A futilidade das sanções
O Estado de S.Paulo
Há um quê de reação pavloviana na decisão dos Estados
Unidos e da União Europeia (UE) de impor uma terceira rodada de sanções a
pessoas e empresas ligadas ao presidente russo, Vladimir Putin, por ter
seu governo descumprido um acordo de chanceleres com a Ucrânia pelo
qual deixaria de estimular os movimentos separatistas no leste do país.
As sanções anteriores foram uma resposta à anexação da Crimeia pela
Rússia, em seguida a uma consulta popular em que a esmagadora maioria
optou por se desligar da Ucrânia.
Desta vez, agindo por um movimento reflexo que ignora a futilidade
das medidas precedentes para os fins a que se destinariam e deixa a nu a
falta de visão estratégica do Ocidente para lidar com a nostalgia
imperial que norteia a política externa de Moscou, Washington colocou na
lista negra 7 figurões e 17 companhias, punidos com o congelamento dos
bens no exterior e proibição de viagens. Dos sete, quatro são magnatas
que se supõe façam parte do que é tido como "o círculo financeiro" de
Putin - cuja fortuna é estimada em dezenas de bilhões de dólares.
São nomes do calibre de Igor Sechin, presidente da Rosneft, a estatal
russa do petróleo, e de Sergei Chemezov, o czar do setor de tecnologia
no país, cuja amizade com Putin data dos tempos da URSS, quando dividiam
um apartamento na então Alemanha Oriental, onde o atual presidente
servia como coronel da KGB. Já das 17 empresas que as sanções pretendem
atingir, 11 estão no portfólio do oligarca Gennady Timchenko, entre elas
a responsável pela rede de dutos da Gazprom, a estatal de gás - o que
dá ideia do grau de concentração do complexo industrial cujos barões
operam em sintonia com Putin.
Mais importante do que as restrições de que foram alvo - e que não
impediram a alta de 0,65% da Bolsa de Moscou - há de ser o veto do
presidente Barack Obama à exportação de licenças para a produção de bens
de alta tecnologia capazes de ser usados pela Rússia como equipamento
militar. A UE, de seu lado, acrescentou 15 nomes aos 33 das levas
anteriores. Bruxelas focalizou políticos, altos funcionários, militares e
ativistas pró-russos que lideraram os ataques a edifícios públicos nas
cidades ucranianas de Lugansk e Donetsk.
É uma lista respeitável. Inclui o vice-primeiro-ministro russo,
Dmitri Kozak, a líder parlamentar Ludmila Shvetsova; o general Valery
Gerasimov, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas; e o coronel Igor
Sergun, que comanda o seu setor de inteligência. À parte demonstrar que
sabe quem é quem nas altas esferas civis e militares da Rússia
envolvidas com a questão ucraniana - o que certamente não requer os
serviços de um 007 -, Bruxelas apenas fez expressão corporal de
pressionar Moscou. Nos diversos idiomas da maioria dos 28
Estados-membros do bloco europeu, a palavra cautela está na ordem do
dia.
Se os russos não perdem de vista que a UE é a sua maior parceira
comercial, os europeus muito menos se esquecem de que a economia
europeia, a começar da alemã, o motor do conglomerado, depende do gás e
do petróleo da Rússia. Os Estados Unidos precisariam mudar a sua
legislação e criar toda uma nova infraestrutura de transporte para
suprir as necessidades energéticas de seus parceiros do outro lado do
Atlântico. Eis por que a possibilidade de estender a política de sanções
ao setor russo de energia não passa perto dos centros europeus de
decisão. Ali, a Rosneft e a Gazprom são intocáveis.
Mesmo a Casa Branca não parece ter grandes ilusões sobre a eficácia
das sanções seletivas. O próprio Obama diz que o objetivo não é "ir para
cima" de Putin, mas mudar os seus cálculos sobre a Ucrânia, sob pena de
"um impacto negativo sobre a economia russa no longo prazo". Talvez ele
devesse ouvir o diretor sênior para assuntos russos do Conselho de
Segurança Nacional no governo George W. Bush, Thomas Graham. Nem a
"diplomacia do megafone" nem trocas de telefonemas, argumenta, mudarão a
conduta de Putin. Apenas "um trabalho sério, nos bastidores", poderá
fazer diferença.
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