quinta-feira, 28 de maio de 2015

Havia como Lula e Dilma não saberem da lambança na estatal? A resposta é “Não”. Ou: A questão penal e a questão política
Reinaldo de Azevedo - VEJA
Como diria o velho marquês, vamos botar um pouco de ordem na orgia, não é mesmo? Os deputados da CPI da Petrobras estão em Curitiba, onde ficam até amanhã, para ouvir alguns dos depoentes. O doleiro Alberto Youssef foi o primeiro a prestar depoimento fora de Brasília. Ele reafirmou a convicção, o que fez desde o primeiro momento, de que o Palácio do Planalto — leiam-se: Lula e Dilma — sempre soube do esquema, ora batizado do “petrolão”. Pois é: vamos ser claros: “Como não saber?”. Só a convicção do doleiro, no entanto, não vai ser o suficiente para que a presidente da República e o ex arquem com o peso penal da lambança. É preciso organizar a narrativa. E, até agora, tanto a Justiça Federal do Paraná como a Procuradoria-Geral da República mais afastam o caso do Planalto do que aproximam.
Desde a primeira hora, pergunto neste blog: “Quem dava o murro na mesa? Quem desempatava as pendengas quando as empreiteiras não se entendiam na divisão do butim?”. Alguém realmente acredita que Paulo Roberto Costa, o próprio Youssef, Renato Duque ou outra figura qualquer chefiassem o esquema? Ora, tenham a santa paciência, não é? Eis aí mais uma razão para descartar a tese de que a Petrobras, coitadinha!, era só vítima de empreiteiros maus.
Youssef tem prova de que Lula e Dilma soubessem? A prova material, a assinatura, não. Mas o conjunto das circunstâncias, não é?, parece ser bastante forte. O Código de Processo Penal é de 1941, e lá está, no Artigo 239, devidamente prevista a chamada prova indiciária. Leio:
“Artigo 239 – Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.”
Assim, é bobagem essa história de que só um documento assinado pode condenar alguém. Até porque os bandidos profissionais, quando incrustados no serviço público, procuram evitar os atos de ofício. Afinal, são bandidos, não idiotas.
Os deputados da CPI quiseram saber como Youssef havia formado a sua convicção. Ele deu um exemplo muito eloquente. Num dado momento, entre 2011 e 2012, na gestão Dilma, houve um racha no comando do PP, e era preciso saber com quem, afinal de contas, se devia tratar da propina regularmente paga ao partido. Youssef era, no mais das vezes, a fonte pagadora aos larápios dessa legenda, em coordenação com Paulo Roberto Costa.
Segundo o doleiro, foi preciso acionar o Palácio do Planalto, interlocução que teria sido feita por Costa: “O doutor Paulo deixou claro que quem iria indicar o interlocutor era o Planalto”, declarou Youssef. E quais os nomes dos interlocutores nessa conversa? Ele foi claro: Ideli Salvatti e Gilberto Carvalho, que eram, respectivamente, ministros das Relações Institucionais e da Secretaria-Geral da Presidência.  Pois é… Digamos que tenha acontecido: alguém acredita que é o tipo de coisa que se tenha dado sem o conhecimento de Dilma?
Youssef forneceu outro elemento: em 2010, o esquema fez uma doação para o caixa dois da campanha de Gleisi Hoffmann (PT-PR) ao Senado. O dinheiro teria sido repassado a pedido de Paulo Bernardo, então ministro do Planejamento de Lula e titular da Comunicação no primeiro mandato de Dilma. Em junho de 2011, com a queda de Antonio Palocci, a presidente leva Gleisi para ser nada menos do que a chefe da Casa Civil.
Olhem cá, meus caros… Não será na pena deste escriba que vocês lerão a defesa da condenação sem provas em matéria penal. É preciso investigar direito para encontrá-las. Mas nem o melhor trabalho é garantia absoluta de que se chega lá. Já a questão do impeachment, por crime de responsabilidade, é, sim, matéria essencialmente política. E ISSO, DE MODO NENHUM, QUER DIZER “ARBITRÁRIA”.
Alguém é realmente estúpido o bastante para considerar que Paulo Roberto Costa e Alberto Yousseff decidiam, por conta própria, com quem negociavam no PP — e, eventualmente, no PT (já que esse partido tinha outro guichê: o de Renato Duque) —, a quem davam e a quem não davam dinheiro, com que campanha iriam contribuir ou não?
Uma das falhas terríveis da apuração da Lava Jato, até agora, observem, é não ter nem sequer tocado no Poder Executivo. Há um inquérito contra Antonio Palocci, mas referente à sua função de captador de recursos para a campanha de Dilma. Há outro para investigar Edson Lobão, mas também circunscrito à sua paróquia eleitoral.
Eis um aspecto que alguns, como posso dizer?, simplórios ainda não perceberam. Há dois grandes grupos de investigados: num, estão empreiteiros e operadores como Youssef; no outro, parlamentares. Em ambos, sob os auspícios da Procuradoria-Geral da República, poupa-se o Poder Executivo. A primeira turma fica sob os cuidados de Sergio Moro; a outra, do STF. E o Poder Executivo vai se esgueirando na sombra, numa investigação que produz muito calor, mas, até agora, pouca luz sobre o essencial.
Ainda bem que a população brasileira está concluindo o que a Procuradoria-Geral da República não conseguiu concluir até agora nem concluirá: a safadeza é política e serve principalmente ao partido que está no poder: o PT. É evidente que, sem um comando central para pôr ordem na bagunça, o petrolão não teria existido nem se sustentado por tanto tempo.
Na área penal, é, sim, preciso perguntar e responder: “Há a prova de que Lula e Dilma sabiam?”, sempre levando em conta que existem as provas indiciárias para levar o juiz a decidir de forma segura. Na área política, a pergunta é outra: “Havia como Lula e Dilma não saberem?”. A resposta me parece óbvia.

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