domingo, 28 de junho de 2015

A blindagem da caixa preta do Carf
O conselho da Fazenda que julga recursos de sonegadores está protegido pelo manto que iludiu os empreiteiros
Elio Gaspari - FSP
Há anos parlamentares e curiosos fazem perguntas banais ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais: qual a percentagem de contribuintes que se livram de pagar impostos recorrendo a ele contra autuações da Receita Federal? Qual a percentagem de contribuintes que recorreram contra autuações superiores a R$ 1 milhão e foram atendidos? Graças à Polícia Federal e ao Ministério Público já se sabe que há décadas funcionavam no Carf quadrilhas de conselheiros, auditores aposentados e escritórios de advocacia. A Operação Zelotes investiga a conduta de 21 conselheiros e a central de bocarras teve seu funcionamento suspenso.
A má notícia é que as perguntas banais nunca foram respondidas. A boa é que o presidente do conselho, doutor Carlos Alberto Freitas Barreto, informou à Câmara dos Deputados que "em breve" poderá divulgá-las. Só não o faz logo porque surgiu um problema no serviço de armazenamento de dados do Serpro. Fica combinado assim, faltando definir o significado de "em breve".
Apesar do silêncio, o Carf divulgou uma valiosa planilha. Ela mostra que, entre 2004 a 2014, chegaram ao Conselho 77 mil pleitos. Em metade deles, os contribuintes recorreram contra autuações com valores na faixa de R$ 10 mil a R$ 100 mil. Juntos deviam R$ 1,2 bilhão. Outros 19 mil pleitos (24,6%) envolviam autuações superiores a R$ 1 milhão. Totalizavam cerca de R$ 515 bilhões. Para se ter a ideia do tamanho desse ervanário, de janeiro a maio deste ano, a Viúva arrecadou R$ 510 bilhões.
Recorrer ao Carf não é coisa para o andar de baixo. Mesmo empresas de porte médio pensam duas vezes antes de contratar advogados ou consultores especializados no assunto. Isso para não se falar nas contratações desvendadas pela Operação Zelotes. Na série agora divulgada, em nenhum ano o valor total dos recursos dos contribuintes milionários ficou abaixo de R$ 10 bilhões (2013 foi um ano gordo: R$ 129 bilhões).
"Em breve", quando o Carf especificar os valores dos recursos atendidos, vai-se descobrir o tamanho e a qualidade de sua compreensão. Se os recursos aceitos pelo conselho contra atuações milionárias ficar acima de 50%, de duas uma: a Receita está autuando de forma leviana ou o Carf virou um ralo. Por enquanto, o Conselho está na posição de um hospital que não sabe informar as estatísticas de seu desempenho.
A Polícia Federal e o Ministério Público meteram-se numa saia justa com o juiz Ricardo Soares Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília. O doutor negou todos os pedidos de prisão, suspendeu escutas telefônicas e não autorizou operações policiais. Acusam-no de cultivar um "crônico e grave quadro de ineficiência".
Blindar o Carf pode parecer uma boa ideia. Afinal, em 2009 a empreiteira Camargo Corrêa blindou-se contra a operação Castelo de Areia e as empreiteiras assistiram a um verdadeiro milagre. Os recursos judiciais, ratificados pelo próprio Supremo Tribunal Federal, limparam os acusados e condenaram os investigadores. Passou o tempo e veio a Lava Jato.
AULA DE CANA
Conselho útil do advogado Marcelo Cerqueira para quem teme ir para a cadeia:
"Não perca o sono na primeira noite, a fome na primeira semana ou a cabeça no primeiro mês".
Cerqueira sabe do que fala. Como advogado, cuidou de muitos presos. Como militante político, pegou pelo menos duas canas.
MADAME NATASHA
Madame Natasha concedeu mais uma de suas bolsas de estudo ao novo diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde, doutor José Carlos de Souza Abrahão, pelo seguinte resumo de seus objetivos no cargo:
"Temos que estimular campanhas pelo uso consciente do sistema de saúde brasileiro e do sistema de saúde suplementar. A sua preservação acontecerá por meio de um conjunto múltiplo de ações, como critérios no processo de incorporação tecnológica, desenvolvimento de protocolos clínicos, avaliação do custo-efetividade dos procedimentos, combate ao desperdício. Temos de rediscutir o modelo de remuneração entre operadoras e prestadoras, precisamos reduzir o custo setorial e a imprevisibilidade; e não podemos esquecer que a sociedade mundial e a brasileira conseguiram uma conquista, que é a maior sobrevida da nossa população".
A senhora acha que, na melhor das hipóteses, ele não quis dizer nada.
PARA CIMA
O jornalista Ernesto Rodrigues concluiu seu documentário "O Sonho de Tipsi", com a história de Zilda Arns, a criadora da Pastoral da Criança, morta em 2010 durante o terremoto do Haiti.
Numa época de decepções e más notícias, a lembrança da doutora Zilda é um hino à vida, ao altruísmo e à fé de uma grande mulher.
OS ALPES CARIOCAS DA DOUTORA LAGARDE
Sempre que os sábios do Fundo Monetário Internacional opinam sobre a economia brasileira são ouvidos com reverência. Tudo bem, mas outro dia sua diretora-executiva, a elegantérrima Christine Lagarde, viajou no teleférico do morro do Alemão, no Rio de Janeiro, e disse o seguinte:
"Estou me sentindo numa estação de esqui". Aquilo era algo "só visto nos Alpes".
A doutora conhece as estações de esqui dos Alpes e os brasileiros conhecem o morro do Alemão. Para juntar as duas coisas, é necessário soltar algum parafuso da cabeça. Madame Lagarde estava diante de outra realidade, mais instrutiva, mas não a viu.
O teleférico do Alemão tem 3,5 quilômetros de extensão e custou R$ 210 milhões, foi inaugurado por Lula em 2010 e pela doutora Dilma em julho de 2011. Em nenhuma das duas ocasiões estava operando para os moradores da região. Quando o serviço começou, era inacessível para quem devia chegar ao trabalho às oito da manhã. Um mês antes da visita da doutora aos Alpes cariocas, o serviço do teleférico fora suspenso por vinte dias. Ao ser restabelecido, a operação que começava às seis horas foi pedalada para as oito da manhã. Os repórteres Rodrigo Bertolucci e Luiz Gustavo Schmitt mostraram que o teleférico está numa vala da burocracia. O governo do Estado atrasou o pagamento de dois repasses mensais de R$ 3,2 milhões à empresa concessionária e, como o contrato está prestes a vencer, alguns funcionários foram desmobilizados.
Um teleférico dos Alpes que começa a rodar às oito da manhã pode ser ótimo para quem vai esquiar, mas esqueceram de contar à doutora que essa é a hora em que a turma do Alemão precisa estar no trabalho. O governo do Rio diz que a partir de amanhã restabelece o horário antigo.
Tomara que Madame Lagarde entenda de economia. 

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