Desabastecimento se agrava e complica estratégia do chavismo contra a crise
Enormes filas em mercados e ausência de itens básicos nas
prateleiras tornaram-se comuns no país no último ano, quando índice de
escassez passou de 20% para quase 30%
O Estado de S. Paulo
CARACAS - Estatísticas do Banco Central da Venezuela
(BCV) reveladas na terça-feira, 29, pelo jornal venezuelano El Universal
mostram que, em um ano, a taxa de desabastecimento no país se elevou em
quase 10 pontos porcentuais. Em março de 2013, 20% dos produtos tinham
desaparecido das prateleiras dos mercados - no mês passado, a escassez
chegou a 29,4%.
Em relação a março de 2012, a falta de bens de consumo aumentou 18,6
pontos porcentuais, ainda segundo o levantamento. Naquele mês, a taxa de
escassez era de 10,8%, o índice mais baixo registrado desde 2010, ou
seja, a melhor situação.
No mês passado, o desabastecimento de alimentos, especificamente, foi
de 29,9% - uma pequena melhora em comparação a fevereiro, quando 33,8%
dos produtos alimentícios faltaram, a maior taxa já registrada pelo BCV.
"Em março do ano passado, a escassez de alimentos era de 17,7%, o que
quer dizer que, em 12 meses, aumentou 9,2 pontos porcentuais", afirma o
relatório. Em dois anos, ainda segundo o relatório, esse aumento foi de
16,6 pontos porcentuais.
As enormes filas nos supermercados e a escassez de produtos básicos
tornaram-se comuns na Venezuela no último ano. Trabalhadores dos
refeitórios que oferecem alimentos a sem-teto, por exemplo, enfrentam
uma crescente dificuldade para encontrar arroz, lentilha, farinha e
outros produtos necessários para o fornecimento das refeições. A
população enfrenta ainda a falta de produtos como papel higiênico e
insumos hospitalares.
"Passo horas por dia na fila porque só dá para conseguir uma coisa
num dia, outra no outro", disse Fernanda Bolívar, de 54 anos, que há 11
trabalha no refeitório para sem-teto conhecido como "sopão" Madre Teresa
de Calcutá, mantido pela Igreja Católica em um beco do centro de
Caracas. "A situação ficou terrível no ano passado", afirmou.
Fernanda decidiu trabalhar no programa de alimentação depois de
passar fome. Há uma década, ela faz almoço diariamente para cerca de 50
pessoas, que se sentam em mesões de concreto dentro do mal iluminado
albergue, que costuma alagar na época das chuvas.
Como muitos outros consumidores venezuelanos, para conseguir os
ingredientes para cozinhar, Fernanda precisa acordar às 4 horas e ir
para a fila do supermercado mais próximo, onde, às vezes, passa horas na
companhia de centenas de pessoas. Os números que marcam o lugar na fila
são rabiscados na mão dos consumidores.
Críticas
Opositores do presidente Nicolás Maduro dizem que as filas são um
constrangimento nacional e um símbolo do fracasso de uma economia
socialista semelhante à da ex-União Soviética. Autoridades respondem
dizendo que empresários estão deliberadamente estocando produtos como
parte da "guerra econômica" contra o governo.
Chavistas defendem-se citando os programas assistenciais e a redução -
pela metade - dos níveis da pobreza nos últimos 15 anos como prova de
que a situação dos pobres está melhor desde que Hugo Chávez, chegou ao
poder.
O governo iniciou neste mês um sistema de identificação que rastreia
as compras feitas por consumidores a preços subsidiados em supermercados
estatais. As autoridades dizem que a medida tem o objetivo de coibir o
acúmulo de estoques por parte dos comerciantes e garantirá uma
distribuição equitativa de alimentos a preços baixos para a população
mais necessitada. Críticos comparam o novo sistema às cadernetas de
racionamento de Cuba - o que demonstra, segundo eles, a gravidade da
situação econômica venezuelana.
Caracas mantém uma rede de albergues e refeitórios chamada Missão
Negra Hipólita, que funciona em parceria com entidades católicas como o
Centro Madre Teresa de Calcutá, sob uma ponte no bairro San Martín.
"Venho todo dia há anos, já sou da família aqui", disse o desempregado
Vladimir García, de 56 anos, ao receber um prato de sopa - que tem
ajudado Fernanda a organizar a fila no local. "Talvez o socialismo tenha
feito muito pela Venezuela, mas nunca tivemos essas filas enormes para
tudo antes. Nem essa escassez de produtos alimentícios. É uma loucura
para uma nação tão rica."
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