terça-feira, 29 de abril de 2014

'Ainda não matou ele?'
Carlos Tautz - Blog do Ricardo Noblat 
São tantas as coincidências em torno dos assassinatos dos coronéis Paulo Malhães, na sexta (25) em Nova Iguaçu (RJ), e Julio Molina em novembro de 2012 em Porto Alegre (RS), que não se pode desprezar a possibilidade de queima de arquivo.
Ambos participaram ativamente da tortura política no Rio das décadas de 1970 e 80, guardavam arquivos pessoais sobre suas atividades (parte dos de Malhães estava em computadores roubados) e foram mortos a tiros – Molina com 15 perfurações, de três calibres. Nos dois casos, houve suposta tentativa de roubo de armas que colecionavam.
Malhães foi lotado no gabinete do Ministro do Exército e operava no escritório carioca do extinto Serviço Nacional de Informações. No mês passado, admitiu à Comissão Nacional da Verdade (CNV) ter torturado presos políticos. Molina comandou o Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) em 1981, quando seus militares explodiram uma bomba no Riocentro.
Só estas circunstâncias já seriam suficientes para adiar o sepultamento de Malhães no sábado (26), até que fossem feitos laudo cadavérico e perícia aprofundada no local do crime. Mas, a autorização para o sepultamento foi baseada em lacônica guia que atestava como causa da morte edema pulmonar e isquemia do miocárdio.
Paulo Malhães. Foto: Pedro Kirilos
A necessidade de cautela aumentou com a reportagem de Diana Brito na Folha de São Paulo de sábado. Enquanto a imprensa carioca se fiou nos declarações oficiais, um afilhado e vizinho de Malhães contou à repórter ter ouvido da viúva (Cristina) que os três assassinos se comunicavam por rádio com uma quarta pessoa que insistia: “Ainda não matou ele?”. E, em situação incomum a latrocínios, os assassinos impuseram nove longas horas de tortura ao coronel aposentado, como a que enviar mensagens a outros antigos torturadores interessados em contar o que sabem.
À medida que a vida de Manhães vem à tona, outras hipóteses para a morte ganham força e precisam ser investigadas. Uma delas é a de, como dizem os matadores, crime de mando. A exemplo de outros torturadores que ficaram desempregados com a volta da democracia, Manhães foi trabalhar para o Jogo do Bicho, no caso, para Anísio, da Beija-Flor. Além disso, o bairro Marapicu, onde o torturador morava, é controlado por milícias, que em última instância autorizam, ou não, a presença ali de homens como ele.
Nesse emaranhado de hipóteses que ligam passado e presente, a Polícia Civil não poderia ter dispensado a ajuda da Federal – Manhães era de especial interesse à CNV. Agora, para garantir segurança a outros potenciais depoentes, é urgente a solução desse crime. E nisso é preponderante a participação da PF.

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