Hussein Ibish - TINYT
Toru Yamanaka
O rei da Arábia Saudita, Salman bin Abdulaziz
Se o acordo nuclear do Irã foi um terremoto abalando a paisagem estratégica do Oriente Médio, um dos tremores secundários mais dramáticos foi a surpreendente chegada no mês passado à Arábia Saudita de uma delegação de alto nível do Hamas. A visita da organização islâmica que governa a Faixa de Gaza é o mais recente sinal de uma reviravolta na política saudita, que agora está buscando uma reaproximação com o movimento regional Irmandade Muçulmana, ao qual pertence o Hamas.
A Arábia Saudita há muito desconfia da
Irmandade. Tradicionalmente, o reino considera os islamitas como uma
ameaça política e uma fonte rival de autoridade islâmica no Oriente
Médio. Essa suspeita se transformou em hostilidade aberta à medida que
os partidos da Irmandade ameaçavam tomar Estados árabes cruciais após os
levantes da Primavera Árabe na Tunísia, Egito e outros lugares em 2011.
Logo, os sauditas apreciaram a derrubada do presidente egípcio, Mohamed Morsi, um líder da Irmandade, em 2013. Essa foi a primeira de uma série de reveses para a Irmandade por toda a região. O ponto mais baixo ocorreu no ano passado, quando o governo saudita declarou a Irmandade como sendo um grupo terrorista. (O Hamas é o único partido da Irmandade que é abertamente armado e defende o uso da violência, especificamente contra Israel.)
O ministro das Relações Exteriores saudita, Adel Al-Jubeir, insistiu que a recente visita do Hamas foi por razões religiosas, não políticas, e que "a posição do reino em relação ao Hamas não mudou". Mas peregrinações a Meca geralmente não envolvem reuniões demoradas com toda a liderança, inclusive com o rei Salman bin Abdulaziz e seus principais vices, o príncipe Muhammed bin Nayef e o ministro da Defesa, Mohammed bin Salman.
A delegação do Hamas incluiu seus principais representantes no Egito e na Turquia, o que significa que suas principais facções estavam todas representadas: não se tratava de um jogo de poder por apenas um elemento. Como cortesia, durante a visita, os sauditas soltaram oito membros do Hamas presos por atividades políticas ilegais na Arábia Saudita.
Em outro sinal de uma abertura saudita aos grupos da Irmandade, as forças apoiadas pelos sauditas no Iêmen empossaram no mês passado Nayef al-Bakri, do partido Al-Islah (também designado como sendo um grupo terrorista por Riad) ligado à Irmandade, como governador de Áden, uma importante cidade do sul, que as forças apoiadas pelos sauditas tinham acabado de retomar.
Três outras importantes figuras da Irmandade -–Rachid al-Ghannouchi, do Partido Ennahda da Tunísia; Abdul Majeed al-Zindani, do Al-Islah; e Hammam Saeed, da Irmandade Muçulmana da Jordânia-– visitaram a Arábia Saudita nas últimas semanas. Havia até mesmo um rumor, nem confirmado e nem negado, de que a Irmandade foi discretamente removida da lista de terrorismo do reino.
Uma massa crítica de circunstâncias é responsável por essa mudança nas atitudes sauditas. O rei Salman nutre mais simpatia pelos conservadores religiosos do que seu antecessor. A Irmandade enfraquecida agora é menos vista como uma ameaça, enquanto os extremistas do Estado Islâmico são vistos como sendo bem mais perigosos. Acima de tudo, a nova abordagem saudita é moldada pelo confronto regional com Teerã, no rastro do acordo nuclear.
Riad está fortalecendo as relações com outro membro do Conselho de Cooperação do Golfo, o Qatar, que teria intermediado a visita do Hamas. Riad também intensificou os esforços de aproximação com a Turquia e o Sudão. Isso parece ser uma ampla tentativa saudita de recrutar o máximo possível de atores políticos sunitas por todo o Oriente Médio para confrontar o Irã e seus aliados xiitas.
Os sauditas e a Irmandade podem encontrar uma causa comum em vários conflitos regionais. Um importante jornalista saudita, Jamal Khashoggi, me disse: "A Arábia Saudita está interessada em trabalhar com a Irmandade porque é politicamente eficaz em locais como a Síria e o Iêmen".
O cálculo saudita é de que não pode enfrentar simultaneamente o Irã e seus aliados islamitas xiitas, como o Hizbollah, assim como movimentos jihadistas, como a Al Qaeda e o Estado Islâmico, e radicais islâmicos mais tradicionais. Daí a tentativa de aproximação saudita com a Irmandade mais moderada.
Para os sauditas, atrair o Hamas assegurará que o Irã perca influência em Gaza, deixando apenas a Jihad Islâmica como uma aliada desobediente. O Irã teria supostamente respondido suspendendo seus fundos para o Hamas.
Mas o próprio Hamas tem facções concorrentes e seu braço militar, as Brigadas Izzedine al-Qassam, mantém laços profundos com o Irã. Mas a distensão saudita com a Irmandade não se limita ao Hamas, e mais está em jogo para os islamitas da região. Todo o movimento da Irmandade Muçulmana enfrenta uma crise existencial com a derrubada de Morsi e a repressão no Egito; agora Riad está oferecendo uma tábua de salvação.
Um relacionamento mais estreito dos sauditas com o Hamas exigirá uma hábil diplomacia. Riad precisa evitar piorar as relações com o Egito, que permanece tão hostil quanto antes à Irmandade, ou minar a Autoridade Palestina na Cisjordânia, que é controlada pelo Fatah, o movimento majoritário da Organização para a Libertação da Palestina. Os sauditas precisam agir com cuidado para assegurar que sejam vistos no Cairo e em Ramallah como exercendo um papel construtivo, promovendo tanto a reconstrução de Gaza quanto a reconciliação entre o Fatah e o Hamas.
O acordo nuclear com o Irã levou a Arábia Saudita a tornar prioridade a reversão da influência regional do Irã. Sua estratégia é unir o máximo possível o Oriente Médio sunita (com exceção de extremistas como o Estado Islâmico e a Al Qaeda). Riad pode estar certa de que essa é a melhor forma de fortalecer sua mão contra o coeso bloco xiita de Teerã. Mas também significa consolidar as divisões sectárias já agudas no Oriente Médio.
Isso tornará as coisas mais difíceis para potências externas como os Estados Unidos que não possuem uma afinidade natural com nenhum dos campos. Quanto aos povos da região, uma nova ordem regional baseada na identidade sectária é realmente perigosa.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Logo, os sauditas apreciaram a derrubada do presidente egípcio, Mohamed Morsi, um líder da Irmandade, em 2013. Essa foi a primeira de uma série de reveses para a Irmandade por toda a região. O ponto mais baixo ocorreu no ano passado, quando o governo saudita declarou a Irmandade como sendo um grupo terrorista. (O Hamas é o único partido da Irmandade que é abertamente armado e defende o uso da violência, especificamente contra Israel.)
O ministro das Relações Exteriores saudita, Adel Al-Jubeir, insistiu que a recente visita do Hamas foi por razões religiosas, não políticas, e que "a posição do reino em relação ao Hamas não mudou". Mas peregrinações a Meca geralmente não envolvem reuniões demoradas com toda a liderança, inclusive com o rei Salman bin Abdulaziz e seus principais vices, o príncipe Muhammed bin Nayef e o ministro da Defesa, Mohammed bin Salman.
A delegação do Hamas incluiu seus principais representantes no Egito e na Turquia, o que significa que suas principais facções estavam todas representadas: não se tratava de um jogo de poder por apenas um elemento. Como cortesia, durante a visita, os sauditas soltaram oito membros do Hamas presos por atividades políticas ilegais na Arábia Saudita.
Em outro sinal de uma abertura saudita aos grupos da Irmandade, as forças apoiadas pelos sauditas no Iêmen empossaram no mês passado Nayef al-Bakri, do partido Al-Islah (também designado como sendo um grupo terrorista por Riad) ligado à Irmandade, como governador de Áden, uma importante cidade do sul, que as forças apoiadas pelos sauditas tinham acabado de retomar.
Três outras importantes figuras da Irmandade -–Rachid al-Ghannouchi, do Partido Ennahda da Tunísia; Abdul Majeed al-Zindani, do Al-Islah; e Hammam Saeed, da Irmandade Muçulmana da Jordânia-– visitaram a Arábia Saudita nas últimas semanas. Havia até mesmo um rumor, nem confirmado e nem negado, de que a Irmandade foi discretamente removida da lista de terrorismo do reino.
Uma massa crítica de circunstâncias é responsável por essa mudança nas atitudes sauditas. O rei Salman nutre mais simpatia pelos conservadores religiosos do que seu antecessor. A Irmandade enfraquecida agora é menos vista como uma ameaça, enquanto os extremistas do Estado Islâmico são vistos como sendo bem mais perigosos. Acima de tudo, a nova abordagem saudita é moldada pelo confronto regional com Teerã, no rastro do acordo nuclear.
Riad está fortalecendo as relações com outro membro do Conselho de Cooperação do Golfo, o Qatar, que teria intermediado a visita do Hamas. Riad também intensificou os esforços de aproximação com a Turquia e o Sudão. Isso parece ser uma ampla tentativa saudita de recrutar o máximo possível de atores políticos sunitas por todo o Oriente Médio para confrontar o Irã e seus aliados xiitas.
Os sauditas e a Irmandade podem encontrar uma causa comum em vários conflitos regionais. Um importante jornalista saudita, Jamal Khashoggi, me disse: "A Arábia Saudita está interessada em trabalhar com a Irmandade porque é politicamente eficaz em locais como a Síria e o Iêmen".
O cálculo saudita é de que não pode enfrentar simultaneamente o Irã e seus aliados islamitas xiitas, como o Hizbollah, assim como movimentos jihadistas, como a Al Qaeda e o Estado Islâmico, e radicais islâmicos mais tradicionais. Daí a tentativa de aproximação saudita com a Irmandade mais moderada.
Para os sauditas, atrair o Hamas assegurará que o Irã perca influência em Gaza, deixando apenas a Jihad Islâmica como uma aliada desobediente. O Irã teria supostamente respondido suspendendo seus fundos para o Hamas.
Mas o próprio Hamas tem facções concorrentes e seu braço militar, as Brigadas Izzedine al-Qassam, mantém laços profundos com o Irã. Mas a distensão saudita com a Irmandade não se limita ao Hamas, e mais está em jogo para os islamitas da região. Todo o movimento da Irmandade Muçulmana enfrenta uma crise existencial com a derrubada de Morsi e a repressão no Egito; agora Riad está oferecendo uma tábua de salvação.
Um relacionamento mais estreito dos sauditas com o Hamas exigirá uma hábil diplomacia. Riad precisa evitar piorar as relações com o Egito, que permanece tão hostil quanto antes à Irmandade, ou minar a Autoridade Palestina na Cisjordânia, que é controlada pelo Fatah, o movimento majoritário da Organização para a Libertação da Palestina. Os sauditas precisam agir com cuidado para assegurar que sejam vistos no Cairo e em Ramallah como exercendo um papel construtivo, promovendo tanto a reconstrução de Gaza quanto a reconciliação entre o Fatah e o Hamas.
O acordo nuclear com o Irã levou a Arábia Saudita a tornar prioridade a reversão da influência regional do Irã. Sua estratégia é unir o máximo possível o Oriente Médio sunita (com exceção de extremistas como o Estado Islâmico e a Al Qaeda). Riad pode estar certa de que essa é a melhor forma de fortalecer sua mão contra o coeso bloco xiita de Teerã. Mas também significa consolidar as divisões sectárias já agudas no Oriente Médio.
Isso tornará as coisas mais difíceis para potências externas como os Estados Unidos que não possuem uma afinidade natural com nenhum dos campos. Quanto aos povos da região, uma nova ordem regional baseada na identidade sectária é realmente perigosa.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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