quinta-feira, 2 de abril de 2015

Preço da água, e não a engenharia, vai reduzir a escassez no futuro
Ao tentar solucionar a falta de água com engenharia, líderes brasileiros repetem erros cometidos pelos norte-americanos
Scott Moore - TINYT
As autoridades de São Paulo, a maior cidade do Brasil, anunciaram recentemente que, se persistirem as atuais condições de seca, elas serão obrigadas a restringir o fornecimento de água para a cidade de 20 milhões de habitantes a apenas dois dias por semana. As implicações econômicas e sociais de tal decisão são assustadoras. Uma autoridade do setor admitiu que os moradores poderão ter de "sair de São Paulo" para tomar banho.
A mesma combinação de aumento da demanda e declínio da oferta que aflige o abastecimento hídrico de São Paulo também afeta o oeste note-americano, e seria tolice não pensar que algumas cidades da região poderão acabar como a brasileira, em um futuro não muito distante.
O mau planejamento, a mudança climática e o excesso de confiança nas soluções de engenharia para problemas de falta de água ameaçam cidades em todo o mundo. A menos que os políticos em Washington e nas capitais estaduais aprendam as lições do Brasil e de outros países que enfrentam a escassez, partes dos Estados Unidos também ficarão secas nas próximas décadas.
Assim como na maioria das grandes cidades do mundo, a água de São Paulo é fornecida por um sistema gigantesco de canais, reservatórios e tubulações que transportam o líquido para a cidade a centenas de quilômetros de distância. Embora o sistema funcione há décadas, não acompanhou o ritmo da crescente demanda com o aumento da população urbana.
Ainda mais importante, a destruição da floresta amazônica reduziu as chuvas na região que abastece São Paulo de água, enquanto a mudança climática tornou o Brasil mais suscetível a um ciclo vicioso de enchentes e secas. Sobretudo, esta crise mostra os limites que as mudanças humanas e naturais impõem às soluções da engenharia para a falta de água. Mas as autoridades brasileiras do setor estão prometendo mais da mesma coisa, planejando um novo conjunto de reservatórios e canais para fornecer a São Paulo água de fontes ainda mais distantes.
Nessa tentativa, os líderes brasileiros estão repetindo erros cometidos pelos norte-americanos. A Califórnia e o Arizona são Estados do oeste que contam com feitos gigantescos de engenharia para bombear água das nascentes na montanha e de rios como o Colorado para cidades como Los Angeles e Phoenix. Mas as tensões começam a aparecer. Na bacia do rio Colorado, uma seca de 14 anos obrigou as autoridades federais a racionar o fluxo do rio para o lago Mead, que funciona como um reservatório gigante para o Arizona e a Califórnia. No início deste ano, a Nasa advertiu que é provável que "megassecas" se tornem mais comuns em todo o sudoeste dos EUA. Diante dessa nova realidade, os políticos norte-americanos deveriam dar três passos importantes para mudar o modo como o país enfrenta a seca e a escassez de água.
Primeiro, os EUA precisam se afastar das soluções de engenharia em favor de abordagens econômicas. Na maior parte do país, o preço da água simplesmente é baixo demais, dando aos usuários pouco incentivo para conservar e adotar tecnologias novas e mais eficientes. Uma solução promissora é criar mercados que permitam às pessoas comprar e vender os direitos ao uso da água.
Em uma abordagem de mercado, os reguladores estabelecem um limite para a quantidade total de água que pode ser usada em determinada área. O direito a usar uma certa parte desse volume é concedido a diferentes usuários, incluindo agricultores e distribuidoras. Os usuários que gastarem menos água que a quantidade permitida poderão vender o excedente para outros usuários, com um lucro, incentivando a conservação e o investimento em tecnologia e processos mais eficientes. Os mercados de água também podem incluir características como bancos de água, que permitem que os usuários salvem o líquido não usado nas épocas de fartura para usá-lo nos períodos de seca.
Existem mercados e bancos de água em algumas partes dos EUA, mas regras estaduais e federais conflitantes tornam difícil integrá-los e expandi-los. Criar mercados de água maiores, cobrindo mais usuários, é um passo crítico para incentivar o uso mais inteligente dos recursos hídricos cada vez menores, especialmente no oeste dos EUA. Washington deve trabalhar com os Estados para criar regras claras e uniformes que incentivem o desenvolvimento de mercados de água interestaduais em grande escala, cobrindo áreas urbanas e rurais, e garantir que a água seja alocada para os usos mais importantes em tempos de escassez.
Segundo, o governo federal deveria mudar a ênfase dos programas destinados a ajudar regiões atingidas pela seca. As respostas políticas não deveriam tratar as condições de seca como uma crise temporária que exige ação imediata. Em vez disso, a adaptação em longo prazo deve ser incentivada. A Austrália abriu caminho nessa abordagem ao substituir os programas de assistência temporária por iniciativas como substituir plantações de uso intensivo de água em regiões inclinadas à seca por variedades menos sedentas.
Terceiro, os EUA precisam de liderança política para atacar a falta de água. Esse é um desafio em longo prazo, e enfrentá-lo exige um compromisso político sustentado. Como descobriram os líderes de São Paulo, ignorar o problema poderá levar ao desastre. Os políticos, especialmente as autoridades responsáveis pelos recursos hídricos, devem promover uma franca discussão sobre as compensações que devem ser feitas se o suprimento de água diminuir e sobre que usuários devem ter prioridade em tempos de seca.
Os norte-americanos, como os brasileiros, devem se preparar para uma nova era de escassez de água. Mas com planejamento e liderança, as cidades norte-americanas não precisam ver as torneiras secarem. Está na hora de Washington, Brasília e outras capitais pararem de contar com soluções de engenharia e começarem a se concentrar em soluções sustentáveis para a falta de água.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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