sábado, 1 de agosto de 2015

Apesar de seu crescimento, a Índia continua rural e pobre
Julien Bouissou - Le Monde
Rupak De Chowdhuri/Reuters
Moradores disputam lugar em trem de Calcutá, na Índia, que deve ultrapassar a China e torna-se o país mais populoso do mundo em menos de uma década, seis anos antes do previsto, disse a ONU Moradores disputam lugar em trem de Calcutá, na Índia, que deve ultrapassar a China e torna-se o país mais populoso do mundo em menos de uma década, seis anos antes do previsto, disse a ONU
A Índia rural não se beneficiou muito da ascensão econômica do país ao longo dos últimos 25 anos. Essa foi uma das conclusões do vasto Censo Socioeconômico e das Castas (SECC) conduzido pelo governo indiano em 2011 junto a 243,9 milhões lares do país, e que teve parte de seus resultados publicados no início de julho. Essa radiografia revela uma mina de informações sobre a extensão da pobreza na Índia, e sugere caminhos para melhor combatê-la.
A primeira constatação foi que a Índia continua sendo um país maciçamente rural. Quase três quartos dos lares indianos vivem no campo, apesar da explosão demográfica de megalópoles como Nova Déli ou Mumbai, e ainda que a fronteira entre esses dois mundos seja porosa, considerando que muitos migrantes trabalham vários meses por ano em cidades, dependendo das oportunidades profissionais. "A Índia se encontra nos vilarejos", costumava dizer Mahatma Gandhi. Várias décadas mais tarde, essa constatação continua atual, e o nível de vida ali praticamente não melhorou.

"Pobreza e privação"

Dos lares rurais, 61% vivem em um "estado de privação", revela o SECC, ou porque suas habitações não passam de um cômodo, ou porque eles não contam com nenhum homem em idade entre 18 e 59 anos que possa gerar renda, dentre outros critérios escolhidos pela coordenação do censo. Em 90% dos lares rurais, aqueles cujas rendas são mais elevadas não ganham mais do que 150 euros por mês.
Se a Índia quiser se transformar em potência econômica, ela não pode mais ignorar as condições dessas populações afastadas dos centros urbanos. "A Índia rural ainda passa uma imagem sombria de pobreza e de privação", concluiu o jornal "The Hindu", em seu editorial de 7 de julho.
Outro dado surpreendente foi que somente metade dos lares rurais trabalha com agricultura, uma proporção que lembra que as aquisições de terras não afetam somente seus proprietários, longe disso. Quando terrenos são comprados para a construção de uma rodovia, são todos aqueles que vivem deles, tanto por trabalharem como mão de obra agrícola quanto por manterem uma lojinha, que são afetados.
Mais da metade dos lares rurais tiram justamente sua renda do "trabalho manual", sinal da crise agrícola que acomete o país. Eles estão imersos na economia informal, sem proteção social nem direitos trabalhistas. Somente um entre cada dez lares conta com um trabalhador registrado entre seus membros.
Esse estudo lança uma nova luz, de rara abrangência, sobre o aspecto multidimensional da pobreza. Até hoje, esta era medida em função das despesas ou do consumo calórico diário de um indivíduo. Ao determinar um nível de despesas que não passasse de 972 rúpias (R$ 53) por mês nas zonas rurais e 1.407 rúpias (R$ 77) nas cidades, um grupo de especialistas formado em 2012 pelo governo havia concluído que 29,5% da população indiana vivia abaixo do limiar de pobreza.
Para sair desse círculo vicioso, é preciso romper várias cadeias, entre elas a do analfabetismo, da desnutrição ou ainda do isolamento. Mas em um país onde os serviços públicos são deficientes, com hospitais caindo aos pedaços e escolas abandonadas pelos professores, sair dele é bem mais difícil do que em outros lugares, como no Brasil ou na China. O Ministério da Saúde indiano reconheceu, em janeiro, que cerca de 63 milhões de indianos passavam dificuldades financeiras devido aos gastos com saúde.
O diagnóstico estabelecido pelo SECC revela a extensão dos desafios que devem ser enfrentados, a começar pela educação. Quase metade dos lares rurais não sabem ler e escrever, ou o fazem com grandes dificuldades, em um país que pretende investir na inclusão digital. "Com mais de dois terços dos indianos tendo perdido o 'elevador da educação', seria interessante ver como uma Índia emergente pode 'emergir', sem falar no status de superpotência", escreveu K.P. Kannan, pesquisador no Centro para os Estudos de Desenvolvimento sediado em Thiruvananthapuram (Estado de Kerala), no site de notícias "The Wire".
Por fim, o SECC confirma a ligação que persiste entre casta e pobreza. Quanto mais baixa for a primeira, mais disseminada é a segunda. Ao contrário do que se costuma pensar, a base da pirâmide não é ocupada pelos "intocáveis", mas sim pelas populações tribais. Quatro entre cada cinco tribais vivem em um "estado de privação", sendo que representam 11% da população. Além disso, a pobreza atinge 73% dos membros das "castas listadas" que designam os intocáveis (18,46% da população).

Cotas por casta

Os dados sobre as outras castas ainda não foram publicados. Algumas poderiam reivindicar um aumento das cotas às quais elas têm direito na administração pública ou no ensino superior, ou, pelo contrário, sofrer a ira das castas superiores que acreditam ser desfavorecidas. Em ambos os casos, o Partido do Povo Indiano (BJP, situação) quer evitar entrar no meio de um fogo cruzado, a poucos meses de eleições regionais cruciais.
O ministro indiano da Economia, Arun Jaitley, anunciou que os resultados desse estudo servirão para melhorar os programas de combate à pobreza. O governo aposta em uma descentralização em nível de Estados e até de vilarejos, mas ainda será necessário medir seus efeitos. "A menos que sua capacidade de execução seja reforçada, e que auditorias adequadas de seus resultados sejam conduzidas, esse plano terá o mesmo destino que todos aqueles que o precederam", alerta o "The Hindu" em seu editorial.

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