domingo, 2 de agosto de 2015

O dilema de Dilma
Há momentos em que a Presidência depende de uma decisão solitária, às vezes suicida, às vezes redentora
Elio Gaspari - FSP
A doutora Dilma parece perdida como cego em tiroteio. Sua reunião com os governadores foi mais um exercício de perda de tempo. Admitindo-se que ela consiga desviar-se da ruína econômica, resta-lhe uma decisão: o que fazer diante da Lava Jato? Até agora ela se deixou corroer porque supõe que pode ficar numa posição de neutralidade contra. "Eu não respeito delator" será uma frase que a acompanhará pela vida.
Ou ela se alista publicamente na Lava Jato, ou está frita. Lula deu meios passos ao tirar José Dirceu da Casa Civil e Antonio Palocci da Fazenda. Faltou dissociar-se do mensalão, e o resultado está aí. Fernando Collor teria terminado o mandato se, na primeira hora, tivesse rifado o tesoureiro Paulo Cesar Farias. O general Figueiredo arruinou seu governo e sua biografia acobertando o atentado do Riocentro.
Não há agenda positiva possível enquanto o governo estiver sitiado pelas roubalheiras que hospedou, tolerou e finge desconhecer. Pactos são coisa para patos. Um rompimento com os conluios será coisa difícil, até porque enquanto a doutora está neutra-contra a Lava Jato, a oposição está a favor, desde que ela pare, limitando-se na amplitude e no tempo.
A doutora deve reler o que diz.
Na reunião com os governadores, informou:
"Nós, como governantes que somos, não podemos nos dar ao luxo de não ver a realidade com olhos muito claros."
Quem souber o que isso quer dizer ganha um fim de semana em Miami.
LULA EM SÃO PAULO
A oposição dá como fava contada a derrota do PT na disputa pela Prefeitura de São Paulo. Há algo de exagero nisso.
Se Marta Suplicy ganhar a disputa, Lula terá todo direito de se proclamar vencedor, mesmo fazendo de conta que não é o dono do poste Fernando Haddad.
A senadora foi uma petista histórica e caiu em desgraça junto aos comissários do Palácio porque defendeu o "Volta, Lula" na eleição do ano passado.
LÁ VEM TUNGA
O poderoso lobby das operadoras de planos de saúde voltou a armar seus botes em cima dos consumidores. Na linha de frente da manobra, vem a ameaça de um colapso do setor, provocado pelo aumento dos custos dos serviços que venderam e dos contratos que assinaram.
Em 20 anos, esse setor produziu muitos bilionários. Não é razoável que, entre os seus argumentos, usem o dos custos do atendimento aos idosos. Pode ser verdade que um jovem de 18 anos custe R$1 mil por ano e um idoso, R$ 1 mil por mês, mas essa patranha é velha.
Em 1997, o deputado Ayres da Cunha, dono da operadora Blue Life, disse o seguinte: "Se tirássemos todos os idosos do meu plano, minha rentabilidade aumentaria muito". Ninguém fica velho porque quer e, ao contrário da gripe, a velhice não chega sem avisar.
Uma operadora de planos de saúde só com jovens é o sonho do Eremildo. Se isso não for possível, o idiota se contenta em ficar amigo de amigos do Palácio do Planalto, onde se cozinham ferradas nos consumidores.
AULA ÚTIL
Até o final de agosto chegará às livrarias "O Novo Estado Islâmico: Como Nasceu o País do Terrorismo", do jornalista inglês Patrick Cockburn. É coisa fina.
O Estado Islâmico é uma dessas questões que aparecem do nada e desafiam a sabedoria convencional. Por selvagem, é fácil detestá-lo. Por caótico, acredita-se que é um fenômeno passageiro. Pelas duas coisas, formam-se opiniões a seu respeito baseando-as no nada.
Cockburn resolve o problema de quem está meio perdido por ter chegado no meio do filme. Com décadas de experiência no Oriente Médio, em 206 páginas, ele informa e prova o seguinte:
A "Guerra ao Terror" de George Bush e Barack Obama fracassou catastroficamente. O EI é o filho dessa guerra e veio para ficar. Como, e por quanto tempo, não se sabe.
Os combatentes islâmicos derrotam o Exército iraquiano porque ele é formado por soldados que não querem combater e generais larápios. No ataque à cidade de Mossul, 1.300 combatentes, apoiados por uma revolta popular, puseram para correr uma tropa de 60 mil homens. O comando de uma divisão desse Exército pode ser comprado por US$ 2 milhões. O general que paga isso vai buscar o seu dinheiro de volta na região.
O livro não pretende dizer o que vai acontecer, mas mostra o que não está acontecendo ao desmontar as tolices produzidas pela propaganda.
TRANSITORIEDADE
A doutora diz que a crise é transitória. E dias melhores virão. Por isso, a espera na fila para se receber o seguro-desemprego no Rio chega a ser de 14 horas.
A ANATOMIA DE UM SUCESSO
Assim como a Lava Jato permite o estudo de uma desgraça, a criação da Olimpíada de Matemática das Escolas Públicas serve para que se examine um êxito. Ela existe há dez anos e deu certo. Não saiu do nada, nem foi fácil criá-la.
Em 2004, a professora Suely Druck, presidente da Sociedade Brasileira de Matemática, mostrou o projeto ao então ministro Eduardo Campos, da Ciência e Tecnologia. Ele comprou-o e levou-a a Lula (1x0). Nosso Guia mandou que fossem em frente (2x0). Nas duas ocasiões, foi acompanhada por Cesar Camacho, vice-presidente da SBM.
A ideia desagradou as burocracias do MEC (2x1) e do MCT (2x2). Diziam que nem tudo o que o presidente manda pode ser feito ou argumentavam que Lula deveria dizer de onde sairia o dinheiro para custear a Olimpíada.
Passados cinco meses, graças à professora Lucia Lodi, diretora de Políticas do Ensino Médio do MEC, quebrou-se a resistência orçamentária (3x2). Problema: Lula mandara que se fizesse a Olimpíada de 2005, não Olimpíadas anuais. O MEC e o MCT continuavam contra o projeto (3x3). A professora Druck foi a Clara Ant, assessora de Lula, e explicou que estavam matando o projeto. Ant pediu-lhe que fizesse uma carta ao presidente e, com isso, garantiu-se a Olimpíada de 2006 (4x3). A inclusão do programa no Orçamento da União salvou-o (5x3). Falso, nem tudo o que entra no orçamento é gasto e as pressões recomeçaram (5x4).
A partir de 2007, Lula ia às cerimônias de entrega das medalhas à garotada, lembrando que "muita gente foi contra essa Olimpíada". O jogo terminara: 6x4.
Uma ordem do presidente levou cinco meses para ser cumprida e quatro anos para se transformar numa política pública.
A Olimpíada está no seu décimo ano e é um sucesso. A primeira teve 10,5 milhões de estudantes inscritos e a última, 18 milhões. Tratando-se de uma iniciativa que mexe com matemática, seu êxito não deve ser inflado desnecessariamente. O número de inscritos (às vezes por interesse das escolas) não significa que todos participaram à vera das provas. Na primeira Olimpíada, talvez eles tenham sido 1 milhão. Na última, talvez até 3 milhões. Isso é coisa para ninguém botar defeito. 

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