segunda-feira, 29 de março de 2010

Letter I

SE você continuar me assediando, quero lembrá-la que isso é crime. Você liga para um celular que é só meu. Vou processá-la por assédio. Não tenho medo de "bruxas" e olha que você é feia! Calabreza, eu gosto de comer na pizza. Tô de saco cheio de escutar os teus telefonemas.
Se você, como professora que diz ser, está com tédio e não consegue ensinar para os alunos da faculdade onde você leciona, eu receito um remédio , pela palavras do Tom Zé, eu te recomendo o dedo médio. Caso ainda tenha a pachorra de me assediar, vou processá-la.
Você nasceu burra, ou aprendeu com a idade, não sei.
Há um provérbio, mas eu acho que vc não passa das novelas da Globo, eu sou capaz de "Se não posso mover os céu, moverei, então, o INFERNO".
Espero que seja a última vez que vc vai ligar para mim.
Ou vou começar dar nome às pessoas.
Você compreende, ou é estúpida demais para isso.. não sei.

terça-feira, 16 de março de 2010

La Petit Princesse des Tulipes II

Quase noite. Tomei três doses de dry martini, duas batidas de vodca e um conhaque. A tequila acabou na hora do almoço. Voltei para o apartamento. Fui até a caminhonete e peguei um cd player e uma pilha de cd's. Liguei o aparelho na tomada que servia para ligar o abajur no criado mudo. Comecei com Robin Trower tocando "Bridge of Sighs". Aí comecei a tocar todos os cd's, um por um. Pink Floyd tocando "Wish You Were Here", The Who, "Baba O'Riley", "Won't Get Fooled Again". Quando o cd do The Who terminou e eu me levantei da cama para colocar outro é que eu ouvi vozes na vandinha que havia na frente do meu quarto.
Abri a porta e dei de cara com uma manada de gente que estava curtindo as músicas que rolavam no cd player.
- E aí, old man! Só música boa! - Michelle falou.
- Antigas. As coisas mais antigas são as melhores. - respondi.
- Nunca tive um namorado mais velho do que eu.
- Estou falando de músicas.
- Ah! Parece que você gosta de tirar uma em mim.
- Você fala demais. Quem fala demais acaba dando bom dia a cavalo.
- Se você preferir ficar sozinho, nós vamos embora. Ou podemos ficar e fazer uma troca. Trouxemos "coisas". Mas o pessoal do hotel é careta. Queremos um lugar sossegado.
- Sem "brown sugar".
- A única coisa "brownish" sou eu e os meus olhos, querido.
- Tá ok, então. - falta só resolver a questão do seu namorado.
- Eu briguei com ele.
- No luau. - o resto da manada, que até agora não havia falado nada, se manifestou.
- Aliás, estou sem quarto. Ele me expulsou do dele. Espero que você me aceite como companhia.
- Isso implica em pagar os seus gastos no hotel, eu creio.
- Você não vai se arrepender. Imagine como se fosse um investimento.
- Ok. Traga as suas coisas para cá.
A manada fez uma cara de alívio.
Ficamos bebendo cerveja Skol e Heineken (que eles acharam muito amarga), um dos caras (Raul) trouxe um pequeno saco plástico com fumo e papelo para fazer nossos cigarros alternativos. Curtimos Joe Cocker cantando "With a little help from my friends" e nos animamos e cantamos também dos Beatles "Strawberry Fields Forever", aproveitei a deixa e toquei Siouxsie and the Banshees arrasando em "Christine - the strawberry girl" e "Happy house". As moças começaram a ficar "mais soltas". Com David Bowie veio a alucinação total: "Sweet Thing", "Alladin Sane", "All The Young Dudes" e "Rock'N'Roll Suicide". O niilismo tinha chegado ao topo. O som vinha, potente, da caminhonete, que levei até a porta do meu quarto.
Numa dessas horas entrei no banheiro o Raul (que trouxe o fumo) estava beijando um rapaz mais novo, chamado Murilo.
Michelle já estava muito doida. Levei-a para fora da varando, procurei a sombra cúmplice, longe de olhos e das luzes das lâmpadas da rua e a beijei. Subi minhas mãos
por debaixo e sua camiseta e seus pequenos seios empinados eram meus.
Após um tempo, ela pediu para dar uma entrada no quarto.
E isso se repetiu mais duas vezes. Levantei-me da lona que tinha improvisado para forrar o gramado e fui ver o que estava acontecendo: tinham colocado carreiras enfileiradas precariamente sobre o criado-mudo. Michelle estava cheirando uma.
- Sirva-se, querido. A mercadoria é da boa!
Cheirei uma, duas e voltei para a festa. Abri as garrafas de conhaque e levei uma comigo. O som que rolava era Jimi Hendrix: "Voodoo Chile", numa versão bem longa.
E eu me perdia entre solos de guitarra e o corpo de Michelle. Disse para mim mesmo: mantenha o ritmo. Morra, mas mantenha o ritmo!
Manti e não morri.
- Raul, põe pra tocar algo bem lisérgico, por favor!
- Tá Michelle, você e o seu namorado mandam hoje!
- Michelle. - falei.
- Diga querido!
- Quando o Raul falou em namorado, ele estava se referindo a mim... ou foi um mal entendido... - foi soltando as frases sem entonação.
A música começou e eu usei o nome dela para expressar a minha estranheza: "Feel Like a Stranger" - Grateful Dead.
- O meu universo é diferente do de vocês.
- Nem tanto. Somos alunos e você é professor. Habitamos o universo escolar. - respondeu entre risadas. Vamos entrar, que eu quero ver se ainda tem cerveja gelada. Se não tiver das nossas eu vou pegar uma Heineken. - disse.
Quando nós entramos no quarto, percebi que todos nós estávamos muito doidos.
Começou uma outra música do Grateful Dead, eles estavam nús, dançando. A Michelle foi até num amontoado de mochilas e tirou algo que não pude ver o que era. Levou a mão à boca e veio na minha direção e disse:
- Me beije agora, rápido, com a sua língua.
Beijei-a do jeito que ela pediu. Sua língua atrevida deixou colado no céu da minha buca um selo triangular. A música que tocava chamava-se "Dark Star" e durante a sua execução de vinte e cinco minutos, viajei. Good trip. Muitas cores, pessoas prateadas, o corpo de Michelle, prateado, se enroscava ao meu. Fazíamos sexo.
A Semana passou rápido. Rápido demais.
Os funcionários do hotel-fazenda ficaram cismados com aquele povo que ocupou os quatro últimos quartos daquela estrada, lonje da sede, lonje dos salões.
Alguns tomavam café da manhã, mas não apareciam para o almoço, enquanto que outros só apareciam para o jantar. - Deviam ser todos drogados! - pensavam.
Michelle já havia montado acampamento no meu quarto. Seus gastos eram debitados junto com os meus, para horror de algumas beatas.
Na hora da partida, eles me abraçaram. Menos Michelle. Ela tinha sumido.
Felipe, o ex- da Michelle já tinha ido embora faz tempo. A Carla, a Viviane e a Andréia procuraram Michele mas não ensontraram. Foram embora assim mesmo.
Acompnhei-os até à entrada do hotel-fazenda. Voltei já saudoso do meu jovem caso. Andando lentamente, tentando me acostumar novamente à minha sobra como única companheira, comecei a cantarolar "The End Of A Love Affair", e, como a voz rouca iria me fazer falta. Subi os degraus da escada até o quarto e quando entrei, Michelle estava lá, nua, sobre os lençois da cama.
Simplesmente ela disse:
- Resolvi viajar com você.
- Mas nós moramos em lugares opostos no estado!
- Resolvi morar com você, seu tolo.
- Michelle, você não sabe o ue está fazendo!
- Eu sei sim. Vem me dar um beijo de língua, rápido, porque eu tenho uma coisa para você.

sábado, 13 de março de 2010

La Petit Princesse des Tulipes

Batia a ponta da cigarrilha e a cinza não caía. Pensei: ela só vai cair quando eu me levantar da poltrona. Cairá no carpete, ou tapete, não me lembro bem. Só sei que ela ia cair. E isso era inevitável. E era uma porcaria ela cair no carpete/tapete. Não gosto nem de carpetes e muito menos de tapetes. Ainda mais se eles estiverem sujos de cinzas. Da minha cigarrilha.
Um sujeito barrigudo entrou na sala sorrindo. Acrescentei mais um item na minha lista: não gosto de carpetes, de tapetes e de capachos.
- A nossa empresa garante uma viagem agradável e uma estadia no hotel-fazenda cinco estrelas e o senhor vai descansar bastante. Ou não me chamo Antônio Carlos.
Pensei: Nossa empresa, de quem, cara-pálida... A empresa era da Simone, amiga de trabalho. Em situações como essas, ajo, como São Paulo fazia diante dos tolos. Faço uma cara alegre.
Dias atrás, a Simone disse que eu estava muito tenso, que precisava relaxar. Talvez porque fosse final de semestre, o frio do inverno ou porque eu estivesse muito sozinho depois que a Sininho partiu.
Acabei dando-me por vencido.
E agora estava escutando um monte de asneiras de um capacho que não sabe fazer um "O" com um copo redondo. Depois de tudo o que ele falou, percebi que era uma ratoeira: se eu fosse com o ônibus da agência não teria como voltar caso o ambiente não me agradasse.Dispensei o ônibus e fui com a minha caminhonete. Sozinho.
A Simone tinha deixado tudo preparado. Era uma imensa construção térrea, com apartamentos perto das piscina, do restaurante, do saguão. Existiam, ainda, apartamentos não tão próximos do "agito" e, seguindo um pouco mais de um quilômetro, numa estrada de terra sombreada por fileiras de grandes árvores de ambos os lados, existiam quatro apartamentos, antigas baias que viraram quartos. De madeira escura e com camas king size, banheiro completo, e frigobar.
Não tinha televisão, nem telefone e não tinha antena para celular. Em volta existia uma floresta plantada pelos antigos donos, uma estufa e um jardim. Aproveiram o clima mais frio e plantaram tulipas.
Sexta-feira. O hotel só para mim. os outros hóspedes só vão chegar mais tarde. Fui até ao bar. Ele ficava perto da piscina, que era grande e tinha mesas, cadeiras e espreguiçadeiras em torno.
Sentei numa cadeira de uma das mesas próximas do bar. Essas mesas eram de madeira e estavam debaixo de um caramanchão com trepadeiras de flores amarelas, vermelhas e alaranjadas.
Pedi tequila.
O bartender informou:
- Nós só temos a Sauza comum.
- Então, sirva uma dose e, num pires, limão e sal.
Aos poucos, os hóspedes foram chegando e quando o ônibus da companhia de turismo chegou o sol já estava se pondo.
Fui para o meu apartamento tomar um banho. E enquanto estava lá, escutei as pessoas ocupando os outros três que restaram.
À noite fui dar uma sacada em que de interessante tinha chegado. Da minha faixa etária ninguém. Quando você chega na minha idade, é difícil encontrar alguém atraente.
Em compensação, tinha um grupo de jovens. A juventude é uma dádiva que só damos valor quando já a perdemos para o sr. Tempo.
Uma das moças veio até ao bar onde eu estava. Queria para comprar cigarros.
- Lamento, mas não vendemos cigarros, disse o bartender.
- Eu fumo cigarrilhas. Estendi na sua direção a carteira de metal pintada com cores quentes, onde lia-se Café Crème.
Ela pegou uma cigarrilha e eu a acendi com o meu isqueiro descartável.
- Obrigada.
- Não há de quê.
Ela olhou para o bartender e disse:
- Eu quero a mesma coisa que ele.
- Tequila, limão e sal.
- Para mim está ótimo.
A moça, morena bronzeada vestia um biquini preto. Cabelos curtos, castanhos, voz rouca como Billie Holiday nos seus melhores momentos.
Billie Holiday... lembrei-me de I'm A Fool To Want You. Fiquei com um tremendo nó na garganta. Para disfarçar a minha dor acendi uma cigarrilha e pedi outra dose de tequila. Billie Holiday estava certa. Eu estava errado.
Voltei à realidade quando a moça pôs a mão direita o meu braço esquerdo.
- Já sei. Estava me imaginando nua! Não tem importância, eles também ficam imaginando isso.
Disse isso e apontou seus amigos jogando uns aos outros dentro da piscina.
Não devo ter feito uma cara muito legal, porque ela falou:
- Desculpe. Era uma brincadeira tola.
- Tola. - repeti automaticamente.
- A propósito, meu nome é Michelle, com dois "L", como a música dos Beatles.
- O meu é Oliver.
- Diferente.
- Quando nasci, os meus pais moravam na Europa e estavam a passeio no Brasil.
- Que azar!
- Não entendi.
- Ter nascido no Brasil.
- É.
- Nós vamos fazer um luau. Está convidado. Você e a sua esposa.
- Não tenho esposa.
- Por isso que eu digo: casamento hoje não vale nada! As pessoas se separam do mesmo jeito.
- Ela morreu.
- Ah, tá. Tô sem graça agora.
- Me dá um beijo.
- Na boca..
- Na boca.
- Mas o meu namorado não...
Beijei-a antes que terminasse a frase.
- Agora, vá brincar com o seu namorado no luau.
Bonitinha, pensei.
No sábado, após o café da manhã, voltei para o meu apartamento.
Eu tinha carregado a caminhonete com seis embalagens com doze latas cada de Heineken e duas garrafas de conhaque Macieira.
Algumas cervejas já estavam geladas (foi a primeira coisa que fiz quando cheguei, colocar cervejas no frigobar).
Abri uma lata gelada. Olhei no relógio e ainda não eram onze horas, mas dane-se, estava de férias. A Heineken gelada desceu maravilhosamente bem.
No momento em que ia abrir a segunda lata, para a "primeira não ficar sozinha", a moça chamada Michelle apareceu.
Tinha acabado de acordar e tinha perdido o café da manhã. O namorado ainda estava dormindo. Ele passou mal e estava de ressaca.
- Formidável! - disse.
- É porque não foi com você! - choramingou.
- São vocês que estão no apartamento ao lado, eu creio.
- Nós dois.
Estendi uma lata de cerveja para ela.
- Não. Eu não tomei café da manhã.
- Nem vai tomar.
E fiz um gesto em direção ao frigobar.
- Espera! Eu quero. Afff! Você leva tudo tão a sério!
- Tá aqui. - dei-lhe a lata de cerveja.
- Ontem você me beijou na boca!
- Não foi nem de língua! Mais um pouco e você ia ver só!
- Você é doido! Se eu contasse para o meu namorado...
- Que está numa ressaca velhaca, é um moleque e não sabe beber.
- Mas você estava bêbado.
- Não estou de ressaca e tomei o café da manhã. E não contou para o namorado, porque você não gosta dele e porque foi gostoso beijar-me na boca.
- Tome, aqui está outra lata. Fique feliz e volte para o seus quarto para ver se o seu namorado não morreu de overdose.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Sapos III

Na semana passada, fomos num bar chamado Madeleine que fica na rua da minha casa mesmo. Em plena agitação da Vila Madalena, caiu como um maná dos céus. Mesinhas redondas, jazz, comida boa e uma carta de vinhos decente. Ficamos numa das mesinhas próximas do bar e da banda de jazz.
Escolhi um vinho chileno, que foi servido na temperatura correta.
Conversamos sobre filosofia. O tema era a angústia do homem. Ela tinha lido alguma coisa, dava para perceber. Segurou a barra legal.
As suas mãos eram inquietas, pegavam a faca rabiscaba a toalha da mesinha com ela, tecendo figuras imaginárias.
Quando pedimos o prato, a conversa era outra Marcel Proust e as "madeleines".
Esticamos a noite e fomos num bar que ela conhecia e ficava na rua Pedroso Alvarenga, no Itaim.
O lugar parecia ter saído da década de vinte, do século XX. Pedi um uísque, e ela pedi um Bellini.
Já tínhamos nessa época um olhar de cúmplices. Ás vezes começávamos a falar juntos, olhando um para o outro, iniciando a frase com a mesma palavra que o outro usava para iniciar a sua própria frase. Tesão total.
Quando chegamos na rua Fidalga, ela me abraçou e disse que ia passar o resto da madrugada comigo.
Ela entrou na casa, subiu a escada. Disse para colocar um som enquanto ela tomava um banho.
Coloquei um LP do Humble Pie. Pousei a agulha numa faixa chamada "Live with me" e fui preparar algo para beber.
Ela desceu a escada devagar. Usava apenas apenas uma camiseta que ela pegou na gaveta do meu guarda-roupa.
A última coisa que ela falou foi:
- Som bom esse!
Dei-lhe um beijo na boca e tirei a sua camiseta.
Acordamos tarde. Eram 11h:30min quando fui até a cozinha fazer café e fumar uma cigarrilha.
Eu estava preparando as torradas e ia fazer os ovos no prato, com presunto di parma, mostarda antiga e pimenta-do-reino, e o som do Kraftwerk começou a rolar na sala: "The hall of mirrors".
Olhei-a e ela estava só de camiseta novamente. Estava fumando um dos seus cigarros "alternativos" e estendeu um outro para mim.
- Enrolei para ti.
Dane-se o café, pensei.
- Creio que você vai passar o domingo aqui.
- Vou. Volto para a minha casa só se você quiser.
- É que eu tenho umas coisas pendentes da faculdade a resolver e...
- Vou embora então.
- Não! Foda-se o trabalho. Quero você aqui, comigo.
Lecionava de quarta às sextas-feiras. O restante dos dias passava com ela. E a cada vez que nós nos encontrávamos ela trazinha um sapo de brinquedo. A família Sapo dava indícios que aumentaria, à medida que a nossa cumplicidade aumentasse.
Secamos uma garrafa de conhaque fumamos mais dois alternativos e escutamos o Keith Jarrett executar ao piano um show que ganhou formato de LP, em 1975. Ela nem tinha nascido. os LP's tocaram aquele domingo todo e nós dois sentados juntinhos, namorando. Toda vez que escuto o The Köln Concert ou vejo as dezenas de sapos espalhados pela casa (não os retirei, nem vou retirar - lembram a minha época de alegria e felicidade) lembro-me dela, dos seus cabelos e dos seus olhos cúmplices.

terça-feira, 9 de março de 2010

Sapos II

Ainda dava para ver o sol, quando a campainha tocou e eu fui quem poderia ser. Era ela. Carregava uma caixa enorme de papelão. Abri o portão e ela entrou me cumprimentando. Entregou-me a caixa e disse: - Trouxe-lhe um presente, mas não deu para embrulhar porque eu peguei as coisas escondidas do meu pai. A caixa estava lacrada com fita adesiva. Era pesada. Convidei-a para entrar e enquanto abria a caixa com o meu canivete, ela se serviu de vinho. O presente consistia em litros de uísque, vodca, conhaque e tequila. Três garrafas de Logan, quatro garrafas de vodca Wyborowa (duas puras e duas com sabor abacaxi), duas garrafas de conhaque Hennessy Paradis Extra e duas garrafas de tequila Don Julio Reposado. Devo ter feito uma cara de surpresa, porque ela ria bem alto, chegando inclusive a se curvar na cadeira de tanta risada. - Você acha engraçado, mas não tem idéia de quanto custa cada garrafa de conhaque dessas. Seu pai vai ficar uma arara quando der pela falta dessas garrafas! - Você fala engraçado! Ficar uma arara... minha vó que falava assim! Meu pai temmmmmmmmmmmmm muuuuuuuuiiiito dinheiro, não vai sentir falta dessas garrafas. Além disso, eu gosto de bebidas destiladas e pretendo vir mais vezes aqui. E antes que eu pudesse falar qualquer coisa sobre roubo ela me calou com um beijo nos lábios. Onde eu iria para com isso tudo eu não sabia, mas ela era a dona da bola, e talvez do jogo também. Ela, numa petulância, que depois fui perceber, artificial, foi até o living e começou a mexer nos meus antigos vinis. Perguntou se o aparelho Gradiente funcionava. Disse-lhe que sim, mas não acreditava que ela fosse encontrar algo do gosto dela para escutar. - Isso eu verei agora. Meu Deus, pensei. De repente ela grita: - Uau! David Bowie! Vou colocar pra tocar! Escolheu a faixa, pôs a agulha e logo Bowie estava cantando: - I/I will be king/ And you/You will be queen. - Heroes, cara! FasequeBowiegravoudiscosantológicosemBerlim, ela falou assim, de uma vez só. Não esperou resposta e cantou junto o trecho que dizia: - We can be Heroes/Just for one day. - Eu te acho assim, um herói. Um D. Quixote! Eu trouxe mais algumas coisas que estão na minha bolsa, se você não se importar com os meus cigarros alternativos, é claro. Se você quiser, eu vou embora, é só falar. Ela estava esparramada no chão, sobre o tapete da sala, diante do aparelho de som. Seus cabelos volumosos esparramados pelos seus ombros e a minha vida esparramada pelo destino. Seus olhos castanhos fazendo par com os cabelos se insinuavam. Pensei: nunca vou deixar essa tigresa sair daqui. Nem se chamarem o resgate, bombeiros ou trouxerem o BOPE ela escapa das minhas mãos. - Acenda o que você quiser, tigresa. - Tigresa! Taí gostei da palavra. Geralmente os garotos da minha idade se referem a mim como potranca. - Uau! Dessa vez fui eu que exclamei. Ela se levantou passou por mim, resvalando seu corpo no meu, e foi até a cozinha pegar a sua bolsa que havia ficado numa das cadeiras da mesa.

Sapos

Quando vi não acreditei. Depois de um tempo, eles foram tomando conta de todos os cômodos. Grandes, pequenos, enormes, lisos, enrugados, doces ou de aspecto feroz. Sapos verdes claros, verdes mais escuros, bemmm escuros.
A casa, que ficava na rua Fidalga, estava tomada de sapos. E foi ela quem trouxe. Ela adorava esses sapos. colocáva-os sentados nos espoços vagos das estantes, na mesinha do centro da sala de estar, no nosso quarto, sobre a geladeira, enfim, em todo lugar que coubesse um sapo.
Essa coisa de sapo começou quando nos conhecemos. Eu lecionava. Tinha montado uma série de palestras com alunos de todos os anos. As aulas não eram obrigatórias. As palestras giravam em torno de Thoreau, Emerson e Whitman e a influência exercida sobre determinadas pessoas, contrapondo-os à sociedade voraz, que aqui está a devorar as nossas almas.
Ainda existia, para ilustrar o conjunto de palestras, o filme "Na natureza selvagem." A sala sempre enchia e uma outra palestra era marcada para quem ficou de fora.
Inevitavelmente o cheiro de maconha era tão normal quanto os alunos tomarem notas (poderiam com trabalhos sobre as palestras cobrir créditos que faltavam em outras matérias mais chatas).
Um dia, ela permaneceu após as aulas e pediu algumas explicações. Chamava-se Tânia, a moça.
Cabelos castanhos escuros, volumosos, deixavam uma boa impressão. Estavam em harmonia com os olhos castanhos e a face marcante, de lábios carnudos e carmesins.
Na terceira vez que ela ficou para falar comigo, a sua linguagem corporal já dizia tudo.
Terminou por convidar-me a passar o sábado (era terça-feira) na propriedade do pai dela, num condomínio fechado.
Aceitei.
Foi nesse dia que ganhei o meu primeiro sapo. Enorme, verde claro, olhões de sapo, eu creio.
Feito artesanalmente, ele tinha um metro de comprimento. Foi só gozação.
Na saída, enquanto recolhia algumas garrafas, roubou-me um beijo.
Depois, nos despedimos formalmente e eu peguei a estrada de volta para a Vila Madalena.