quinta-feira, 2 de julho de 2015

Relacionamento entre guardas e presos é comum, dizem especialistas
Noah Remnick - NYT
Office of New York Governor Andrew Cuomo
Logo depois de Richard W. Matt e David Sweat não terem sido encontrados em suas celas na Instalação Correcional Clinton, no norte de Nova York, o governador Andrew M. Cuomo buscou afastar qualquer sugestão de cumplicidade de funcionários do presídio.
"Eu ficarei chocado se algum agente penitenciário estiver envolvido nisto", ele disse.
Foi uma confiança mal depositada: dois funcionários do presídio, Joyce E. Mitchell, que trabalhava na alfaiataria, e Gene Palmer, o guarda do bloco onde estavam, são acusados de auxiliar na fuga. Mas enquanto os detalhes curiosos da trama continuam prendendo a atenção da população, para muitos especialistas, as revelações sobre fraternização entre fugitivos e agentes penitenciários não causam surpresa.
"Nem todas chegam às manchetes", disse Brenda V. Smith, uma professora de Direito da Universidade Americana. "Mas há uma história como essa em todo presídio."
No ano passado, Nancy Gonzalez, uma agente penitenciária do Centro de Detenção Metropolitano no Brooklyn, Nova York, foi sentenciada a um ano de prisão por seu relacionamento ilícito com Ronell Wilson, que na época aguardava a sentença pelo assassinato de dois detetives da polícia disfarçados em Staten Island, em 2003. Gonzalez e Wilson tiveram um filho juntos.
Em 2013, mais de uma dúzia de agentes penitenciários foram indiciados e acusados de envolvimento em um esquema de contrabando dentro do Centro de Detenção Municipal de Baltimore, comandado por membros de uma gangue chamada Black Guerrilla Family. Tavon White, um dos líderes da gangue, teve cinco filhos com quatro guardas enquanto estava na prisão. Duas das guardas tinham o nome de White tatuado em seus corpos.
Apesar de algumas pesquisas sugerirem que esses relacionamentos ilícitos são com frequência resultado de manipulação pelos presos, aos olhos da lei, a responsabilidade é dos agentes penitenciários. Qualquer relacionamento sexual entre funcionários do presídio e presos é considerado abuso devido às suas posições desiguais, independente de gênero e suposto consentimento.
Uma diretriz federal, a Lei de Eliminação do Estupro nos Presídios, obriga a coleta de dados sobre abuso sexual atrás das grades. Em 2011-2012, cerca de 4% da população carcerária estadual e federal relataram ter sofrido abuso sexual por outro preso ou funcionário da prisão nos 12 meses anteriores –um número que alguns acreditam subestimar o problema, devido às dificuldades de relatar comportamento criminoso.
As presidiárias experimentam índices maiores de abuso sexual atrás das grades em comparação aos presos do sexo masculino, disse o relatório, mas agentes penitenciários do sexo feminino foram responsáveis por grande parte de todos os episódios confirmados de má conduta sexual por funcionários e por um quarto de todos os incidentes de assédio sexual envolvendo funcionários. As vítimas delas foram principalmente homens.
"É muito fácil para as pessoas imaginarem um funcionário do sexo masculino abusando de uma presidiária", disse Smith, uma ex-integrante da Comissão Nacional para Eliminação do Estupro nos Presídios. "Esse é o roteiro que todos entendem. Quando o roteiro envolve guardas do sexo feminino e presos do sexo masculino, a expectativa ainda é de que os homens são sempre mais poderosos que as mulheres, mesmo quando são as mulheres que detêm o poder."
"Quando consideramos nossas expectativas sobre a sexualidade feminina", ela disse, "não achamos que as mulheres entram nesses relacionamentos voluntariamente ou que os procuram, mas na verdade é o caso".
Parte do problema, dizem os especialistas, tem a ver com a forma como os guardas de prisão são treinados. Apesar do treinamento tipicamente incluir uma ampla discussão sobre evitar qualquer relacionamento impróprio com os presos, eles costumam apresentar informação equivocada, disseram alguns especialistas.
"Os detentos são apresentados como uma caricatura de falsos e manipuladores", disse Smith. "Eles nunca são vistos como atraentes, inteligentes, encantadores, simpáticos. Não há dúvida de que existe alguma falsidade. Mas a realidade é que os presos são pessoas como os guardas e com frequência apresentam uma formação semelhante."
Mas, ela acrescentou, "certos limites precisam ser impostos".
Caterina Spinaris, a diretora executiva da Desert Waters Correctional Outreach, uma organização que estuda e treina agentes penitenciários, concordou: "O treinamento deve transmitir um entendimento de que é inevitável ter uma resposta emocional. Agir de forma totalmente impassível não é realista".
Relacionamentos impróprios entre guardas e presos tendem a começar pequenos, parecendo infrações inócuas, disseram especialistas.
"Nem sempre termina em sexo", disse James W. Marquart, diretor dos programas de criminologia e sociologia da Universidade do Texas, em Dallas, "mas começa de forma bastante inocente. Um preso pode dar um tapinha no ombro da guarda, ou chamá-la pelo primeiro nome".
De fato, Lorry Schoenly, uma enfermeira especializada em questões de atendimento de saúde correcional, identificou uma série de "sinais perigosos" de agentes penitenciários sob risco de relacionamentos não saudáveis com presos, incluindo uma vida pessoal turbulenta. Para muitos presos, essas vulnerabilidades podem representar uma oportunidade.
"Os presos são muito aptos em identificar os funcionários mais suscetíveis ou fracos", disse Robert Worley, um professor associado de justiça criminal da Universidade Lamar. "Assim que novos guardas são contratados, os homens tentam avaliar seus pontos fortes e fracos. Certa vez um preso me disse que você sabe em cinco minutos se um guarda trará contrabando ou não."
Muitos especialistas acreditam que, independente de como começam, episódios como a fuga da Instalação Correcional Clinton podem servir a um propósito além de embaraçar os presídios.
"Esses casos de destaque devem servir como momentos de aprendizado", disse Smith.
Tradutor: George El Khouri Andolfato 

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