializado. Dessa forma, o referendo da UE traz grandes riscos econômicos, agora que uma votação pró-UE parece muito menos certa do que antes das eleições.
O referendo da UE provavelmente será mais apertado do que se esperava anteriormente por vários motivos. Aqueles que defendem o Partido da Independência do Reino Unido (Ukip, na sigla em inglês) estarão furiosos e energizados depois de conquistarem o dobro dos votos do Partido Nacional Escocês e emergirem como o terceiro maior partido do Reino Unido, mas que garantiu apenas um assento parlamentar. Os conservadores que têm fobia à Europa estarão igualmente galvanizados pelo extermínio dos Liberais Democratas e com seu poder reforçado pela pequena maioria do primeiro-ministro David Cameron. Este grupo dissidente será estridentemente apoiado pela imprensa de direita, com sua autoconfiança renascida com a vitória conservadora. Eles darão plena vazão à implacável eurofobia de Rupert Murdoch, especialmente pelo "The Sun", aproveitando a oportunidade de sucesso inesperado do Ukip no norte da Inglaterra para abrir uma segunda frente populista contra trabalhistas em redutos que antes eram invulneráveis ??a ataques frontais por parte dos conservadores.
Acima de tudo, o referendo da UE vai interagir com o nacionalismo escocês de várias formas desestabilizadoras. O SNP pode muito bem formar uma aliança profana com o Uip e os eurofóbicos conservadores para argumentar que os votos do referendo da UE devem ser contados separadamente na Inglaterra e na Escócia. A divergência quase inevitável da opinião pública nos dois países poderia oferecer ao SNP um pretexto ideal para exigir um segundo referendo sobre a independência da Escócia, talvez até mesmo simultaneamente com o referendo no Reino Unido sobre a UE. A interação da descentralização fiscal e de "ingleses votando leis inglesas" só vai acelerar a dinâmica da separação. Se a Escócia vencer o direito de definir seus próprios impostos, as "leis inglesas" terão de incluir as questões financeiras. Nesse ponto, o grupo parlamentar inglês vai transformar o Parlamento do Reino Unido em um vaso vazio, um pouco como o Parlamento russo drenou o significado da União Soviética quando Yeltsin ganhou poderes fiscais.
Muito antes dessa possível separação, a devolução escocesa vai transformar a política fiscal do Reino Unido. O primeiro-ministro Nicola Sturgeon, como um bom economista keynesiano, entende que a Escócia seria louca de aceitar a responsabilidade de fixar seus impostos e suas despesas sem a correspondente liberdade de contrair empréstimos nos mercados financeiros, que o Tesouro do Reino Unido está determinado em negar. Aceitar esse cálice de veneno pré-keynesiano seria condenar a Escócia à austeridade e à servidão por dívidas ao estilo grego. O SNP, portanto, insistirá no direito do Parlamento escocês de contrair empréstimos, bem como de definir os seus próprios níveis de impostos e gastos. Essa demanda, por sua vez, poderia inspirar uma luta sobre a política orçamental em todo o Reino Unido. É impossível prever o resultado final dessa turbulência fiscal, mas certamente acrescentaria às incertezas que inquietam as empresas e a confiança financeira na Inglaterra e na Escócia.
O que nos leva, finalmente, às taxas de juros -a única boa notícia em um panorama econômico sombrio. O Banco da Inglaterra demonstrou por seu comportamento que vai fazer o seu melhor para dar apoio à economia durante o momento de incerteza política. Se a economia enfraquecer após a euforia pós-eleitoral, essa debilidade fará com que as taxas de juros permaneçam em níveis próximos de zero para o resto do ano -e, talvez, todo o tempo até o referendo da UE- e depois continuem mais baixas do que poderiam ser. Seja grato pelas pequenas misericórdias.
Tradutor: Deborah Weinberg
Apesar da economia britânica ter sido aclamada durante a campanha como a mais forte da Europa, ela já estava arrefecendo no segundo semestre do ano passado, após a onda de adrenalina dada pelo subsídios de habitação e relaxamento fiscal dados pelo ministro do Tesouro, George Osborne, em seu orçamento de 2013. Na segunda metade de 2015, com a crise da zona euro recuando e a economia dos Estados Unidos se recuperando de seu congelamento invernal, o Reino Unido provavelmente vai deixar sua posição no topo para ocupar outra mais na parte inferior da liga de crescimento global. A boa notícia é que as taxas de juros provavelmente vão ficar em níveis baixíssimos, e a libra vai se enfraquecer, ajudando as exportações.
O desempenho econômico do novo governo vai depender principalmente de quatro questões políticas que mal foram mencionadas durante a campanha eleitoral.
Em primeiro lugar, as decisões de taxas de juros, que embora sejam formalmente controladas pelo Banco da Inglaterra são fortemente influenciadas pela política econômica do governo. Em segundo lugar, a obsessão conservadora com a eliminação dos déficits orçamentais, embora provavelmente seja abandonada no meio do novo Parlamento, inicialmente agirá como um entrave ao crescimento econômico, tanto por razões keynesianas quanto porque vai aumentar ainda mais a desigualdade de renda, enfraquecendo estruturalmente a demanda do consumidor. Em terceiro lugar, haverá um tipo completamente novo de incerteza econômica criada pela possível separação do Reino Unido e sua saída da União Europeia -e como essas duas pressões interagem. Finalmente, haverá o desafio de continuar a atrair enormes fluxos de capital global para financiar o maior déficit comercial em relação ao produto interno bruto do mundo.
Para as duas últimas questões, o desafio é claro. Enquanto o Reino Unido se manteve à parte da crise da zona euro, como um refúgio de estabilidade política e econômica, agora será o país mais imprevisível da Europa -não tanto em sua política interna, como eu esperava antes das eleições, mas em suas relações com a UE e o resto do mundo.
O déficit em conta corrente no valor de 5,5% do rendimento nacional deixa o Reino Unido muito mais dependente da entrada de capital estrangeiro do que qualquer outro grande país industrializado. Dessa forma, o referendo da UE traz grandes riscos econômicos, agora que uma votação pró-UE parece muito menos certa do que antes das eleições.
O referendo da UE provavelmente será mais apertado do que se esperava anteriormente por vários motivos. Aqueles que defendem o Partido da Independência do Reino Unido (Ukip, na sigla em inglês) estarão furiosos e energizados depois de conquistarem o dobro dos votos do Partido Nacional Escocês e emergirem como o terceiro maior partido do Reino Unido, mas que garantiu apenas um assento parlamentar. Os conservadores que têm fobia à Europa estarão igualmente galvanizados pelo extermínio dos Liberais Democratas e com seu poder reforçado pela pequena maioria do primeiro-ministro David Cameron. Este grupo dissidente será estridentemente apoiado pela imprensa de direita, com sua autoconfiança renascida com a vitória conservadora. Eles darão plena vazão à implacável eurofobia de Rupert Murdoch, especialmente pelo "The Sun", aproveitando a oportunidade de sucesso inesperado do Ukip no norte da Inglaterra para abrir uma segunda frente populista contra trabalhistas em redutos que antes eram invulneráveis ??a ataques frontais por parte dos conservadores.
Acima de tudo, o referendo da UE vai interagir com o nacionalismo escocês de várias formas desestabilizadoras. O SNP pode muito bem formar uma aliança profana com o Uip e os eurofóbicos conservadores para argumentar que os votos do referendo da UE devem ser contados separadamente na Inglaterra e na Escócia. A divergência quase inevitável da opinião pública nos dois países poderia oferecer ao SNP um pretexto ideal para exigir um segundo referendo sobre a independência da Escócia, talvez até mesmo simultaneamente com o referendo no Reino Unido sobre a UE. A interação da descentralização fiscal e de "ingleses votando leis inglesas" só vai acelerar a dinâmica da separação. Se a Escócia vencer o direito de definir seus próprios impostos, as "leis inglesas" terão de incluir as questões financeiras. Nesse ponto, o grupo parlamentar inglês vai transformar o Parlamento do Reino Unido em um vaso vazio, um pouco como o Parlamento russo drenou o significado da União Soviética quando Yeltsin ganhou poderes fiscais.
Muito antes dessa possível separação, a devolução escocesa vai transformar a política fiscal do Reino Unido. O primeiro-ministro Nicola Sturgeon, como um bom economista keynesiano, entende que a Escócia seria louca de aceitar a responsabilidade de fixar seus impostos e suas despesas sem a correspondente liberdade de contrair empréstimos nos mercados financeiros, que o Tesouro do Reino Unido está determinado em negar. Aceitar esse cálice de veneno pré-keynesiano seria condenar a Escócia à austeridade e à servidão por dívidas ao estilo grego. O SNP, portanto, insistirá no direito do Parlamento escocês de contrair empréstimos, bem como de definir os seus próprios níveis de impostos e gastos. Essa demanda, por sua vez, poderia inspirar uma luta sobre a política orçamental em todo o Reino Unido. É impossível prever o resultado final dessa turbulência fiscal, mas certamente acrescentaria às incertezas que inquietam as empresas e a confiança financeira na Inglaterra e na Escócia.
O que nos leva, finalmente, às taxas de juros -a única boa notícia em um panorama econômico sombrio. O Banco da Inglaterra demonstrou por seu comportamento que vai fazer o seu melhor para dar apoio à economia durante o momento de incerteza política. Se a economia enfraquecer após a euforia pós-eleitoral, essa debilidade fará com que as taxas de juros permaneçam em níveis próximos de zero para o resto do ano -e, talvez, todo o tempo até o referendo da UE- e depois continuem mais baixas do que poderiam ser. Seja grato pelas pequenas misericórdias.
Tradutor: Deborah Weinberg
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