Ajuste fiscal a canetadas
O Estado de S.Paulo
A área técnica do Ministério da Previdência Social e o
próprio ministro Garibaldi Alves Filho tiveram de engolir a improvável
projeção do déficit do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) em 2014
feita sob medida pelo Ministério da Fazenda para justificar a promessa
do governo de que, neste ano, o superávit primário do setor público
ficará em 1,9% do PIB. Nos anexos que embasam as projeções utilizadas na
elaboração do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para
2015, o déficit do RGPS, regime de responsabilidade do Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS), foi estimado em R$ 40,1 bilhões -
valor muito próximo ao utilizado pelo governo ao anunciar a meta do
superávit primário, mas que, há um mês, o ministro Garibaldi Alves
considerara "completamente irreal", pois a área técnica de seu
ministério previa um rombo de cerca de R$ 50 bilhões, semelhante ao
déficit de 2013.
Para tentar conter a rápida corrosão da credibilidade da política
fiscal, marcada nos últimos anos por manobras e artifícios contábeis, o
governo Dilma considerou necessário assumir, logo no início de 2014, o
compromisso de, pelo menos, repetir o resultado fiscal de 2013. Mas,
para chegar à meta do superávit primário de 1,9% do PIB - que deveria
ser alcançada com o corte real e expressivo de despesas correntes, como
exige o atual quadro econômico, mas não recomendam as necessidades
político-eleitorais da presidente Dilma Rousseff -, o governo
simplesmente ajustou alguns números, entre os quais os do RGPS.
Para ter uma ideia do absurdo do déficit previdenciário anunciado
pelo governo - e confirmado pelos documentos anexados ao projeto de LDO
para o próximo ano -, basta examinar alguns dados recentes do INSS. O
déficit previsto para 2014 corresponde à redução de praticamente 20% em
relação ao déficit registrado no ano passado. O déficit de 2013
corresponde a 1,04% do PIB; o previsto para 2014, a 0,76%.
É um corte substancial, tanto em valor nominal como em porcentagem do
PIB, sem que tenha havido nenhuma grande mudança nas regras de
concessão dos benefícios, nem na dinâmica populacional, nem no mercado
de trabalho que o justifique, o que mostra seu caráter fictício. Ciente
de que a projeção não correspondia ao que apontam os dados recentes, o
ministro da Previdência disse que números como esses "acabam depondo
contra a gente".
Forçado pela presidente a se retratar, Garibaldi admitiu que as
projeções do Ministério da Fazenda poderiam se confirmar neste ano. Os
dados anexados ao projeto da LDO mostram que o ministro, afinal, se
rendeu às manobras aritméticas do governo para justificar suas promessas
na área fiscal. Continua firme no cargo.
Quem por convicção técnica e por senso de responsabilidade no
exercício de função pública não concordou em participar dessas manobras
pagou com o cargo. O secretário de Políticas de Previdência Social
responsável pelas projeções que o ministro anunciou em março, Leonardo
Rolim Guimarães, pediu demissão no início deste mês. Muito
provavelmente, se não o fizesse, teria sido demitido - pois a política
fiscal, vê-se agora, também se faz a canetadas. Sua exoneração não foi
assinada pelo ministro da Previdência Social, seu superior imediato, mas
pelo ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante.
A rendição da equipe técnica da Previdência aos padrões da política
fiscal dilmista parece ter sido quase completa. Nas projeções
financeiras e atuariais para o RGPS anexadas ao projeto de LDO, eles
afirmam que os dados sobre receitas se basearam nos cenários
estabelecidos pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da
Fazenda para estabelecer os novos parâmetros da política fiscal. O
principal desses parâmetros é justamente a meta de superávit primário
para 2014.
Não parece ser mera coincidência o fato de, depois de 2016, quando
não há mais parâmetros do Ministério da Fazenda para o crescimento do
PIB, o déficit previdenciário como porcentagem do PIB - praticamente
estável até 2017 - passar a crescer na velocidade em que crescia até
2013.
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