O dilema de Dilma
Há momentos em que a Presidência depende de uma decisão solitária, às vezes suicida, às vezes redentora
Elio Gaspari - FSP
A doutora Dilma parece perdida como cego em tiroteio. Sua reunião com os
governadores foi mais um exercício de perda de tempo. Admitindo-se que
ela consiga desviar-se da ruína econômica, resta-lhe uma decisão: o que
fazer diante da Lava Jato? Até agora ela se deixou corroer porque supõe
que pode ficar numa posição de neutralidade contra. "Eu não respeito
delator" será uma frase que a acompanhará pela vida.
Ou ela se alista publicamente na Lava Jato, ou está frita. Lula deu
meios passos ao tirar José Dirceu da Casa Civil e Antonio Palocci da
Fazenda. Faltou dissociar-se do mensalão, e o resultado está aí.
Fernando Collor teria terminado o mandato se, na primeira hora, tivesse
rifado o tesoureiro Paulo Cesar Farias. O general Figueiredo arruinou
seu governo e sua biografia acobertando o atentado do Riocentro.
Não há agenda positiva possível enquanto o governo estiver sitiado pelas
roubalheiras que hospedou, tolerou e finge desconhecer. Pactos são
coisa para patos. Um rompimento com os conluios será coisa difícil, até
porque enquanto a doutora está neutra-contra a Lava Jato, a oposição
está a favor, desde que ela pare, limitando-se na amplitude e no tempo.
A doutora deve reler o que diz.
Na reunião com os governadores, informou:
"Nós, como governantes que somos, não podemos nos dar ao luxo de não ver a realidade com olhos muito claros."
Quem souber o que isso quer dizer ganha um fim de semana em Miami.
LULA EM SÃO PAULO
A oposição dá como fava contada a derrota do PT na disputa pela Prefeitura de São Paulo. Há algo de exagero nisso.
Se Marta Suplicy ganhar a disputa, Lula terá todo direito de se
proclamar vencedor, mesmo fazendo de conta que não é o dono do poste
Fernando Haddad.
A senadora foi uma petista histórica e caiu em desgraça junto aos
comissários do Palácio porque defendeu o "Volta, Lula" na eleição do ano
passado.
LÁ VEM TUNGA
O poderoso lobby das operadoras de planos de saúde voltou a armar seus
botes em cima dos consumidores. Na linha de frente da manobra, vem a
ameaça de um colapso do setor, provocado pelo aumento dos custos dos
serviços que venderam e dos contratos que assinaram.
Em 20 anos, esse setor produziu muitos bilionários. Não é razoável que,
entre os seus argumentos, usem o dos custos do atendimento aos idosos.
Pode ser verdade que um jovem de 18 anos custe R$1 mil por ano e um
idoso, R$ 1 mil por mês, mas essa patranha é velha.
Em 1997, o deputado Ayres da Cunha, dono da operadora Blue Life, disse o
seguinte: "Se tirássemos todos os idosos do meu plano, minha
rentabilidade aumentaria muito". Ninguém fica velho porque quer e, ao
contrário da gripe, a velhice não chega sem avisar.
Uma operadora de planos de saúde só com jovens é o sonho do Eremildo. Se
isso não for possível, o idiota se contenta em ficar amigo de amigos do
Palácio do Planalto, onde se cozinham ferradas nos consumidores.
AULA ÚTIL
Até o final de agosto chegará às livrarias "O Novo Estado Islâmico: Como
Nasceu o País do Terrorismo", do jornalista inglês Patrick Cockburn. É
coisa fina.
O Estado Islâmico é uma dessas questões que aparecem do nada e desafiam a
sabedoria convencional. Por selvagem, é fácil detestá-lo. Por caótico,
acredita-se que é um fenômeno passageiro. Pelas duas coisas, formam-se
opiniões a seu respeito baseando-as no nada.
Cockburn resolve o problema de quem está meio perdido por ter chegado no
meio do filme. Com décadas de experiência no Oriente Médio, em 206
páginas, ele informa e prova o seguinte:
A "Guerra ao Terror" de George Bush e Barack Obama fracassou
catastroficamente. O EI é o filho dessa guerra e veio para ficar. Como, e
por quanto tempo, não se sabe.
Os combatentes islâmicos derrotam o Exército iraquiano porque ele é
formado por soldados que não querem combater e generais larápios. No
ataque à cidade de Mossul, 1.300 combatentes, apoiados por uma revolta
popular, puseram para correr uma tropa de 60 mil homens. O comando de
uma divisão desse Exército pode ser comprado por US$ 2 milhões. O
general que paga isso vai buscar o seu dinheiro de volta na região.
O livro não pretende dizer o que vai acontecer, mas mostra o que não
está acontecendo ao desmontar as tolices produzidas pela propaganda.
TRANSITORIEDADE
A doutora diz que a crise é transitória. E dias melhores virão. Por
isso, a espera na fila para se receber o seguro-desemprego no Rio chega a
ser de 14 horas.
A ANATOMIA DE UM SUCESSO
Assim como a Lava Jato permite o estudo de uma desgraça, a criação da
Olimpíada de Matemática das Escolas Públicas serve para que se examine
um êxito. Ela existe há dez anos e deu certo. Não saiu do nada, nem foi
fácil criá-la.
Em 2004, a professora Suely Druck, presidente da Sociedade Brasileira de
Matemática, mostrou o projeto ao então ministro Eduardo Campos, da
Ciência e Tecnologia. Ele comprou-o e levou-a a Lula (1x0). Nosso Guia
mandou que fossem em frente (2x0). Nas duas ocasiões, foi acompanhada
por Cesar Camacho, vice-presidente da SBM.
A ideia desagradou as burocracias do MEC (2x1) e do MCT (2x2). Diziam
que nem tudo o que o presidente manda pode ser feito ou argumentavam que
Lula deveria dizer de onde sairia o dinheiro para custear a Olimpíada.
Passados cinco meses, graças à professora Lucia Lodi, diretora de
Políticas do Ensino Médio do MEC, quebrou-se a resistência orçamentária
(3x2). Problema: Lula mandara que se fizesse a Olimpíada de 2005, não
Olimpíadas anuais. O MEC e o MCT continuavam contra o projeto (3x3). A
professora Druck foi a Clara Ant, assessora de Lula, e explicou que
estavam matando o projeto. Ant pediu-lhe que fizesse uma carta ao
presidente e, com isso, garantiu-se a Olimpíada de 2006 (4x3). A
inclusão do programa no Orçamento da União salvou-o (5x3). Falso, nem
tudo o que entra no orçamento é gasto e as pressões recomeçaram (5x4).
A partir de 2007, Lula ia às cerimônias de entrega das medalhas à
garotada, lembrando que "muita gente foi contra essa Olimpíada". O jogo
terminara: 6x4.
Uma ordem do presidente levou cinco meses para ser cumprida e quatro anos para se transformar numa política pública.
A Olimpíada está no seu décimo ano e é um sucesso. A primeira teve 10,5
milhões de estudantes inscritos e a última, 18 milhões. Tratando-se de
uma iniciativa que mexe com matemática, seu êxito não deve ser inflado
desnecessariamente. O número de inscritos (às vezes por interesse das
escolas) não significa que todos participaram à vera das provas. Na
primeira Olimpíada, talvez eles tenham sido 1 milhão. Na última, talvez
até 3 milhões. Isso é coisa para ninguém botar defeito.
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