Desta vez Lula está com a razão
Aloísio de Toledo César - O Estado de S.Paulo
O ex-presidente Lula, em entrevista à Rádio e Televisão
de Portugal, afirmou que o julgamento do mensalão foi 80% político. A
notícia foi publicada em manchete no Estado e ganhou
destaque praticamente em toda a imprensa brasileira. Todos conhecemos
que Lula é especialista em falar coisas que evidenciam o seu despreparo,
mas, desta vez, é forçoso reconhecer que ele tem razão: o julgamento do
mensalão foi mesmo político, exageradamente político.
Se não tivesse sido político aquele julgamento, Lula poderia estar
atrás das grades, ao lado de José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e
mais alguns que faziam parte de seu grupo íntimo, como os banqueiros e o
famoso publicitário que lavava dinheiro (e hoje cumpre a mais pesada
pena). E por que se pode afirmar que foi político o julgamento?
Quando houve a denúncia do escândalo, teve início o devido processo
legal para a apuração dos fatos apontados como criminosos e, ao final, o
Ministério Público Federal, a quem competia denunciar os acusados
perante o Judiciário, deixou de fora o principal deles - e foi assim que
Lula, por evidente influência política, ficou de fora.
Para quem não estudou Direito Penal nem está familiarizado com a
matéria, é importante lembrar como transcorreram os fatos. Ao lado do
gabinete de Lula, no Palácio do Planalto, havia outro gabinete chefiado
pelo braço direito dele, o então poderoso ministro José Dirceu. Depois
do ex-presidente Lula, quem mais mandava no Congresso Nacional e, a bem
dizer, no País era José Dirceu. Pelo seu gabinete, debaixo do nariz de
Lula, e com seu notório conhecimento e participação, trafegavam
diariamente os políticos seduzidos pelo dinheiro angariado por Dirceu
com a ajuda do deputado federal José Genoino e de outros petistas
integrantes do grupo íntimo.
O Ministério Público Federal, no entanto, apesar de todas as
evidências de que Lula tinha conhecimento e, portanto, participara da
trapaça, deixou-o de fora. E por que assim agiu? A primeira versão é a
de que faltou coragem, mas a segunda certamente talvez seja a mais
verdadeira: não seria oportuno denunciar um presidente da República e,
assim, causar enorme trauma ao País, principalmente o presidente que
acabara de nomear o procurador-geral de Justiça.
Aqui se remete ao Direito Penal para demonstrar o absurdo de tal
decisão. O Código Penal, que está em vigor e não poderia ser esquecido
pelo Ministério Público, deixa claro em seu artigo 13 que o resultado de
um crime somente pode ser imputado a quem lhe deu causa. E, no mesmo
caput, completa o raciocínio: "Considera-se causa a ação ou omissão sem a
qual o resultado não teria ocorrido". Ou seja, a omissão de quem tem
conhecimento dos fatos é tão criminosa quanto a ação, de tal forma que
as alegações de Lula, de que não participou de nada, de que não sabia de
nada, de que foi pego de surpresa, serviram apenas para aliviar seus
companheiros de partido.
Para que não se tenha dúvida de quanto no Direito Penal é grave a
conduta por omissão, vale lembrar o entendimento tanto de doutrinadores
como de juízes na linha de que, nos crimes cometidos por omissão, a
causalidade não é fática, mas jurídica, pois consiste em não haver o
omitente atuado, como deveria e poderia atuar, para impedir o resultado.
O Supremo Tribunal Federal - a quem Lula imputa julgamento 80%
político -, em suas seguidas manifestações ao longo de décadas, sempre
entendeu que omitir não é não fazer nada, mas, sim, não desenvolver uma
determinada conduta, contrariando uma norma jurídica em que se contém
comando de agir.
Enfim, a omissão no caso se torna penalmente relevante, porque o
agente Lula tinha condições de agir para impedir o resultado final e
evitar o assalto aos cofre públicos. O ex-presidente, naquele momento,
se estivesse realmente isento de culpa, poderia acabar com a trapaça e
pôr para fora do Palácio do Planalto, e até mesmo da vida pública,
aqueles seus amigos que enchiam os bolsos de dinheiro e permaneciam ao
seu lado.
São evidentes, assim, os indícios de que Lula cometeu claro crime
comissivo por omissão, e, portanto, a ausência de ação punitiva pelo
Ministério Público Federal representa até hoje um tapa na cara de cada
um de nós, brasileiros. Tanto que o próprio inocentado hoje dá
entrevistas para criticar o julgamento e alegar que nele houve
influência política.
Outra declaração que ele fez, do mesmo calibre, é a de que não houve
mensalão e um dia a história vai ser recontada. Ora, nós estamos vivendo
períodos conturbados da história política brasileira, em que a Comissão
da Verdade apura crimes cometidos durante os anos de chumbo - aqueles
em que o Brasil era governado por generais. Esse trabalho, por sua
importância, não deveria ser restritivo. Seria mesmo desejável que o
ex-presidente Lula se dispusesse a depor perante tal comissão e contasse
toda a verdade, que conhece mais do que ninguém, a respeito do
mensalão.
O Brasil tem o direito de saber como tudo aconteceu e quem são os
culpados e os inocentes. Lembre-se que os réus condenados pelo Supremo
Tribunal Federal estão todos presos e, portanto, se houve injustiça
nessas condenações, o ex-presidente faria um favor não só ao País, mas
também aos condenados, que talvez nessa conduta encontrassem argumentos
para ingressar com ações revisionais das condenações.
O que se mostra ofensivo à inteligência de cada um de nós é o fato de
alegar que o julgamento foi político, como se ele próprio não tivesse
sido o principal beneficiário dessa conduta lamentável e que projeta uma
luz negra sobre uma instituição à qual, em milhares de outros assuntos,
o País tanto deve: o Ministério Público Federal.
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