quarta-feira, 1 de abril de 2015

Embate entre liberdade religiosa e igualdade nem sempre é virtuoso
David Brooks - NYT
Ao longo das últimas décadas, os Estados Unidos se envolveram em uma grande luta para equilibrar os direitos civis com a liberdade religiosa. Por um lado, há um consenso crescente de que heterossexuais e homossexuais merecem plena igualdade. Devemos ser julgados pelo modo como nós amamos e não por quem nós amamos. Se não é errado negar aos gays e lésbicas seus plenos direitos civis e dignidade, então nada é errado. Gays e lésbicas não apenas devem poder casar e viver como quiserem, mas devem ser honrados por isso.
Por outro lado, esta nação foi fundada sobre a tolerância religiosa. Os caminhos do Senhor são misteriosos e são entendidos de forma diferente por diferentes tradições. Na melhor das hipóteses, os norte-americanos sempre acreditaram que as pessoas devem ter a maior autonomia possível para praticar a sua fé como entenderem e até não exercerem qualquer fé. Embora existam muitos fanáticos, há também muitas pessoas sábias e profundamente humanas cujas crenças religiosas profundamente arraigadas envolvem definições heterossexuais de casamento. Essas pessoas são dignas de tolerância, respeito e de uma persuasão gentil.
O movimento pelos direitos dos homossexuais tem promovido sua causa respeitando cuidadosamente a liberdade religiosa e os pilares tradicionais da sociedade norte-americana. A causa tem tido como foco o casamento e o serviço militar e evita um ataque frontal ao exercício da fé.
A Lei de Restauração da Liberdade Religiosa de 1993, que foi defendida pelo senador Ted Kennedy e uma grande legião de progressistas, evitou o argumento teológico abstrato e a polarização. Em vez disso, debruçou-se sobre os fatos concretos de casos específicos. A lei afirma basicamente que o governo, por vezes, tem de violar a liberdade religiosa a fim de buscar a igualdade e outros bens, mas, quando isso ocorre, deve ter uma razão convincente e deve procurar a forma menos intrusiva possível.
Esta estratégia moderada, centrada e gradual produziu resultados surpreendentes. Menos pessoas têm de enfrentar o horror da intolerância, o isolamento, a marginalização e o preconceito.
No entanto, pergunto-me se essa conquista fenomenal está saindo dos trilhos. O Estado de Indiana aprovou uma lei estadual similar à Lei Federal de 1993 e provocou uma incrível tempestade.
Se os adversários da lei argumentassem que o estatuto de Indiana vai além dos padrões federais, talvez fossem convincentes. Mas não é esse o argumento dos seus oponentes.
Em vez disso, o argumento parece ser que a abordagem concreta caso a caso do ato federal está errada. Os adversários parecem estar dizendo que não há uma tensão válida entre o pluralismo religioso e a igualdade. As alegações de liberdade religiosa são uma forma de acobertar o fanatismo anti-gay.
Este desvio parece imprudente, tanto por uma questão de pragmatismo quanto por uma questão de princípio. Em primeiro lugar, se não houver uma tentativa de equilibrar a liberdade religiosa e os direitos civis, a causa dos direitos dos homossexuais será associada à coação, e não à libertação.
Algumas pessoas perderam seus empregos por expressar oposição ao casamento gay. Há muitas histórias como a da padaria do Estado de Oregon ameaçada a pagar uma multa de US$ 150 mil (em torno de R$ 480 mil) porque preferiu não fazer um bolo de casamento para uma cerimônia de pessoas do mesmo sexo. Um movimento que defende a tolerância não quer estar do lado de um governo que obriga um fotógrafo que é cristão evangélico a gravar um casamento homossexual que ele preferia evitar.
Além disso, o movimento evangélico está evoluindo. Muitos jovens evangélicos entendem que sua fé não deve ser definida por esta questão. Se os cristãos ortodoxos forem subitamente excluídos da sociedade educada como os Bull Connors de hoje, isso só iria impedir o progresso, polarizar o debate e levar a uma sangrenta guerra de todos contra todos.
Por uma questão de princípio, a liberdade religiosa é um valor que simplesmente merece o nosso mais profundo respeito, mesmo nos casos em que leva a desentendimentos tão fundamentais como a definição de casamento.
A moralidade é uma cortesia da alma. Ser profundamente educado envolve fazer concessões. Certas verdades básicas são inalienáveis. A discriminação sempre é errada. Em casos de intolerância, o martelo bate. Mas, como vizinhos em uma sociedade pluralista, tentamos transformar confrontos filosóficos (sobre certo e errado) em problemas de vizinhança, nos quais diferentes pessoas têm espaço para conduzir suas vidas por trajetórias diferentes. Nos casos em que pessoas com valores diferentes discordam, buscamos uma solução criativa.
Na comunidade judaica, os judeus conservadores são geralmente respeitosos em relação aos judeus ortodoxos, que não aceitam usar seus talheres. Os homens são geralmente educados com as mulheres ortodoxas, que preferem não dar as mãos em cumprimento. Na comunidade maior, esta polidez respeitosa funciona melhor.
O movimento de direitos dos homossexuais tem hoje uma posição tal que pode se dar ao luxo de oferecer este respeito, pois está em um ponto onde a pressão constante funciona melhor do que a compulsão.
É sempre mais fácil assumir uma posição absolutista. Mas, em um confronto de valores como o que existe entre o pluralismo religioso e a igualdade, esse absolutismo não é pragmático, virtuoso nem verdadeiro.
Tradução: Deborah Weinberg

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