Carl Zimmer - NYT
Cientistas da Islândia produziram uma imagem inédita da formação genética de todo um país, descobrindo uma série de mutações genéticas até agora desconhecidas que podem atuar em doenças tão diversas quanto a de Alzheimer, doença cardíaca e pedras na vesícula.
"Este é um trabalho surpreendente, não há dúvida sobre isso", disse Daniel G. MacArthur, geneticista no Hospital Geral de Massachusetts (EUA) que não participou da pesquisa. "Eles conseguiram obter mais dados genéticos de uma parcela muito maior da população do que em qualquer outro país do mundo."
Em uma série de trabalhos publicados na quarta-feira (25) na "Nature Genetics", pesquisadores da empresa de genética islandesa Decode, propriedade da Amgen, descreveram o sequenciamento de genomas -- o DNA completo -- de 2.636 islandeses, a maior coleção já analisada de uma única população humana.
Com esse tesouro de informação genética, os cientistas conseguiram inferir com precisão os genomas de mais de 100 mil outros islandeses, ou quase um terço de todo o país.
"Do ponto de vista técnico, esses trabalhos são uma façanha", disse David Reich, geneticista na Escola de Medicina de Harvard (EUA) que não participou da pesquisa.
Enquanto algumas doenças, como fibrose cística, são causadas por uma única mutação genética, as mais comuns não o são. Em vez disso, mutações de vários genes diferentes podem aumentar o risco de contrair, por exemplo, doença cardíaca ou câncer de seio. Descobrir essas mutações pode projetar luz sobre essas doenças e indicar possíveis tratamentos. Mas muitas delas são raras, o que torna necessário pesquisar grandes grupos de pessoas para encontrá-las.
A riqueza dos dados obtidos na Islândia pode permitir que os cientistas façam isso.
Em seu novo estudo, os pesquisadores da Decode apresentam várias dessas mutações reveladoras. Por exemplo, eles descobriram que oito pessoas na Islândia partilhavam uma mutação em um gene chamado MYL4. Registros médicos mostraram que elas também têm fibrilação atrial precoce, um tipo de arritmia cardíaca.
Gilian McVean, um geneticista da Universidade de Oxford (Inglaterra) que não participou do estudo, disse que descobrir uma associação rara dessa maneira "é uma espécie de santo graal" para os geneticistas.
Luke Jostins, também de Oxford, ficou intrigado por outra rara mutação descoberta pela Decode, que influencia o nível de um hormônio que estimula a glândula tireoide.
Quando os islandeses recebem a mutação de suas mães, eles fabricam mais hormônio, descobriu o pesquisador. Mas quando a recebem dos pais, produzem menos.
Jostins chamou a descoberta de "superestranha" e quer ver o resultado replicado em outros lugares. "Se for verdadeiro, é uma grande descoberta, o tipo de coisa que realmente pode influenciar a nova biologia", disse ele.
Os cientistas também encontraram uma mutação rara em um gene chamado ABDB4, que aumenta o risco de pedras na vesícula. E identificaram um gene chamado ABCA7 como um fator de risco para a doença de Alzheimer. Estudos anteriores haviam sugerido que um gene na vizinhança genética do ABCA7 estava associado à doença. Mas o estudo na Islândia identificou o próprio gene - e até a mutação específica envolvida.
Nos últimos anos, os geneticistas têm buscado as causas de doenças não apenas procurando pessoas portadoras de mutações, mas também as que não têm uma cópia funcional de um determinado gene. Os cientistas as chamam de "nocautes humanos".
Os pesquisadores da Decode procuraram nocautes humanos na Islândia -- e encontraram muitos. Quase 8% dos islandeses não têm uma versão funcional de um gene. Ao todo, a equipe da Decode identificou 1.171 genes desativados em nocautes islandeses.
Em um estudo de 2012, MacArthur e seus colegas puderam identificar apenas 253 genes desativados em humanos.
Em uma entrevista, o doutor Kari Stefansson, fundador da Decode, disse que ele e seus colegas hoje estão em contato com nocautes islandeses para ver se eles permitirão mais estudos destinados a descobrir as consequências fisiológicas dos genes ausentes.
Desde que Stefansson e seus colegas submeteram seus resultados iniciais à publicação, continuaram coletando DNA de islandeses. Hoje os cientistas têm genomas completos de cerca de 10 mil islandeses e informação genética parcial de outros 150 mil.
Com uma técnica chamada imputação, os pesquisadores dizem que são capazes de determinar os genomas completos de pessoas que nem sequer examinaram. Stefansson disse que isso significa que sua firma poderia gerar um relatório de doença genética de cada pessoa na Islândia.
Com um apertar de botão, por exemplo, a firma pode identificar cada pessoa com a conhecida mutação BRCA1, que aumenta drasticamente o risco de câncer de seio e ovário - mesmo que as pessoas não tenham se submetido a testes genéticos.
Atualmente, essa informação não é oferecida aos islandeses, mas Stefansson espera que o governo mude essa política. "É um crime não procurar essas pessoas", disse ele.
A Islândia é um país especialmente fértil para a pesquisa genética. Foi fundada por um pequeno número de colonos da Europa que chegaram há cerca de 1.100 anos. Entre 8 mil e 20 mil pessoas vieram principalmente da Escandinávia, da Irlanda e da Escócia.
O país continuou isolado nos mil anos seguintes, e por isso os islandeses vivos têm um nível relativamente baixo de diversidade genética. Isto facilita para os cientistas detectarem variações genéticas que aumentam o risco de doenças, porque há menos delas para examinar.
A Islândia também tem um registro genealógico impressionante. Por meio de poemas épicos e documentos históricos, muitos islandeses podem rastrear sua ancestralidade até os primeiros a chegar ao país. Os geneticistas usam os bancos de dados genealógicos nacionais para procurar doenças que são geralmente comuns entre parentes -- um sinal de que eles compartilham uma mutação.
Stefansson fundou a Decode em 1996 para explorar a paisagem genética de seu país. Nos anos seguintes o governo criou uma regulamentação que permite que os islandeses aceitem ter seu DNA analisado e comparado com seu histórico médico.
Inicialmente, os pesquisadores da Decode procuraram um conjunto de marcadores genéticos conhecido por variar de pessoa a pessoa. Mas elos promissores não levaram a novos tratamentos e em 2009 a Decode pediu falência.
Em 2012, a gigante de biotecnologia Amgen comprou a Decode por US$ 415 milhões. A companhia examina os resultados recém-publicados buscando pistas para novas drogas eficazes.
Sean E. Harper, diretor de pesquisa e desenvolvimento da Amgen, disse que a empresa hoje está investigando um gene descoberto pela Decode que tem uma forte ligação com a doença cardiovascular na Islândia. Ele não revelou o nome do gene.
Enquanto muitos pesquisadores tentam tratar a doença cardíaca visando os níveis de colesterol, essa nova mutação parece afetar a doença cardíaca por um caminho totalmente diferente.
Harper disse esperar muito mais descobertas no DNA dos islandeses. "Eles podem ser faróis condutores para nós", disse.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Em uma série de trabalhos publicados na quarta-feira (25) na "Nature Genetics", pesquisadores da empresa de genética islandesa Decode, propriedade da Amgen, descreveram o sequenciamento de genomas -- o DNA completo -- de 2.636 islandeses, a maior coleção já analisada de uma única população humana.
Com esse tesouro de informação genética, os cientistas conseguiram inferir com precisão os genomas de mais de 100 mil outros islandeses, ou quase um terço de todo o país.
"Do ponto de vista técnico, esses trabalhos são uma façanha", disse David Reich, geneticista na Escola de Medicina de Harvard (EUA) que não participou da pesquisa.
Enquanto algumas doenças, como fibrose cística, são causadas por uma única mutação genética, as mais comuns não o são. Em vez disso, mutações de vários genes diferentes podem aumentar o risco de contrair, por exemplo, doença cardíaca ou câncer de seio. Descobrir essas mutações pode projetar luz sobre essas doenças e indicar possíveis tratamentos. Mas muitas delas são raras, o que torna necessário pesquisar grandes grupos de pessoas para encontrá-las.
A riqueza dos dados obtidos na Islândia pode permitir que os cientistas façam isso.
Em seu novo estudo, os pesquisadores da Decode apresentam várias dessas mutações reveladoras. Por exemplo, eles descobriram que oito pessoas na Islândia partilhavam uma mutação em um gene chamado MYL4. Registros médicos mostraram que elas também têm fibrilação atrial precoce, um tipo de arritmia cardíaca.
Gilian McVean, um geneticista da Universidade de Oxford (Inglaterra) que não participou do estudo, disse que descobrir uma associação rara dessa maneira "é uma espécie de santo graal" para os geneticistas.
Luke Jostins, também de Oxford, ficou intrigado por outra rara mutação descoberta pela Decode, que influencia o nível de um hormônio que estimula a glândula tireoide.
Quando os islandeses recebem a mutação de suas mães, eles fabricam mais hormônio, descobriu o pesquisador. Mas quando a recebem dos pais, produzem menos.
Jostins chamou a descoberta de "superestranha" e quer ver o resultado replicado em outros lugares. "Se for verdadeiro, é uma grande descoberta, o tipo de coisa que realmente pode influenciar a nova biologia", disse ele.
Os cientistas também encontraram uma mutação rara em um gene chamado ABDB4, que aumenta o risco de pedras na vesícula. E identificaram um gene chamado ABCA7 como um fator de risco para a doença de Alzheimer. Estudos anteriores haviam sugerido que um gene na vizinhança genética do ABCA7 estava associado à doença. Mas o estudo na Islândia identificou o próprio gene - e até a mutação específica envolvida.
Nos últimos anos, os geneticistas têm buscado as causas de doenças não apenas procurando pessoas portadoras de mutações, mas também as que não têm uma cópia funcional de um determinado gene. Os cientistas as chamam de "nocautes humanos".
Os pesquisadores da Decode procuraram nocautes humanos na Islândia -- e encontraram muitos. Quase 8% dos islandeses não têm uma versão funcional de um gene. Ao todo, a equipe da Decode identificou 1.171 genes desativados em nocautes islandeses.
Em um estudo de 2012, MacArthur e seus colegas puderam identificar apenas 253 genes desativados em humanos.
Em uma entrevista, o doutor Kari Stefansson, fundador da Decode, disse que ele e seus colegas hoje estão em contato com nocautes islandeses para ver se eles permitirão mais estudos destinados a descobrir as consequências fisiológicas dos genes ausentes.
Desde que Stefansson e seus colegas submeteram seus resultados iniciais à publicação, continuaram coletando DNA de islandeses. Hoje os cientistas têm genomas completos de cerca de 10 mil islandeses e informação genética parcial de outros 150 mil.
Com uma técnica chamada imputação, os pesquisadores dizem que são capazes de determinar os genomas completos de pessoas que nem sequer examinaram. Stefansson disse que isso significa que sua firma poderia gerar um relatório de doença genética de cada pessoa na Islândia.
Com um apertar de botão, por exemplo, a firma pode identificar cada pessoa com a conhecida mutação BRCA1, que aumenta drasticamente o risco de câncer de seio e ovário - mesmo que as pessoas não tenham se submetido a testes genéticos.
Atualmente, essa informação não é oferecida aos islandeses, mas Stefansson espera que o governo mude essa política. "É um crime não procurar essas pessoas", disse ele.
A Islândia é um país especialmente fértil para a pesquisa genética. Foi fundada por um pequeno número de colonos da Europa que chegaram há cerca de 1.100 anos. Entre 8 mil e 20 mil pessoas vieram principalmente da Escandinávia, da Irlanda e da Escócia.
O país continuou isolado nos mil anos seguintes, e por isso os islandeses vivos têm um nível relativamente baixo de diversidade genética. Isto facilita para os cientistas detectarem variações genéticas que aumentam o risco de doenças, porque há menos delas para examinar.
A Islândia também tem um registro genealógico impressionante. Por meio de poemas épicos e documentos históricos, muitos islandeses podem rastrear sua ancestralidade até os primeiros a chegar ao país. Os geneticistas usam os bancos de dados genealógicos nacionais para procurar doenças que são geralmente comuns entre parentes -- um sinal de que eles compartilham uma mutação.
Stefansson fundou a Decode em 1996 para explorar a paisagem genética de seu país. Nos anos seguintes o governo criou uma regulamentação que permite que os islandeses aceitem ter seu DNA analisado e comparado com seu histórico médico.
Inicialmente, os pesquisadores da Decode procuraram um conjunto de marcadores genéticos conhecido por variar de pessoa a pessoa. Mas elos promissores não levaram a novos tratamentos e em 2009 a Decode pediu falência.
Em 2012, a gigante de biotecnologia Amgen comprou a Decode por US$ 415 milhões. A companhia examina os resultados recém-publicados buscando pistas para novas drogas eficazes.
Sean E. Harper, diretor de pesquisa e desenvolvimento da Amgen, disse que a empresa hoje está investigando um gene descoberto pela Decode que tem uma forte ligação com a doença cardiovascular na Islândia. Ele não revelou o nome do gene.
Enquanto muitos pesquisadores tentam tratar a doença cardíaca visando os níveis de colesterol, essa nova mutação parece afetar a doença cardíaca por um caminho totalmente diferente.
Harper disse esperar muito mais descobertas no DNA dos islandeses. "Eles podem ser faróis condutores para nós", disse.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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