quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Por que a Catalunha quer sua independência da Espanha?
Mathilde Damgé - Le Monde
A eleição regional de domingo, na Catalunha, terminou com uma ampla vitória dos separatistas. Essa região do nordeste da Espanha nunca foi um Estado soberano, mas há algumas décadas vem vivendo um sentimento separatista cada vez maior.
O nacionalismo catalão só surgiu tardiamente: como movimento republicano de oposição à monarquia, ele resultou na criação de um governo catalão, a Generalitat, em 1932.  Essa Generalitat, sufocada na era Franco, foi restabelecida em 1977 e conseguiu a aprovação de um projeto de autonomia em 2005 através do Parlamento catalão.
O sentimento nacionalista, no entanto, continua sendo amplamente minoritário até 2010. Nesse ano, um texto que ampliava a autonomia da região e que reconhecia a existência da "nação" catalã foi rejeitado pelo tribunal constitucional, em Madri. Em protesto, um milhão de pessoas saíram pelas ruas de Barcelona, um movimento considerável em uma região de 7,5 milhões de habitantes. Desde então, o nacionalismo se intensificou e a festa nacional, a Diada, reuniu ainda este ano mais de um milhão de pessoas, ainda que esse número seja contestado por Madri.
Mas por que essa região quer sua independência? Ela tem condições para tal?

O que a Catalunha representa na Espanha?

É uma das regiões mais poderosas e mais ricas da Espanha. Com 16% da população, os catalães produzem cerca de 20% da riqueza do país, e um quarto das exportações espanholas partiram da Catalunha, em 2014.
Com Barcelona, a Catalunha possui um dos maiores portos comerciais do Mediterrâneo, quatro aeroportos internacionais, uma indústria farmacêutica competitiva, e abriga as sedes de grandes multinacionais, como a gigante do setor têxtil Mango. O índice de desemprego, embora seja elevado, continua abaixo da média nacional, com 19,1% da população ativa no segundo trimestre, contra 22,4% em nível nacional.
No nível político e administrativo, a região tem, assim como as outras "comunidades autônomas" (Andaluzia, Canárias, Galícia etc.), seu Parlamento e seu governo, que cuidam da saúde, da educação e dos serviços sociais, entre outros. Ela também tem sua própria polícia.
Em termos de raízes culturais, a Catalunha também tem sua própria língua, o catalão, mais usado que o espanhol (castelhano); seu hino, Els Segadors (os ceifadores); e sua bandeira de listras vermelhas e amarelas.

Quais são as reivindicações dos independentistas?

A região, que se encontra muito endividada (em quase um terço de seu PIB), alega que ela não seria deficitária (o déficit público voltou a 2% no final de 2013) se o regime de redistribuição espanhol, no qual as províncias ricas dão às pobres, funcionasse mais a seu favor.
Segundo os cálculos da Generalitat em 2011, a diferença entre aquilo que a região paga a Madri através dos impostos e aquilo que ela recebe do Estado está na ordem de 8,5% do PIB catalão, uma contribuição que, segundo o governo, seria um número menos elevado (4,3% do PIB da região).
Hoje a região gera cerca de metade dos impostos, e o governo central a outra metade. O que as forças nacionalistas querem é adaptar o sistema já em vigor no País Basco: administrar todos os impostos criando uma espécie de guichê único regional e depois pagar para Madri uma cota em função dos serviços fornecidos pelo Estado na Catalunha, bem como uma contribuição para a solidariedade territorial (com as regiões menos ricas).
Além da questão fiscal, os independentistas têm reivindicações culturais: eles militam contra a lei que em 2012 instaurou o uso do castelhano nas escolas. O ministro da Educação na época, José Ignacio Wert, chegou a fazer um apelo para "espanholizar" os jovens catalães, uma declaração que trouxe más lembranças para aqueles que viveram a tomada da região pelos franquistas durante a guerra civil e a repressão da identidade catalã.

Por que pode ser complicado

No contexto do processo político, há vários obstáculos no caminho para a independência catalã, como a declaração de soberania da Catalunha que foi considerada inconstitucional. Ela se opõe ao artigo 2 da Constituição (Unidade da Nação e Direito à Autonomia) que reconhece o direito à autonomia das regiões, mas não sua independência, segundo o princípio da unidade indissolúvel da nação.
O tribunal constitucional, no entanto, reconheceu que os catalães têm "direito de decidir" de acordo com sua "aspiração política", mas eles só poderão exercê-lo uma vez revisada a Constituição. Só que esse processo complexo requer uma maioria em cada uma das câmaras do Parlamento, o que os independentistas não têm. Portanto, por enquanto o projeto de autodeterminação da Catalunha é ilegal e anticonstitucional, mas continua sendo defendido por Artur Mas, o presidente (independentista) da região.
Além disso, como no caso da Escócia, seria difícil dizer se uma Catalunha independente poderia integrar a Europa. Bruxelas acredita há muito tempo que a secessão de uma região que até então fizesse parte de um Estado-membro da União Europeia levaria automaticamente à sua saída do bloco constituído de 28 países. "Uma nova região independente, devido à sua própria independência se tornaria um país de fora da UE e poderia então se candidatar para se tornar membro da União", explicou o porta-voz do Executivo de Bruxelas, Margaritis Schinas, na semana passada.
Por fim, uma questão importante: onde jogaria o Barcelona? O campeão da Espanha e todos os outros clubes catalães seriam de fato excluídos da Liga Espanhola em caso de secessão da região.

Uma secessão poderia ser positiva para a região?

O banco Natixis se debruçou sobre a questão em uma análise publicada um ano atrás, e acredita que Barcelona teria muito a perder: "Haveria uma queda em suas exportações com a aplicação da tarifa alfandegária comum e o surgimento de custos de transações; risco de saída das empresas instaladas na Catalunha que queiram ter acesso ao mercado único; redução do montante dos investimentos diretos estrangeiros (uma vez que 80% deles são realizados por entidades europeias)."
No nível nacional, seria arriscado para a Catalunha considerar um boicote ao governo central: metade do comércio catalão é feito com o resto da Espanha. O governo catalão, por sua vez, publicou uma nota sobre as "relações comerciais entre a Catalunha e a Espanha", onde ele parte de hipóteses menos pessimistas e conclui que haveria um impacto de somente 2% sobre o PIB local uma queda nas exportações da Catalunha para a Espanha.
A Natixis também observa que existe a questão da manutenção do euro como divisa nacional, que contribui para a incerteza quanto à viabilidade de um novo Estado catalão. Além disso, a região continua frágil financeiramente: ela não pode obter financiamento pelo mercado e atualmente tem Madri como único banco.

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