quarta-feira, 1 de abril de 2015

Toponímia é antiga obsessão da extrema direita francesa
Frédéric Giraut - Le Monde
Pascal Rossignol/Reuters
Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, partido de extrema direita na França, deixa cabine de votação nas eleições departamentais de março Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, partido de extrema direita na França, deixa cabine de votação nas eleições departamentais de março
A extrema direita xenófoba na França cultiva seu populismo com um discurso simplista sobre o suposto necessário bom senso contra as ideologias. Ela sistematicamente contesta dessa forma toda uma série de iniciativas municipais, departamentais ou regionais por seu caráter internacionalista e intelectual, no domínio cultural e memorial. Sua retórica reacionária muitas vezes se alinha à interpretação proposta pelo economista americano Albert O. Hirschman (1915-2012).
Esse discurso se soma ao da direita promotora da identidade nacional, uma vez que invoca a inutilidade dessas iniciativas culturais. A ele são atribuídos efeitos perversos que contribuiriam para a perda de referências e para o comprometimento de valores essenciais à coesão nacional.
A toponímia, na condição de domínio do simbólico e do ideológico, muitas vezes é remetida, nesse tipo de discurso, à inanidade em relação às verdadeiras questões que seriam aquelas da vida cotidiana local e das necessárias economias a se fazer. Em contextos muito diferentes, muitas vezes foi com esses argumentos que se rejeitaram ou contestaram iniciativas feministas ou internacionalistas que também se revelaram reacionárias nesse domínio.
Em Elne, em Limeil-Brévannes e em Romorantin, nomes femininos homenageando figuras nacionais e internacionais de resistentes ou de feministas, previstos para novas ruas, foram abandonados ou contestados sob diferentes pretextos. Assim, as pessoas preferiram uma rua Canigou a uma rua Rosa Parks ou Olympe de Gouges, em Elne, enquanto que em Limeil-Brévannes, a nova municipalidade voltou em sua decisão em um batismo homenageando essa última figura histórica emblemática para os movimentos feministas, para promover dessa vez outras figuras femininas mais locais; por fim, uma parlamentar da Frente Nacional em Romorantin chamou esse mesmo ícone feminista de "não sognolote" e "espécie de prostituta" para contestar a nomeação de uma avenida com seu nome.
Um espaço perfeito para esse tipo de disputa política reacionária e muito ideológica é o das nomeações com o nome de Nelson Mandela. Estas eram rejeitadas nos anos 1980, pois celebravam um comunista e um terrorista. No Reino Unido, na França e na Holanda, a decisão de rebatizar um lugar como Nelson Mandela conseguiu ser derrubada por novas equipes, bem como em Sartrouville, em 1989.
A extrema direita chegou a intervir espalhafatosamente nesse campo no final dos anos 1990 quando Nelson Mandela, presidente da nova África do Sul e Prêmio Nobel da Paz, já havia adquirido um status de figura internacional de defesa dos direitos humanos e da paz. Assim, a praça Nelson Mandela de Vitrolles se tornou a Place de Provence, enquanto em outro lugar, na cidade governada pelo casal Mégret, uma figura de extrema direita (Jean-Pierre Stirbois) pôde ser homenageada no lugar de uma outra figura pós-colonial como Jean-Marie Tjibaou.
Essas iniciativas reacionárias mexeram os pauzinhos para não poderem ser claramente associadas a motivações racistas ou sexistas, promovendo em contrapartida figuras e símbolos locais e regionais no caso de Vitrolles, e/ou promovendo figuras femininas ou negras no lugar das desbatizadas: Marguerite de Provence no lugar de Dulcie September (a representante assassinada do CNA na França) em Vitrolles; Félix Eboué no lugar de Nelson Mandela em Sartrouville.
A nova onda de parlamentares de extrema direita está sendo levada a se pronunciar sobre as escolhas do nome Nelson Mandela, em um outro contexto que é o de uma homenagem quase universal, inclusive pela direita, de uma figura dos valores democráticos e da defesa dos direitos humanos. Assim, iniciativas nesse sentido dispararam desde o início dos anos 2010 e particularmente a partir do final de 2013, com a morte de Mandela. Às vezes ele é colocado pela direita no mesmo patamar que o co-laureado do prêmio Nobel e ex-dirigente do regime do apartheid Frederik de Klerk, ou pode servir para apagar a memória dos combates de municipalidades comunistas anteriores como em Yerres, onde o nome de Mandela foi dado à ponte de Soweto que homenagearia o mártir dos militantes anti-apartheid na África do Sul, ou em Saint-Cyr, quando o nome de Nelson Mandela foi dado à rua Georges Dimitrov, resistente anti-nazista e primeiro líder do partido comunista búlgaro.
Mas os parlamentares de extrema direita, longe de participarem dessa homenagem que varia de acordo com as circunstâncias ao ícone Mandela, são contrários a ela com uma constância notável. Os argumentos, contudo, variam dependendo de se os parlamentares se alinham com o discurso oficial da direção da Frente Nacional, buscando respeitabilidade, ou se trazem de novo à tona uma natureza muitas vezes presente no local. Assim, desde as eleições municipais de 2014, em Toulon, Lomme, Lyon e Saint-Etienne, os parlamentares da Frente Nacional se recusaram a votar a favor do uso do nome Nelson Mandela para batizar o pátio da nova estação ferroviária, um estabelecimento regional de ensino adaptado (EREA) e duas esplanadas.
Eles usaram como argumento, no primeiro caso, o mau tratamento infligido à memória do general golpista Salan, homenageado em sua época pela prefeitura da Frente Nacional, e nos dois casos seguintes, uma oposição à "internacionalização da cidade", e por fim em Saint-Etienne, eles retomaram a ladainha sobre o caráter comunista e terrorista de Nelson Mandela e sua contribuição somente passiva para o fim do apartheid.
Por fim, em Béziers, o novo prefeito de extrema direita, em um primeiro momento, quis desbatizar a nova escola Nelson Mandela na nova rua Frederik De Klerk, para lhe dar o nome de um poeta occitano que faleceu subitamente, mas depois voltou atrás. Mas longe de abandonar o campo toponímico, a priori tão afastado de seus discursos pragmáticos e anti-ideológicos, ele começou, assim como seus antecessores prefeitos da Frente Nacional dos anos 1990, a apagar a lembrança dos acordos de paz de Evian que selaram a última guerra colonial francesa para homenagear um de seus atores engajados.
Assim, apesar de seu discurso visando deslegitimar a promoção de figuras ideológicas na toponímia, a extrema direita está sempre tentada a impor seu próprio panteão, feito sobretudo de figuras coloniais e singularmente extremistas da Argélia francesa.
Não se deve nunca subestimar a extrema direita, sua natureza e suas referências históricas e ideológicas subjacentes tentam voltar à tona na primeira oportunidade.

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