Regalias supremas
Em descompasso com a realidade, STF prepara projeto que torna Justiça mais cara e reforça lista de mordomias dos juízes
FSP
Se entre as virtudes desejáveis num juiz se destacam a sabedoria e a
prudência, causa espécie que nenhuma delas apareça na proposta de
Estatuto da Magistratura que o Supremo Tribunal Federal prepara para
substituir a Lei Orgânica da Magistratura (Loman), de 1979.
O STF falta com a prudência ao propor, num momento de duro ajuste das
contas públicas, um Poder Judiciário maior, mais caro e menos sujeito a
controles de produtividade e eficiência.
Como mostrou reportagem desta Folha, o projeto em gestação fixa a
proporção de 1 desembargador para cada 4 juízes de primeira instância, o
que implicaria, logo de início, a criação de 834 vagas de magistrados
de segunda instância. No instante seguinte, viriam o exército de
servidores e as mordomias associados a esses cargos.
Além disso, a proposta falta com a sabedoria ao advogar por uma série de
benesses e privilégios para os magistrados que não apenas irritam a
opinião pública como ainda conspiram para tornar o país menos
republicano.
A lista de desfeitas é quase inesgotável. Começa com a surreal sugestão
de que magistrados recebam até 17 salários por ano, continua com as
promoções salariais automáticas quando o profissional se casar e tiver
filhos, passa pela concessão de auxílios para que togados e seus
familiares estudem e termina de forma bizarra com o funeral dos juízes,
que também seria custeado pelos cofres públicos.
Pretende-se ainda proibir que magistrados sejam interrogados por
quaisquer autoridades que não outros magistrados de mesmo nível
hierárquico ou superior e, talvez descontente com a lista de regalias
domésticas, o Supremo cogita de dar a todos os juízes passaportes
diplomáticos sempre que viajarem a serviço, a fim de que não tenham de
passar por grandes filas nos aeroportos de outros países.
"Crème de la crème", um dos ministros pretende que os reajustes nos
vencimentos do Judiciário deixem de ser decididos pelo Legislativo e se
tornem prerrogativa do STF, que teria a missão de perseguir a devida
"valorização institucional da magistratura".
É evidente que magistrados, como ocorre em todas as democracias, devem
receber bons salários. Mas é igualmente evidente que não devem
constituir categoria superior à de outros cidadãos.
Se esses exageros de fato se materializarem na versão final do projeto,
caberá aos parlamentares rechaçá-los. Outra providência sábia seria
retirar da Constituição o mecanismo que dá ao STF a prerrogativa
exclusiva de propor o Estatuto da Magistratura. Pelo que se conhece da
natureza humana, é tentação demais até para os juízes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário